Responsabilidade patrimonial

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas221-262

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119. Obrigação e responsabilidade

"El crédito encierra un deber para el deudor e una responsabilidad para su patrimonio."1Sendo patrimonial a responsabilidade, não há execução sobre a pessoa do devedor, mas apenas sobre seus bens.2Só excepcionalmente, nos casos de dívida de alimentos é que a lei transige com o princípio da responsabilidade exclusivamente patrimonial, para permitir atos de coação física sobre a pessoa do devedor, sujeitando-o à prisão civil (NCPC, art. 528, § 3º).3 - 4

Mesmo nessas exceções, a prisão do executado é feita como medida de coação para obter do devedor o cumprimento da obrigação. Não há sub-rogação do Estado

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para realizar a prestação em lugar do devedor. Não se trata, por isso, propriamente de execução da dívida sobre o corpo do devedor, fato que ocorria nos primórdios do Direito Romano, quando se vendia o executado como escravo para com o produto saldar-se a dívida.

No direito moderno, portanto, "o objeto da execução são os bens e direitos que se encontram no patrimônio do executado".5Daí o primeiro princípio informativo do processo executivo, já anteriormente indicado: "Toda execução é real" (não pessoal).6Para compreender-se o mecanismo da execução diante de diversas pessoas cujos patrimônios ficam sujeitos à expropriação executiva, cumpre primeiro fixar-se o conceito material e processual de responsabilidade.

A obrigação, como dívida, é objeto do direito material. A responsabilidade, como sujeição dos bens do devedor à sanção, que atua pela submissão à expropriação executiva, é uma noção absolutamente processual.7Ao tempo do Código Civil de 1916 não havia, no direito material, referência explícita à responsabilidade patrimonial, de maneira que era do Código de Processo Civil a previsão de responder o patrimônio do devedor pelas obrigações inadimplidas (art. 591, CPC/73; NCPC, art. 789). O atual Código Civil (2002) entendeu por bem tratar da responsabilidade patrimonial dentre as consequências do descumprimento da obrigação; e o fez em termos análogos aos do dispositivo processual, ou seja: "Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor" (CC, art. 391). Há, portanto, perfeita sintonia entre o direito material e o direito processual, em matéria da sanção aplicável ao devedor que descumpre a obrigação.

No direito substancial, dívida e responsabilidade podem estar separadas, quando, por exemplo, uma pessoa assume a primeira e outra a segunda, como nos casos de fiança ou de garantia real outorgada em favor de obrigação de terceiro. O fiador ou o garante não são devedores, mas respondem com seus bens pela dívida cuja garantia assumiram voluntariamente.

No direito processual, vai-se mais longe e admite-se até a responsabilidade patrimonial de quem não é nem devedor nem responsável materialmente pelo cumprimento da obrigação. Há casos, assim, em que apenas o patrimônio ou determinados bens ficam sujeitos à execução, sem que o respectivo dono sequer seja parte no processo (adquirente de objeto de sentença em ação real, de bem alienado em fraude de execução, sócio solidário, etc.)

Para o direito formal, por conseguinte, a responsabilidade patrimonial consiste apenas na possibilidade de algum ou de todos os bens de uma pessoa serem submetidos

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à expropriação executiva, pouco importando seja ela devedora, garante, ou até seja estranha ao negócio jurídico substancial.

A responsabilidade patrimonial do devedor atinge normalmente "todos os seus bens presentes ou futuros" (NCPC, art. 789).8Vale dizer que tanto os bens existentes ao tempo da constituição da dívida como os que o devedor adquiriu posteriormente ficam vinculados à responsabilidade pela execução. Isto decorre de ser o patrimônio uma universalidade como um todo permanente em relação a seu titular, sendo irrelevantes as mutações sofridas pelas unidades que o compõem. Pouco importa, por isso, se o objeto do devedor a penhorar existia ou não ao tempo em que a dívida foi constituída.

Na realidade, a responsabilidade não se prende à situação patrimonial do devedor no momento da constituição da obrigação, mas da sua execução. O que se leva em conta, nesse instante, são sempre os bens presentes, pouco importando existissem ou não, ao tempo da assunção do débito. Nesse sentido, não se pode entender literalmente a fórmula legal do art. 789, quando cogita da responsabilidade executiva dos bens futuros. Jamais se poderá pensar em penhorar bens que ainda não foram adquiridos pelo devedor. Tampouco se há de pensar que os bens presentes ao tempo da constituição da obrigação permaneçam indissoluvelmente vinculados à garantia de sua realização. Salvo a excepcionalidade da alienação em fraude contra credores, os bens dispostos pelo devedor deixam de constituir garantia para os credores.

Dando maior precisão à linguagem da lei, deve-se compreender a responsabilidade patrimonial como a sujeição à execução de todos os bens que se encontrem no patrimônio do devedor no momento em que se pratica a ação executiva, sem se preocupar com a época em que foram adquiridos.9O patrimônio é, outrossim, composto apenas de bens de valor pecuniário. Não o integram aqueles bens ou valores sem significado econômico como a honra, a vida, o nome, o pátrio poder, a liberdade e outros bens jurídicos de igual natureza.

Em algumas circunstâncias especiais, a lei exclui também da execução alguns bens patrimoniais, qualificando-os de impenhoráveis por motivos de ordem moral, religiosa, sentimental, pública etc. (NCPC, art. 833).10Em tema de responsabilidade patrimonial, situação interessante foi criada pela Lei nº 12.441 de 11 de julho de 2011, que incluiu entre as pessoas jurídicas a denominada empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI). Por meio dessa instituição é possível à pessoa física dedicar-se à atividade empresarial sem associar-se com outras pessoas e sem comprometer a totalidade de seu patrimônio. Pelas obrigações contraídas em nome da empresa individual, que passou a figurar no inciso VI do art. 44 do Código Civil, apenas responderão os bens com que o instituidor integralizou o respectivo capital. Aplicam-se à EIRELI, no que couber, as regras previstas para as

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sociedades limitadas (CC, art. 980-A, § 6º). Esse tipo empresarial pode ser produto de ato de vontade originário do instituidor, ou resultar da concentração das cotas de outra modalidade societária num único sócio (art. 980-A, § 3º). Todavia, limita a lei a liberdade da pessoa física permitindo-lhe figurar em uma única empresa dessa modalidade (art. 980-A, § 2º).

120. Responsabilidade e legitimação passiva para a execução

O sujeito passivo da execução é, normalmente, o vencido na ação de conhecimento ou o devedor que figure como tal no título extrajudicial (NCPC, art. 779, I).11São seus bens, naturalmente, que se sujeitarão à execução forçada. Outras pessoas também prevê o Código como legitimadas a sofrer a execução, embora não figurem primitivamente no título, como o espólio, os herdeiros, o assuntor da dívida, o fiador judicial, o responsável tributário (NCPC, art. 779, II a VI). Não são estes, porém, terceiros em relação à dívida, pois na verdade todos eles ou sucederam ao devedor ou assumiram voluntariamente responsabilidade solidária, pelo cumprimento da obrigação. São, de tal arte, partes legítimas da execução forçada, sem embargo de não terem o nome constante do título executivo. Seus patrimônios serão alcançados pela execução dentro da mesma responsabilidade que toca ao devedor apontado como tal pelo título.

A defesa, que eventualmente tenham que apresentar, terá de revestir a forma de "embargos do executado" ou "de devedor" (art. 914).12121. Responsabilidade executiva secundária

"Bens de ninguém respodem por obrigação de terceiro, se o proprietário estiver inteiramente desvinculado do caso do ponto de vista jurídico."13Há casos, porém, em que a conduta de terceiros, sem levá-los a assumir a posição de devedores ou de partes na execução, torna-os sujeitos aos efeitos desse processo. Isto é, seus bens particulares passam a responder pela execução, muito embora inexista assunção da dívida constante do título executivo. Quando tal ocorre, são executados "bens que não são do devedor, mas de terceiro, que não se obrigou, e, mesmo assim, respondem pelo cumprimento das obrigações daquele".14 Trata-se, como se vê, de obrigação puramente processual.

Liebman qualifica a posição desses terceiros como de "responsabilidade executória secundária"15.

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O art. 790, do NCPC16enumera as hipóteses em que ocorre essa modalidade secundária de...

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