Resquícios medievais no processo administrativo brasileiro

AutorIrene Patrícia Nohara
Páginas133-151
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ReSQUíCIOS MeDIevaIS nO
PROCeSSO aDMInIStRatIvO
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IRENE PATRÍCIA NOHARA
SUMÁRIO: Considerações Introdutórias. 1. Falta de respeito à
legalidade e de observância da autonomia de cada ente em regular
processo administrativo. 2. Indeterminação dos conceitos e
“atipicidade”. 3. Aplicação direta da pena capital. 4. Falta de
segurança jurídica na prescrição do ilícito administrativo
federal. 5. Ausência de definição do regime jurídico aplicável
a servidores de algumas Municipalidades. Conclusões.
Referências Bibliográficas.
CONSIDERAçõES INTRODUTóRIAS
O presente artigo foi confeccionado para integrar a obra organi-
zada pelos caríssimos Ruy Cardozo de Mello Tucunduva Sobrinho e
Luciano Anderson de Souza, para reunir trabalhos acerca de diversos
temas de processo administrativo. Objetiva-se identificar alguns resquícios
“medievais” que ainda são encontrados no tratamento jurídico do pro-
cesso administrativo brasileiro.
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IRENE PATRÍCIA NOHARA
A ideia é trazer à reflexão dos pesquisadores e estudiosos da área
o quão longe da principiologia de um Estado de Direito se encontra a
prática do processo administrativo no Brasil. Por resquícios medievais
se procura nominar a falta de segurança jurídica e de legalidade no trato
da matéria, que aproxima as práticas processuais administrativas do arbítrio
(característico da ausência de racionalidade).
Para tanto, serão expostas algumas interpretações irrazoáveis que
ainda possuem aplicação nos dias atuais, o que explica, mas não justifica,
o número de invalidações de processos administrativos no Poder
Judiciário. A Controladoria-Geral da União (CGU) chegou a divulgar,
por exemplo, que cerca de 50% das demissões oriundas de processos
administrativos disciplinares resultam em reintegração dos servidores,
por falha na condução dos processos.
Serão abordados os seguintes temas: lacunas na legalidade e falta
de respeito à competência de cada ente federativo; indeterminação dos
conceitos e dogma da pretensa atipicidade nos ilícitos administrativos;
falta de observância da individualização da pena na aplicação das infrações
disciplinares federais; insegurança no critério de cômputo da prescrição
do estatuto federal e indefinição do regime jurídico de inúmeros
servidores municipais.
Por conseguinte, além do tratamento do processo administrativo
em sentido geral, objetiva-se focar em assuntos disciplinares, pois, se há
uma matéria do Direito Administrativo que parece não ter passado
sequer pelo Iluminismo, trata-se do processo administrativo disciplinar,
ou seja, enquanto algumas questões da matéria estão em sintonia com
os debates contemporâneos, o processo administrativo disciplinar
parece, em determinados aspectos, estar ainda na alcunhada “Idade das
Trevas”.
Desprestigia o Poder Público, no geral, que suas sindicâncias e
processos administrativos disciplinares sejam desenvolvidos à margem
dos procedimentos, sem observância da tipicidade, num clima que se
assemelha às provas de Ordálio (do alemão Urteil, significando sentença
ou juízo de Deus), em que o conflito era decidido arbitrariamente, isto

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