Os Resultados do Exercício da Jurisdição e a Participação Pública Ambiental

AutorÁlvaro Luiz Valery Mirra
Páginas415-513
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SEÇÃO I. AS TUTELAS JURISDICIONAIS EM MATÉRIA
AMBIENTAL E A QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO
§ 1º. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A atribuição do poder de provocar o exercício da jurisdição aos indi-
víduos, grupos e entes estatais independentes e a valorização da concepção
política da jurisdição, conforme analisado anteriormente, são imprescindíveis
para a viabilização da participação pública ambiental mediante o processo ci-
vil. Mas, embora fundamentais, não se mostram sucientes. Impõe-se, ainda,
que os resultados do exercício da jurisdição propiciem a efetiva participação
popular na defesa do meio ambiente.
Como sabido, falar no resultado do exercício da jurisdição, em direito
processual, signica falar em tutela jurisdicional. De acordo com Cândido
Rangel Dinamarco, “Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juí-
zes, o Estado ministra a quem tem razão num litígio deduzido em processo.
Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupos de
pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada ou
indesejada”.1091
Nesse sentido, tutela jurisdicional não se confunde com a jurisdição
em si mesma e nem com os provimentos jurisdicionais emitidos no proces-
so. Corresponde, diversamente, ao resultado do processo em que a jurisdi-
ção se exerce e aos efeitos que os provimentos jurisdicionais projetam para
1091. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, cit., v. 1, p. 104.
CAPÍTULO 3
OS RESULTADOS DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO
E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA AMBIENTAL
Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambiente
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fora do processo, relativamente às situações de direito material.1092 Tutel a
jurisdicional, assim, “tem o significado de proteção de um direito ou de
uma situação jurídica, pela via jurisdicional”.1093 Por seu intermédio, põe-se
em relevo o resultado do processo como fator de garantia do direito mate-
rial1094, com a consideração dos “efeitos substanciais (jurídicos e práticos)
que o provimento final projeta ou produz sobre dada relação material - em
favor do vencedor”. 1095
Tutela jurisdicional, portanto, relaciona-se com o direito material
e será tão mais adequada e efetiva quanto maior for a coincidência entre
o resultado do exercício da jurisdição e a situação jurídica material pre-
tendida.1096
No tema ora em análise, a situação jurídica material que se pre-
tende, como visto, é a participação popular na defesa do meio ambiente,
como fator capaz de aproximar concretamente o poder - público e priva-
do - da vontade do povo na preservação da qualidade ambiental. 1097 E é
para a produção desse resultado concreto que deve se orientar a atividade
jurisdicional desenvolvida no processo coletivo ambiental.1098
1092. DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. In: ______. Fundamentos do processo civil
moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2002. v. 2, p. 812.
1093. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: inuência do direito material sobre o pro-
cesso. 4. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2006. p. 29.
1094. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: inuência do direito material sobre o pro-
cesso, cit., p. 29.
1095. YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1998. p. 28. Para este autor, porém,
a noção de tutela jurisdicional tem maior abrangência, já que designa não apenas o resultado do
exercício da jurisdição como também os meios ordenados e predispostos à obtenção desse resulta-
do (Tutela jurisdicional, cit., p. 30-31).
1096. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: inuência do direito material sobre o pro-
cesso, cit., p. 28-36. De acordo com José Carlos Barbosa Moreira, “(...) o processo [e, dessa maneira,
a tutela jurisdicional] avizinha-se do optimum na proporção em que tende a fazer coincidir a situ-
ação concreta com a situação abstrata prevista na regra jurídica material; e afasta-se progressiva e
perigosamente desse ideal na medida em que o resultado na verdade obtido difere daquele que se
obteria caso os preceitos legais fossem observados de modo espontâneo e perfeito pelos membros
da comunidade.” (Tutela sancionatória e tutela preventiva. In: ______. Temas de direito processual:
segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 21).
1097. Ver, nesta Segunda Parte, o Título I, Capítulo 1, item n. 1, supra.
1098. Como diz, em termos gerais para o processo civil, Luiz Guilherme Marinoni, “(...) o direito à tutela
jurisdicional efetiva requer que os olhos sejam postos não apenas no direito material, mas também
na realidade social. Para tanto, é imprescindível que a análise considere não só a necessidade de
igualdade de participação interna no procedimento, mas sobretudo a abertura para a participação
por meio de diferentes espécies procedimentais.” (Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 190).
A Participação Judicial na Defesa do Meio Ambiente
417
Para tanto, faz-se necessário que o exercício da jurisdição pela via do
processo coletivo viabilize, na prática, a integração da comunidade nos proces-
sos de denição, implantação, execução e correção de políticas públicas am-
bientais e demais processos decisórios públicos e proporcione controle social
efetivo sobre as ações e omissões públicas e privadas que dizem respeito à qua-
lidade ambiental.1099
Mais precisamente, o exercício da jurisdição, na matéria, invocado pe-
los indivíduos e entes intermediários, deve concretizar, em relação ao Esta-
do, (a) a inibição da ação ilegal ou inconstitucional do Poder Público; (b) a
integração e o reforço da ação estatal, em especial nas hipóteses de omissão,
a m de levar os órgãos estatais a agir, seja na atividade própria e especíca
destes (administrativa e legislativa), seja no controle da ação ou omissão dos
particulares; e (c) a alteração da atuação estatal, pela correção de rumos nas
políticas ambientais e na forma de agir do Estado.1100 Além disso, em face dos
particulares, deve realizar, igualmente, (a) a inibição e a supressão de ações ou
omissões efetiva ou potencialmente lesivas ao meio ambiente; (b) a respon-
sabilização de condutas e atividades degradadoras da qualidade ambiental;
e (c) a correção de atitudes e práticas contrárias à boa gestão ambiental.1101
Finalmente, a jurisdição, ao ser exercida nos casos concretos, deve garantir
as prerrogativas ligadas à própria participação pública ambiental, nas esferas
administrativa e legislativa, bem como os direitos a estas inerentes, como o
direito à informação em assuntos de meio ambiente.1102
Não é difícil de perceber, diante desse quadro, que a participação popu-
lar na defesa do meio ambiente, no nal das contas, visa à (a) prevenção (a.1) de
danos ambientais, (a.2) da realização de atividades efetiva ou potencialmente
lesivas à qualidade ambiental, (a.3) de riscos ou perigos de danos ao ambien-
te e (a.4) de violação das prerrogativas relacionadas à própria participação;
(b) à cessação de atividades, atos ou omissões (b.1) efetiva ou potencialmente
degradadores ou (b.2) impeditivos da participação; e (c) à reparação de danos
1099. Ver, nesta Segunda Parte, o Título I, Capítulo 1, item n. 1, supra.
1100. Ver Primeira Parte, Título I, Capítulo 2, item 4, supra.
1101. Ver Primeira Parte, Título I, Capítulo 2, item 4, supra.
1102. Ver Primeira Parte, Título III, Capítulo 2, item 4, supra.

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