A responsabilização internacional dos estados frente aos direitos humanos

AutorCarolina de Freitas Paladino
Páginas1-20

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Introdução

O discurso constitucional ganha cada vez mais legitimidade.1 Ao lado dele os direitos humanos, reconhecidos no plano internacional têm sido alvo de amplos debates Page 2 pela comunidade jurídica, objetivando-se formas de proteção dos cidadãos em relação a esses direitos.

Assim, nunca se viveu num momento de tão extensa proteção aos direitos humanos, seja no plano interno, com os direitos fundamentais, ou mesmo no plano internacional.

Os direitos humanos têm toda uma trajetória de consolidação por diferentes épocas. Após a ocorrência das duas Guerras Mundiais com toda a supressão de direitos humanos vivida naquele momento histórico, começa um debate que visa justamente à proteção dos seres humanos (nacionais e estrangeiros), reputando-se esse dever aos diferentes Estados-Nações. A discussão que se coloca é se é possível universalizar os direitos humanos ou não, diante das heterogeneidades presentes na sociedade ocidental e oriental.

Portanto, a partir de 1948, com a Declaração Universal de Direitos Humanos, inicia a construção no plano internacional dos direitos humanos, com a criação de mecanismos que protegem efetivamente esses direitos, com a elaboração de instituições globais como a ONU e regionais (Europa, Sistema Interamericano).

De qualquer forma, buscando-se a proteção dos direitos é que se adentra no tema da responsabilidade no caso de não observância de direitos humanos pelos Estados. Diversos organismos foram criados para a proteção desses direitos, elaborando-se diversos tratados para abrangê-los, fomentando a participação na sua formulação e pactuação.

Portanto, se esses direitos humanos não forem respeitados é possível, no plano atual, responsabilizar os Estados nos casos de ação ou omissão em relação ao cumprimento dos Direitos Humanos. Finalmente, é preciso cotejar a responsabilidade estatal com a noção de soberania, advinda com a criação dos Estados Modernos, a partir de uma nova interpretação dada a esses diplomas.

Assim sendo, o trabalho possui três objetivos, uma tratativa dos direitos humanos, a possibilidade de responsabilização dos Estados no caso de descumprimento de tratados que versem sobre direitos humanos e a discussão do papel da soberania no contexto atual em contraposição às instituições mencionadas anteriormente.

1 Direitos humanos

Os direitos humanos são compreendidos como requisitos mínimos para uma vida digna e livre, evoluindo esse conceito conforme a transformação da proteção de direitos básicos do indivíduo. Não constituem um rol finito, a partir de critérios axiológicos, tratando-se, na verdade de um conceito fluído e aberto2. Page 3

Conforme menciona Norberto BOBBIO os direitos humanos não nascem de uma vez, sendo históricos, são formulados conforme as circunstâncias sócio-históricopolíticas sendo possível falar em gerações de direitos humanos3.

Essa discussão deve ser analisada com a evolução dos direitos fundamentais, seguindo o mesmo raciocínio. Assim o marco histórico em que se começa a discutir direitos dos cidadãos é justamente no período pós-revolução francesa. Naquela época a luta era pela contenção do Estado, imputando a ele um dever de não agir, invocando-se os direitos fundamentais de primeira dimensão. Ou seja, limita-se o Estado, deixando diversos setores ao bel prazer da iniciativa privada. Três são os direitos de proteção do Estado: liberdade, propriedade e igualdade formal.

Num período posterior, que pode ser demarcado juntamente com o período do início do século XX até meados desse século tendo em vista que os direitos estariam sendo desrespeitados e por isso chama-se o Estado a participar de forma ativa na vida das pessoas. Vive-se num momento de Estado Social, garantindo-se condições mínimas de sobrevivência - sendo conhecidos esses direitos como de segunda dimensão.

Mas com todo esse movimento da globalização, de questões ambientais que têm sido alvo de grandes preocupações, fala-se em direitos de terceira dimensão, ou seja, uma categoria de direitos em que não são definidos os titulares desses direitos. São os chamados direitos difusos e coletivos.

Imputam-se ao Estado diversas tarefas a cumprir os direitos fundamentais de todos aqueles que estão em seu território. Mas a discussão atual é justamente como protegê-los de arbitrariedades estatais e o que fazer diante da lesão a direitos fundamentais.

Há sempre a possibilidade de uma compreensão aberta do âmbito normativo das normas de direitos humanos, o que fixa margens móveis para o conjunto de direitos humanos, assegurados em uma determinada sociedade. Enquadra-se como direito fundamental da pessoa humana, então, aquele direito cujo conteúdo é decisivamente constitutivo da manutenção da dignidade da pessoa humana em determinado contexto histórico4.

No mesmo sentido afirma Walter Claudius ROTHENBURG aborda que "o catálogo previsto de direitos fundamentais nunca é exaustivo (inexauribilidade ou não tipicidade de direitos fundamentais), a ele podendo ser sempre acrescidos novos direitos fundamentais".5. Page 4

Assim, esses direitos "são fruto de um espaço simbólico de luta e ação social, na busca por dignidade humana"6 de forma que "para que sejam efetivamente protegidos, devem dar ao indivíduo condições para que este reclame em seu direito, buscando a responsabilidade do Estado em caso de violação."7.

Com efeito, se antes a proteção ocorria no âmbito interno com os chamados direitos fundamentais, hodiernamente a discussão tomou uma proporção internacional de forma que é possível a identificação de processos universalizantes de codificação de direitos humanos, passando a ser compreendidos como prerrogativas de uma sociedade internacional, ocorrendo a sua proteção independentemente de limitações territoriais determinadas pelos Estados8.

É notória a noção de que os direitos humanos não devem ficar restritos ao plano interno. Para isso é necessária a adequada revisão da noção tradicional de soberania absoluta dos Estados, que deve passar por um processo de relativização, com consequentes possibilidades de intervenção no plano internacional. Outro fator importante a ser elencado por esta mudança de concepção é a "cristalização" de que o ser humano tem direito a proteção de direitos humanos no plano internacional, enquanto sujeito de direito9.

Pode-se dizer que a história do Ocidente caminha num mesmo sentido determinando valores universais a serem alcançados pelos diferentes Estados.

No plano do direito internacional os direitos humanos ganham legitimidade com a ideia de universalização. Assim, "em um mundo de polaridades indefinidas, a proteção internacional dos direitos humanos é ingrediente essencial de governabilidade mundial, servindo de parâmetro comum para todos os governos da comunidade internacional".10.

Quando se fala em proteção no âmbito internacional um das questões a serem discutidas é sobre a universalização dos direito humanos. Do ponto de vista histórico, os direitos humanos foram primeiramente pensados pelos filósofos11. Nesse sentido alguns estudiosos confirmam que os direitos humanos podem ser analisados sob uma perspectiva global no plano atual. Assim concebem-se direitos humanos globais com a flexibilização da soberania do Estado, em razão da universalização de direitos humanos, movimento este surgido após a II Guerra Mundial, com um crescente esforço para a Page 5 reconstrução dos direitos humanos com o marco teórico de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade dos direitos12.

De outro lado, é possível vislumbrar o relativismo cultural em que justamente se critica essa concepção universalista dos direitos humanos. Conforme afirma Flávia PIOVESAN essa tentativa universalista "simboliza a arrogância do imperialismo cultural do mundo ocidental, que tentar universalizar suas próprias crenças".13.

Portanto, segundo essa concepção os direitos humanos possuem um conceito fluído, ou em outras palavras, em movimento, variando conforme os valores adotados por aquela sociedade, bem como dependendo do território e do contexto histórico de cada local.

Assim, "o pluralismo cultural impede a formação de uma moral universal, tornando-se necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade, bem como seu peculiar sistema moral".14. Nunca se viveu num período de tão forte afirmação da existência de um multiculturalismo, o que impede, a primeira vista, da aceitação de universalização de direitos humanos.

De qualquer sorte embora seja de extrema dificuldade tratar dessa temática

acredita-se, de igual modo, que a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos humanos, inspirada pela observância do "mínimo ético irredutível", alcançado por um universalismo de confluência. Esse universalismo de confluência, fomentado pelo ativo protagonismo da sociedade civil internacional, a partir de suas demandas e reivindicações morais, é que assegura a legitimidade do processo de construção de parâmetros internacionais mínimos voltados à proteção dos direitos humanos 15 .

Por conseguinte, para a existência do direito internacional é necessária a presença de valores comuns a serem alcançados pelos Estados. Assim, caso não haja esse acordo e verdadeira escolha de um rol mínimo de direitos humanos a serem preservados pelos Estados, obrigando-os a respeitá-los por meio de tratados, não se pode sustentar a proteção de direitos que nem se pode dizer quais são, o que dificulta também a demanda dos próprios titulares desses direitos perante Cortes Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos.

A internacionalização dos direitos humanos pôde ser verificada inicialmente com a Liga das Nações e a Organização...

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