A responsabilidade civil trabalhista da samarco pelos danos decorrentes do rompimento da barragem do fundão: o dever para com empregados e terceiros diretamente afetados

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas296-304

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Apresentação

Denominado por muitos como “o maior acidente mundial com barragens”, o desastre de Bento Rodrigues certamente ficará marcado na história do Brasil. Além de questões ambientais, o acidente repercute em diversas searas do Direito, propondo diferentes debates e questionamentos. O presente artigo científico visa abordar a responsabilidade civil da Samarco no âmbito trabalhista, analisando seu dever de reparo não apenas aos danos sofridos por seus funcionários, mas também àqueles sofridos por terceiros, ainda que ausente qualquer vínculo trabalhista destes com a mineradora. Inicialmente será analisado o rompimento da barragem, ainda que de maneira breve, abordando as searas do direito que abrangem o ocorrido. Em seguida, será estudado o instituto da responsabilidade civil, mediante a análise de seus requisitos, hipóteses de incidência e exclusão, bem como por meio do estudo das principais teorias do risco, responsáveis por dar origem à responsabilização de maneira objetiva. Por fim, será dado enfoque à responsabilidade civil que recai especificamente sobre a Samarco, verificando-se a possibilidade de responsabilização por danos oriundos de acidentes do trabalho, ainda que ausente o elemento culpa, levando-se em conta o caráter protetivo do direito trabalhista, bem como a posição de hipossuficiência do empregado e de terceiros diretamente envolvidos perante o empregador, buscando ao longo de todo este artigo o alcance de uma condição de maior nivelamento entre eles.

1. Introdução

O desastre de Bento Rodrigues, ocorrido em 5 de novembro de 2015, na cidade de Mariana/MG, causou inúmeros prejuízos, afetando não somente a fauna e a flora, como também milhares de brasileiros.

O rompimento da barragem do Fundão foi o responsável pelo lançamento de cerca de trinta e quatro milhões de metros cúbicos de lama no meio ambiente, poluindo o Rio Doce e alcançando sua foz, no Espírito Santo (PORTAL BRASIL, 2015).

Segundo dados fornecidos pelo Governo Federal em seu site oficial, além do dano à natureza, a enxurrada de lama tirou ainda mais de quinze vidas e deixou mais de seiscentas famílias desabrigadas (PORTAL BRASIL, 2015).

Neste sentido, muito se questiona acerca da responsabilização da Samarco pelo ocorrido, havendo discussões acerca de quais indivíduos teriam direito a ser ressarcidos pela mineradora em virtude do prejuízo sofrido.

O presente artigo visa analisar a responsabilidade civil da empresa, buscando compreender qual a forma de responsabilização é mais adequada à situação, de maneira que os indivíduos direta, e indiretamente, afetados pelo desastre tenham seu dano reparado de forma mais justa e igualitária.

Para tanto, será examinado de maneira breve o desastre ocorrido em Bento Rodrigues, a fim de alcançar uma melhor compreensão do mesmo, bem como quais as searas do direito são capazes de abrangê-lo, sendo dado maior

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enfoque ao Direito do Trabalho, auxiliado por princípios e teorias do Direito Ambiental.

Em seguida, será explorado o instituto da responsabilidade civil, sendo analisada sua classificação como responsabilidade subjetiva ou objetiva, elucidando os requisitos de cada uma delas, destacando-se ainda as principais teorias do risco, responsáveis por dar origem à modalidade de responsabilização de forma objetiva.

Toda esta análise será feita levando-se em conta o caráter protetivo do Direito do Trabalho, bem como a posição de hipossuficiência em relação à Samarco daqueles afetados pelo desastre, buscando um maior nivelamento entre eles.

Assim, após o estudo de todos os temas supramencionados, busca-se identificar a forma mais adequada de responsabilização da Samarco pelos danos advindos do rompimento da barragem do Fundão.

2. Samarco: o desastre e as consequências

A Samarco Mineração S.A. é uma mineradora brasileira controlada por duas gigantes do ramo, quais sejam, a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Fundada em 1977, a empresa é responsável pela produção das chamadas pelotas — pequenas bolas de minério de ferro usadas na produção de aço (PORTAL BRASIL, 2015).

No dia cinco de novembro de 2015, a barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, localizada no Município de Mariana, em Minas Gerais, foi alvo de um rompimento, que acarretou a erosão da barragem de Santarém e resultou no derramamento de cerca de trinta e quatro milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no vale do rio Doce (PORTAL BRASIL, 2015).

O site oficial do Governo Federal descreveu o desastre da seguinte maneira:

Na tarde do dia 5 de novembro, o rompimento da barragem do Fundão, localizada na cidade histórica de Mariana (MG), foi responsável pelo lançamento no meio ambiente de 34 milhões de m³ de lama, resultantes da produção de minério de ferro pela mineradora Samarco — empresa controlada pela Vale e pela britânica BHP Billiton. Seiscentos e sessenta e três quilômetros de rios e córregos foram atingidos; 1.469 hectares de vegetação, comprometidos; 207 de 251 edificações acabaram soterradas apenas no distrito de Bento Rodrigues. Esses são apenas alguns números do impacto, ainda por ser calculado, do desastre, já considerado a maior catástrofe ambiental da história do país. A enxurrada de rejeitos rapidamente se espalhou pela região, deixou mais de 600 famílias desabrigadas e chegou até os córregos próximos. Até o momento, foram confirmadas as mortes de 17 pessoas. Em questão de horas, a lama chegou ao rio Doce, cuja bacia é a maior da região Sudeste do País — a área total de 82.646 quilômetros quadrados é equivalente a duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. (PORTAL BRASIL, 2015.)

Neste sentido, é certo que um infortúnio de tamanha proporção não se limita à esfera ambiental, mas atinge diversas searas do direito brasileiro, das quais se destaca o direito do trabalho. Ressalte-se que, além da imensa afetação à natureza, milhares de empregados e empregadores foram prejudicados pelo rompimento da Barragem do Fundão.

Deste modo, surge o questionamento: em que ponto a tragédia toca em questões trabalhistas? Isto por que antes mesmo de ser considerado um desastre ambiental o mesmo deve ser considerado como um acidente do trabalho.

A legislação acidentária brasileira, com o passar dos anos, sofreu inúmeras alterações, sendo modificado também o conceito dado ao acidente do trabalho. Atualmente, a conceituação utilizada é aquela prevista no art. 19 da Lei n. 8.213/1991, com redação dada pela Lei Complementar n. 150, de 2015, segundo o qual é necessária à configuração do acidente do trabalho a ocorrência de lesão corporal, perturbação funcional, doença profissional ou do trabalho, ou ainda, em casos excepcionais, doenças não incluídas no rol previsto nos incisos I e II do art. 19 da Lei n. 8.213, de 1991, mas que sejam consequência das condições especiais em que o labor for executado, ou que com ele se relacione de maneira direta (BRASIL, 1991).

Enquanto a lesão tem como característica o dano físico, anatômico ou psíquico, a perturbação funcional caracteriza-se pelo dano fisiológico ou psíquico, não necessariamente aparente, relacionado com órgãos ou funções específicas, ao passo que a doença é caracterizada pelo estado mórbido de distúrbio da saúde física ou mental, com sintomas específicos para cada situação (OLIVEIRA, 1997).

Neste sentido, nota-se como elementos essenciais à configuração do infortúnio como acidente do trabalho o fato lesivo à saúde, seja ela física ou mental, o nexo causal entre o acidente e o trabalho e a redução da capacidade laborativa.

No caso em tela, qual seja, o rompimento da barragem do Fundão, a caracterização do acidente do trabalho fica evidente quando analisada a situação dos empregados da Samarco que, devido ao infortúnio, vieram a óbito ou tiveram qualquer redução física da capacidade laborativa. Quanto aos mesmos, a responsabilização trabalhista da mineradora fica evidente, ante a fácil caracterização dos casos supracitados como acidente do trabalho.

Em relação aos trabalhadores que perderam suas vidas, é certo que seus familiares terão a receber da minera-dora, além das respectivas verbas rescisórias, indenizações por perdas e danos, tendo por base a gravidade do fato, in casu, a perda de uma vida, bem como a idade, o salário e a expectativa de vida do acidentado falecido. (MAGALHÃES, 2015).

Quanto aos empregados da Samarco, também vítimas do rompimento da barragem do Fundão, que não vieram a óbito devido ao acidente, mas tiveram sua capacidade laborativa reduzida, seja física ou psiquicamente, a importância do reconhecimento do infortúnio como acidente de trabalho pauta-se, principalmente, na estabilidade prevista no art. 118 da Lei n. 8.213/19911.

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Assim, garantida a estabilidade provisória, surge para o acidentado, ao menos, o direito de poder retornar ao trabalho após sua recuperação.2

Todavia, no caso específico da tragédia de Mariana/ MG, a garantia de retorno ao emprego não tem sido suficiente para resguardar ao empregado uma perspectiva de futuro e de recuperação, seja ela financeira ou emocional.

Isto porque o acidente provocou uma enorme crise econômica junto à Samarco, tamanho o prejuízo causado pelo rompimento da barragem. Segundo Nicola Pamplona (2016), a mineradora, em junho de 2016, comunicou aos sindicatos ligados à mesma a necessidade de reduzir em 40% (quarenta por cento) a sua força de trabalho. Para tanto, a empresa negocia junto a seus funcionários o chamado Plano de Demissão Voluntária (PDV).

Deste modo, o que se afere é que, tamanha a proporção e a dimensão do acidente ocorrido, a Samarco não possui condições financeiras de manter seus empregados em seus...

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