Responsabilização de agentes públicos e improbidade administrativa: uma história conturbada
Autor | Ricardo Marcondes Martins |
Cargo | Doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP |
Páginas | 1-28 |
1
DOI https://doi.org/10.5007/2177-7055.2022.e86720
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RESPONSABILIZAÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS
E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
UMA HISTÓRIA CONTURBADA
ACCOUNTABILITY OF PUBLIC AGENTS AND
ADMINISTRATIVE IMPROBITY: A TROUBLED HISTORY
Ricardo Marcondes Martins¹
¹Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Resumo: Pretendeu-se neste estud o propor algumas t eses sobre a responsabi lização
dos agentes públ icos tendo por pressuposto uma teor ia sociológica d a improbi-
dade adm inistrativa. A realidade brasileira evidencia que o direito discipli nar foi
apropriado pel a Administr ação paralela. Há u ma conformação impl ícita no Texto
constitucional, que não pode ser desprezada pelo Legislador: o núcleo essencial
da improbidade refere-se à desonestidade. A Lei 8.249/92, na sua liter alidade, ao
admiti r a improbidade culposa, atent ava contra a Const ituição. Apesar disso, o
ajuizamen to das ações de improbidade p elo Ministério Públ ico não se deu, majo-
ritar iamente, para atender o s interesses da Adm inistração p aralela. Esses i nteresses,
porém, presid iram as alteraçõe s efetuadas pela L ei 14.230/21. Em um ponto foram
positivos: imp ediram a detur pada responsabi lização por improbid ade sem que haja
desonestidade do agente. Em um ponto foram negat ivos: impediram a responsa-
bilização jurisd icional por culpa. Esse ponto impõe a releitura do tema: a atu ação
culposa dos agentes, se não pu nida em prazo razoável na esfera administrat iva,
pode ser punida judicial mente em sede de ação popu lar e de ação civ il pública.
Palavras-chave: Improbidade administrat iva. Desonestid ade do agente públ ico.
Admin istração pa ralela. At uação culposa. Ação civi l pública. Ação popular.
Abstract: In this study, we intend t o propose some theses on the account ability of
public agents based on the assu mption of a sociological theory of administrative
improbity. The Bra zilian rea lity shows that the d isciplinar y right was appropr iated
2 SEQÜÊNCI A (FLORIANÓPOL IS), VOL. 43, N. 90, 2022
RESPONS ABILIZA ÇÃO DE AGENT ES PÚBLICOS E IMP ROBIDADE ADM INISTR ATIVA: UMA H ISTÓRIA CO NTURBADA
by the paral lel Administrat ion. There is an implicit conformation in the Cons-
titutiona l Text that cannot be d isregarded by the Legislator: the essential core of
improbity refe rs to dishonesty. Law 8,249/92, in it s literalness , by admitting c ulpable
improbity, violated the Constitution. In spite of this, the li ng of improbity suits
by the Public Prosecutor’s Oce was not, for the most part, to ser ve the interests
of the paral lel Administration. These interests, however, presided over the ch an-
ges made by Law 14,230/21. In one point they were positive: they prevented the
misrepresentation of liability for improbity without t he agent being d ishonest.
On one point they were neg ative: they prevented jurisd ictional accountabi lity for
guilt. T his point requ ires re-reading the theme: the culpable action of agents, if
not punished w ithin a reasonable per iod of time in the admi nistrative sphere, ca n
be judicial ly punished in popular action and public civil action.
Key words: Administrat ive improbity. Dishonesty of public agent. Paral lel Admi-
nistration. Culpable per formance. Public civil action. Popular ac tion.
1 INTRODUÇÃO
Um grave erro de Kelsen1 foi dissociar, quase que totalmente2,
o mundo do ser do mundo do dever-ser. Esse equívoco foi corrigido
pelos métodos concretista s, segundo os quais a aplicação do Direito de-
pende, sempre, da análise do caso concreto3. A solução mais radical
foi dada por Friedrich Müller, para quem a norma não é integrada
apenas pelo programa nor mativo, fruto da aplicação ao texto normativo
dos métodos clássicos de interpretação, mas também pelo âmbito nor-
mativo, decorrente dos aspectos da realidade que integram a norma4.
1
KELSE N, Hans. Teoria pura do di reito. Tradução de João Bapt ista Mach ado. 6. ed.
Coimbra: A rménio Amado, 1984, p. 119 et seq.
2 A d issociação não foi t otal porque Kelsen ex ige um mínimo de e cácia social pa ra que
a norma seja co nsiderada válid a (Idem, p. 135).
3 Cf. CA RVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional. Florianópol is:
Obra Juríd ica, 1997, p. 64 et seq.
4
MÜLLER , Friedrich. Mét odos de trabalho do direito const itucional. Tradução: Peter Nau mann.
2. ed. São Pau lo: Max Limonad, 20 00, p. 58. De modo mais aprof undado: MÜLLER ,
Friedr ich. Teoria estruturante d o direito. Tradução Peter Nau mann e Eur ides Avance de
Souza. São Pau lo: Revista dos Tribunai s, 2008, p. 250 ; MÜLLER , Friedr ich. O novo
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