Responsabilidades dos projetistas, do construtor e dos profissionais envolvidos na construção

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas52-84

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Responsabilidades dos projetistas
3.1. 1 Projeto (etapas e desenvolvimento)

Conforme definição de Melhado, projeto é “o conjunto de atividades e serviços, integrante do processo de produção, responsável pelo desenvolvimento, organização, registro e transmissão das características físicas e tecnológicas especificadas para uma obra, a serem consideradas na fase de execução”72.

O processo passa por etapas conceitualmente progressivas, nas quais a liberdade de decisão entre alternativas vai sendo gradativamente substituída pelo detalhamento das soluções adotadas. É necessário distinguir, dentro da fase de projeto, as etapas que o compõem. Na construção de edifícios, temos em geral as seguintes etapas do projeto: Programa de Necessidades; Estudo Preliminar; Anteprojeto; Projeto Legal; Projeto Pré-Executivo; Projeto Básico; Projeto Executivo; Projeto para Produção; Projeto “As-Built”.

Na etapa de idealização do produto, em que se analisam as necessidades dos clientes e se estabelecem as diretrizes para o empreendimento e seu projeto, em regra, há a contratação apenas do arquiteto, sem envolver diretamente os demais projetistas. Ao arquiteto, juntamente com o dono da obra, cabe a concepção da obra, assim entendida a ideia do produto, restando aos demais projetistas os trabalhos de suas especialidades, de acordo com a ideia já concebida (como é o caso dos projetos de estrutura, elétrico, hidrossanitário etc., que são feitos de acordo com o projeto arquitetônico previamente concebido).

Cabe ao dono da obra, empreendedoras e construtoras, quando contratantes, prover os projetistas de informações e parâmetros quanto às características do produto e da produção. Via de regra, as empreendedoras e construtoras fornecem aos projetistas os elementos para elaboração dos respectivos trabalhos, assumindo a contratação, a coordenação e a execução da obra73.

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Mas o caráter multidisciplinar do projeto e a elaboração simultânea do mesmo, envolvendo diversos especialistas de formação e postura diferentes, trazem consigo a necessidade de coordenação do processo. Na construção de edifícios, a função de coordenador de projeto pode ser exercida pelo próprio arquiteto autor do projeto (solução clássica, porém nem sempre adotada), pela construtora (por meio de um diretor, gerente ou um funcionário supervisionado por eles), mas também por profissional ou empresa contratada pelo empreendedor, sem estar diretamente ligado aos projetistas ou aos construtores. Não há, portanto, solução universal.

3.1. 2 A responsabilidade dos autores dos projetos

Há três modelos básicos de atuação na construção civil, que orientam a elaboração do projeto:

(a) a empresa faz incorporação e construção, tendo controle total sobre o projeto, a obra e os aspectos relacionados ao controle da execução;

(b) a construtora constrói para terceiros, sendo o projeto fornecido “semipronto”, com possibilidade de alteração, dependendo do cliente; e

(c) a construtora executa um contrato de empreitada, partindo do projeto na sua forma final e sem possibilidades de alteração, devido ao sistema de contratação.

Se a obra for executada pelo autor do projeto, responderá ele integralmente pelos vícios e defeitos da construção. Porém, se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto (se não assumir a direção ou fiscalização daquela) ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único, do CC, que são aqueles referentes à solidez e segurança74.

A evolução setorial tem levado a uma revalorização do processo de projeto – trazendo, assim, exigências mais claras para a atuação dos projetistas e para a coordenação dos projetos. Diante da importância do projeto para a obtenção da qualidade, há, inclusive, um crescente número de programas de gestão da

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qualidade e de certificação da qualidade que induzem um aperfeiçoamento técnico e redução do número de vícios ou defeitos, sejam eles derivados de falha do projeto ou de execução.

O art. 12, do CDC, dispõe que o fabricante, o produtor e o construtor respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto. O parágrafo 3º desse dispositivo ressalva que só não serão responsáveis se provarem que não colocaram o produto no mercado, que o defeito inexiste ou que a culpa é exclusivamente do consumidor ou de terceiro75.

O CDC aplica aos profissionais liberais o regime da responsabilidade subjetiva76, que deverá ser apurada mediante a verificação de sua culpa77. Dessa forma, os projetistas responsáveis pelo evento danoso são solidários na responsabilidade com o construtor, desde que seja provada a sua culpa, responsabilidade esta que também se prorroga além da entrega da obra, de modo que poderá ser apurada posteriormente à conclusão dos serviços, durante os prazos legais.

A responsabilidade dos projetistas – sempre subjetiva – é limitada aos defeitos intrínsecos a seu projeto e não pela falha da execução, quando dela não participem.

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Na lição de Teresa Ancona Lopez:

A lei entende que se o projetista elaborou apenas o projeto e entregou-o ao comitente, que ou cuida pessoalmente da execução, ou transfere a tarefa a terceiro, sua responsabilidade fica restrita aos vícios de solidez e segurança da obra. Certo é que esses vícios devem decorrer do projeto em si e não da execução da obra. A lei não cria solidariedade entre o autor do projeto e o empreiteiro da execução, mas sim responsabiliza cada um deles pelos vícios sobre os quais tiver responsabilidade78.

A regra da responsabilidade subjetiva deve prevalecer mesmo com a super-veniência do art. 931 do CC de 2002 (posterior ao CDC, que é de 1990), o qual estabelece que os empresários individuais – além das empresas – respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, ou seja, objetivamente79. Isso porque, ao estabelecer a responsabili-dade objetiva como regra, o art. 931 ressalva, na parte inicial do texto, os casos previstos em lei especial. E o CDC é uma lei especial, que estabelece o regime da responsabilidade subjetiva para os profissionais liberais, devendo prevalecer.

Além disso, o referido art. 931 do Código Civil estabelece o regime da responsabilidade objetiva pelos danos causados pelos “produtos” postos em circulação, não fazendo referência aos “serviços”, como são aqueles prestados por projetistas de modo geral.

O fato de os profissionais liberais se organizarem e desenvolverem os seus trabalhos como empresários individuais (assim previsto no texto do art. 931 do CC) não os enquadra necessariamente na responsabilidade objetiva, pois essa forma de desenvolver formalmente a sua profissão – como empresários individuais – não lhes retira a característica básica, de profissionais liberais, devendo ser aplicada a regra básica da responsabilidade subjetiva prevista no art. 14, § 4º, do CDC.

Embora o Código Civil não se refira expressamente aos vícios de concepção da obra, nem por isso ficam liberados de responsabilidade os que a projetaram e calcularam cargas e resistências. Stoco anota que tal responsabilidade é imanente ao exercício profissional e deflui das normas regulamentadoras da Engenharia e da Arquitetura como atividades técnicas vinculadas à construção, motivo pelo qual é uma responsabilidade legal e não contratual, como

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supõem alguns. O arquiteto, o engenheiro ou a empresa habilitada, cada um é autônomo no desempenho de suas atribuições profissionais e responde técnica e civilmente por seus trabalhos, quer os execute pessoalmente, quer os faça executar por prepostos e auxiliares80.

Um projeto construtivo pode apresentar falhas de diversas naturezas: inobservância a normas técnicas; inobservância à legislação; falhas intrínsecas, de qualidade do trabalho, decorrentes de dimensionamentos ou especificações inadequadas ou equivocadas, incompatibilidade de materiais, e assim por diante. Melhado observa que uma das possíveis falhas de um projeto é “sua estrutura geral ser adequada apenas à imagem final e acabada da obra e não às imagens parciais das fases de execução”81.

Dentro da gama de problemas com origem no projeto, há vícios ou defeitos que podem ser gerados exclusivamente por falha de concepção – falha de projeto –, mas também problemas que se originam na interface de projeto e execução.

Thomaz observa que no Brasil, com exceção de alguns levantamentos preliminares efetuados pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo) em conjuntos habitacionais construídos no interior, não se tem notícia da compilação de dados sobre as origens dos problemas patológicos nos edifícios e sobre as suas formas mais típicas de manifestação82.

Apenas para demonstrar a possibilidade real de as falhas se originarem na...

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