Responsabilidade civil pelo compartilhamento de mensagens pelo whatsapp e o caso marisa letícia

AutorLivia Teixeira Leal e Mariana Ribeiro Siqueira
Páginas113-129
RESPONSABILIDADE CIVIL PELO
COMPARTILHAMENTO DE MENSAGENS PELO
WHATSAPP E O CASO MARISA LETÍCIA
Livia Teixeira Leal
Doutoranda e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
UERJ. Pós-Graduada pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ.
Professora convidada da PUC-Rio, da EMERJ e da ESAJ. Assessora no Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro – TJRJ.
Mariana Ribeiro Siqueira
Doutoranda e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela
Paris II (Panthéon-Assas). Professora convidada da PUC-Rio e da EMERJ. Advogada.
1. O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E SEUS IMPACTOS SOBRE A
RESPONSABILIDADE CIVIL
É inegável que o advento e a popularização da Internet vêm gerando, nas últimas
décadas, uma série de transformações signif‌icativas, impactando as relações humanas
sob os mais diversos aspectos (sociais, econômicos, político, etc.). Apesar de não ter
sido desenvolvida em um momento inicial para utilização pela população em geral,1
a Internet foi, posteriormente, difundida para as mais variadas formas de utilização
humana, conf‌igurando-se como um novo meio de comunicação que agrega diferentes
formas de interação e de produção de conteúdo.2
Com a criação da World Wide Web, no início da década de 1990, tornou-se
possível a qualquer pessoa acessar a rede e ao conteúdo ali contido, desde que
tivesse um computador conectado à Internet.3 Contudo, foi com o advento da
1. Como observa André Lemos: “A ideia de unir computadores em rede é desenvolvida por Bob Taylor, diretor
em 1966 do DARPA, Departamento de Projetos de Pesquisas Avançadas da Agência de Defesa Americana.
Um dos passos fundamentais foi dado em 1969, quando o processador de mensagens é construído em um
minicomputador na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Esse foi o primeiro ponto da então
rede Arpanet. Em 1980, Darpanet se dividiu em duas novas redes: Arpanet (científ‌ica) e Milnet (militar). No
entanto, as conexões feitas entre as duas redes permitiram continuar a troca de comunicações eletrônicas.
Essa interconexão foi chamada de Darpa Internet no princípio, ou somente Internet, limitada aos cientistas
e militares”. LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 7. ed. Porto
Alegre: Sulina, 2015. p. 116.
2. A Internet é def‌inida pelo art. 5º da Lei nº 12.965/14 (“Marco Civil da Internet”), como “o sistema consti-
tuído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com
a f‌inalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes”.
3. Havia inicialmente, entretanto, alguns obstáculos para um acesso mais ativo por parte dos usuários. A www
exigia geralmente o pagamento de um valor pelo serviço, além de ser exigido um conhecimento informá-
tico mais desenvolvido do usuário para que ele pudesse criar sua página e divulgar conteúdos na rede. A
www era, ainda, marcada por conteúdos mais estáticos, pouco interativos e mais fechados, de modo que
os códigos informáticos que constituíam as aplicações de Internet não eram divulgados, permitindo-se o
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chamada Web 2.04 que os usuários puderam participar de forma mais ativa também
como criadores de conteúdos, o que tornou a Internet um meio de comunicação
dotado de um importante diferencial: o usuário deixa de se restringir ao papel
de espectador, passando a ser personagem ativo na construção da plataforma,
de “sua própria Internet”.
Pode-se observar, nesse contexto, um crescimento expressivo da utilização das
redes sociais como forma de comunicação e relacionamento humano. Uma pesquisa
do Comitê Gestor da Internet no Brasil constatou que cerca de “72% dos internautas
participam de discussões em redes de relacionamento, além de disponibilizarem
temas e ferramentas que possibilitam a outros usuários participarem desse processo
de entretenimento, debate e construção de conhecimento”.5
Desse modo, verif‌ica-se o aumento da produção e do compartilhamento de
conteúdos pelos próprios usuários, de forma ativa e colaborativa, sobretudo com a
expansão das redes sociais. Tal possibilidade, se, por um lado, proporciona um acesso
mais democrático à informação, por outro viabiliza a publicação de conteúdos pelos
usuários que possam gerar danos a outros.
Não se pode negar que a Internet possui características que potencializam
tanto a ocorrência quanto a extensão de uma situação danosa, na medida em que os
conteúdos são rapidamente difundidos, podendo alcançar em poucos minutos um
grande número de pessoas, e a rede acarreta uma permanência indef‌inida dos con-
teúdos nela inseridos, de forma inalcançável para a memória humana. Em poucos
minutos, uma publicação realizada em uma cidade do Brasil pode ser acessada por
milhares de pessoas, situadas em qualquer lugar do mundo. Caso haja a divulgação
indevida de uma foto ou de um vídeo, por exemplo, essa imagem poderá ser acessada
acesso apenas ao produto f‌inal. FACHANA, João. A responsabilidade civil pelos conteúdos ilícitos colocados e
difundidos na Internet: em especial da responsabilidade pelos conteúdos gerados por utilizadores. Coimbra:
Almedina, 2012. p. 26.
4. A chamada Web 2.0 corresponde a um segundo momento no desenvolvimento da Internet, cuja marca
principal seria o maior grau de participação dos usuários na produção e compartilhamento de conteúdos
na rede, por meio de redes sociais ou sites de upload e download de arquivos. Sobre o tema, ver: O’REILLY,
Tim. Web 2.0: Compact Def‌inition?. October 1, 2005. Disponível em: .oreilly.com/2005/10/
web-20-compact-def‌inition.html> Acesso em 09 abr. 2018.
Stefano Rodotá destaca a importância da Web 2.0 para a construção da personalidade: “Internet 2.0, quello
delle reti sociali, è divenuto uno strumento essenziale per i processi di socializzazione di massa e per la libera
costruzione della personalità. In questa prospettiva, assume un nuovo signif‌icato la libertà di espressione,
come elemento essenziale dell´essere della persona e della sua collocazione nella società. La costruzione
dell`identità tende così a presentarsi sempre di più come um mezzo per la comunicazione con gli altri, per
la presentazione del sé sulla scena del mondo. Questo modif‌ica il rapporto tra sfera pubblica e sfera privata,
e la stessa nozione di privacy”. RODOTÀ, Stefano. Il diritto di avere diritti. RomaBari: Laterza, 2012. p. 320.
5. “As redes sociais constituem um espaço, no qual a interação entre as pessoas permite a construção coletiva,
a mútua colaboração, a transformação e o compartilhamento de ideias em torno de interesses mútuos dos
atores sociais que as compõem. A Internet potencializa o poder dessas redes, devido à velocidade e à capila-
ridade com as quais a divulgação e a absorção de ideias acontecem”. BARBOSA, Alexandre; CAPPI, Juliano;
TAVARES, Robson. Redes sociais: revolução cultural na Internet. In: Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da
Informação e da Comunicação no Brasil 2005-2009. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2010.
p. 53-54.

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