Responsabilidade dos administradores na sociedade por ações simplificada

AutorFrancisco Reyes Villamizar
Páginas105-128

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1. Introdução

Depois do primeiro ano de vigência da lei que deu origem à Sociedade por Ações Simplificada (SAS) na Colômbia, os resultados não poderiam ser melhores. Mais de 14.000 sociedades por ações simplificadas, criadas na Colômbia, são a amostra incontrastável de um fenômeno sem precedentes na história de nossas normas empresariais. E não é apenas a enorme quantidade de sociedades simplificadas o que surpreende. O mais interessante e su-gestivo é observar a debilidade dos tipos tradicionais de sociedade, cuja decadência demonstra a obsolescência de um regime defendido resolutamente pelos defensores mais ferozes do anacrônico status quo.

Certamente os empresários não falam a linguagem dogmática de complexos teoremas jurídicos, senão a mais eficaz da ra-cionalidade econômica. Assim, quando aparece uma nova tecnologia, mais prática, mais flexível e menos custosa como a da nova sociedade, ela é adotada sem melindres conceituais. Somente no mês de novembro de 2009, o número de SAS criadas ou transformadas foi sete vezes maior que o de sociedades anônimas. A SAS também quadruplicou o número de sociedades limitadas criadas no mesmo período.

Ademais, uma figura como a SAS melhorou, sem dúvida, o clima de negócios, ao mesmo tempo em que facilitou a inversão estrangeira, de maneira que o país pode seguir avançando também nos índices que o Banco Mundial e outras entidades multilaterais preparam a cada ano.

Em um país repleto de leis que apenas se conhecem por sua inobservância, não

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deixa de surpreender a efetividade de uma norma que, em tempo recorde, permitiu a formalização de milhares de entidades empresariais, ao facilitar-lhes o acesso a uma estrutura societária que se ajusta às necessidades específicas de seus usuários. O entusiasmo dos empresários pela nova forma de sociedade e sua utilização massiva para incluir todo tipo de empreendimentos não se restringe ao âmbito das pequenas empresas. A versatilidade do novo tipo também tem despertado o interesse dos grandes empresários que têm massivamente transformado suas companhias em sociedades por ações simplificadas. Os mais importantes grupos empresariais colombianos têm migrado nos últimos meses para o regime da SAS, no que se poderia considerar como o maior plebiscito frente a uma norma mercantil em várias décadas.

A SAS sobressai no sistema latino--americano porque, ao invés de seguir as escolas de pensamento do século XIX, inscreve-se em tendências contemporâneas. Nelas é fundamental uma drástica redução de custos de transação, o qual só pode ocorrer com uma estrutura leve, carente de for-malismos arcaicos e restrições à iniciativa privada.

Dentro das inovações mais relevantes que a Lei SAS introduziu, deve-se ressaltar a possibilidade de criação por ato unipessoal, a constituição por documento privado, o caráter constitutivo da inscrição no registro mercantil, a limitação de responsabilidade por obrigações sociais - incluídas as derivadas de impostos e obrigações laborais -, a possibilidade de desconsideração de sua personalidade jurídica em hipóteses de fraude ou utilização abusiva, a possibilidade de objeto indeterminado, prazo de duração indefinido, ampla liberdade na organização da sociedade, abolição da fiscalização fiscal obrigatória, classificações de ações, voto múltiplo, abolição da pluralidade para quórum e maiorias decisórias - incluídas as reuniões em segunda convocação -, a possibilidade de renunciar ao direito de ser convocado a reuniões da assem-bleia, regulação específica da teoria do abuso do direito em determinações da assembleia - incluídos os abusos de maioria, minoria e paridade -, votação pelo princípio da maioria simples, liberdade de proporção entre o capital autorizado e subscrito, prazo amplo de dois anos para a integra-lização do capital sem sujeição a proporção definida de quota social, ampla efetividade de acordos de acionistas - incluída a possibilidade de fazer valer a execução específica das prestações pactuadas -, supressão de proibições aos administradores sociais e dos limites para a distribuição de lucros, possibilidade de arbitramento para resolver todos os assuntos, incluídas as ações de impugnação de determinações da assembleia ou junta diretiva.

Ao contrário do que se afirma sobre a SAS, o novo tipo societário inclui maiores proteções para os acionistas e para os terceiros que as formas associativas tradicionais. A filosofia que subjaz a esta nova legislação se orienta ao estabelecimento de normas materiais e processuais que permitam cumprir o ideal de eficácia de que têm carecido nossas normas de Direito Privado. Para lograr este propósito, o projeto de lei que deu origem à sociedade por ações simplificada baseou-se em duas premissas fundamentais. Em primeiro lugar, teve-se em conta a necessidade urgente de suprimir inumeráveis formalismos inúteis e elevados custos de transação provenientes do regime tradicional das sociedades. Em segundo lugar, intentou-se substituir este acervo de disposições anacrônicas por proteções efetivas e acordes com as tendências atuais do Direito Societário.

Afora a consideração certa e suficientemente difundida no sentido de que as regras de Direito Societário vigentes antes da reforma não estavam cumprindo uma finalidade de proteção adequada, a análise empírica havia demonstrado a inexistência virtual de litígio societário na Colômbia.1

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Não apenas de verificou que os particulares raras vezes exerciam seus direitos perante as instâncias jurisdicionas, senão que, ademais, o número de processos de arbitragem nesta matéria era ínfimo em comparação com a quantidade de sociedades existentes no país. O primeiro obedece, sem dúvida, à escassa confiança que os particulares têm na jurisdição ordinária, tanto pela lentidão dos processos (que torna extremamente custoso o litígio), como pela falta de especialização matérias complexas, como aquelas que fazem parte do regime societário. Enquanto que a reduzida atividade em tribunais de arbitragem se deve, sem dúvida, à obsoleta proibição que impede submeter a este meio alternativo as ações de impugnação de determinações da assembleia e da junta diretiva. Esta última restrição à arbitragem, baseada no art. 194 do Código Comercial, tem sido defendida resolutamente pela jurisprudência e doutrina locais.2 De aí que os conflitos principais que se suscitam nas sociedades, cuja discussão ocorre no foro natural de controvérsia que é a assembleia geral de acionistas, ficam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula compromissória.

Por isso, na elaboração do projeto que deu origem à Lei 1.258, de 2008, teve-se especial cuidado em conferir a esta estrutura societária salvaguardas suficientes para evitar que, como tem ocorrido até então, os potenciais litigantes desistam antecipadamente de fazer valer seus direitos ante as instâncias estatais encarregadas de dirimi-los. Tal como afirma o Professor Robert Cooter, o acesso à justiça depende também dos custos do litígio e estes estão relacionados estreitamente com a maior ou menor celeridade dos tribunais para resolver um conflito. Em sua opinião, "os cus-

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tos do litígio incluem, além dos honorários advocatícios, as demoras do processo. Ao manter controlados os custos do litígio, os juízes logram aumentar a credibilidade que os particulares lhe outorgam à ameaça de demandas judiciais por parte de quem tem sido vítima de transgressões legais. O temor ante uma justiça eficiente conduz a conciliações em condições adequadas. Quando os juízes resolvem os conflitos econômicos eficientemente, a maioria dos litígios se concilia em condições favoráveis para a parte que tem agido correta-mente".3

Do ponto de vista processual também se avança significativamente com a Lei 1.258/2008. No art. 40 do novo estatuto, se estabelece que todas as ações que se relacionem com a sociedade por ações simplificada (SAS) serão resolvidas pela Superintendência de Sociedades através do trâmite do processo "verbal sumário". Por ser este trâmite de única instância (art. 435 do Código de Processo Civil), não haverá audiências inúteis de conciliação "obrigatória", nem recurso de apelação sobre as decisões finais que sejam proferidas neste âmbito.4

Por isso, ao menos no âmbito das SAS, subsistirá uma desjudicialização plena dos conflitos que se suscitem entre seus acio-nistas, frente à sociedade ou com seus administradores e executivos.

Nas sociedades por ações simplificadas não apenas será viável a litigância de conflitos ante a Superintendência de Sociedades, como também o será a inserção da cláusula compromissória para todos os assuntos, incluídas as ações de impugnação de decisões de assembleia e as de responsabilidade contra os administradores. A arbitragem poderá, por fim, estrear no âmbito do Direito Societário. Espera-se, pois, que a partir destas normas se logre por em marcha um vigoroso litígio societário que permita a efetividade dos direitos subjeti-vos conferidos aos acionistas. Somente assim se logrará a criação de confiança no regime das sociedades e a possível redução dos custos de capital para os empresários.

As soluções de direito material aplicáveis às SAS vão desde a possibilidade de afastamento da personalidade jurídica, passando por mecanismos para combater o abuso de direito até a consagração de um novo regime de responsabilidade de administradores...

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