A retificação do registro civil de adolescentes transexuais como viabilização do exercício do direito ao nome

AutorAna Sarah Vilela de Oliveira, Thaminy Helena Teixeira da Silva
Páginas33-64
A retificação do registro civil.. • 33
A RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL
DE ADOLESCENTES TR ANSEXUAIS
COMO VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO
DO DIREITO AO NOME
UMA ANÁ LISE A PARTIR DA ADI Nº 4.275
Ana Sara h Vilela de Oliveira1
Thaminy Helena Teixeira da Silv a2
RESUMO: O presente artigo visa a defender a possibilidade de ado-
lescentes transexuais realizarem a alteração do seu prenome no registro
civil. Tal modicação, atualmente, só pode ser realizada por aqueles que
já atingiram a maioridade, contudo, busca-se revelar que este também é
um direito que abarca os adolescentes. Isso porque a adolescência é uma
fase peculiar do desenvolvimento da personalidade, sendo nela o início
de questionamentos acerca de padrões que lhe foram impostos durante
a infância. Tais questionamentos são ainda mais fortes naqueles adoles-
centes que não se identicam com o seu gênero biológico, os transexu-
ais. Nestes casos, o nome passa ter um papel primordial na adolescência,
sendo o meio de se exteriorizar a identidade da pessoa trans e permitir
o seu reconhecimento. Pretende-se, no trabalho, analisar os argumentos
utilizados no julgamento da ADI nº 4.275 e aplicá-los aos adolescentes
transexuais. Também busca-se demonstrar que, por si só, a idade não
pode ser utilizada como critério de exclusão do direito desses sujeitos,
usando como base a autonomia progressiva e o direito à participação
presentes na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e
no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para atingir seu objetivo, foi
feita, além da análise jurisprudencial, revisão bibliográca para que seja
demonstrada a importância de se efetivar o direito ao nome dos adoles-
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Lavras. Membra do Laborató-
rio de Bioética e Direito. Bolsista do PETi-Direito/UFLA e do PIVIC-UFLA.
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Lavras. Membra do Laborató-
rio de Bioética e Direito. Bolsista do PETi-Direito/UFLA.
34 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
centes transexuais na formação da identidade pessoal desses indivíduos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito ao nome; Adolescentes transexuais;
Identidade pessoal.
INTRODUÇÃO
O presente artigo desenvolveu-se a partir da identicação de
que adolescentes que se reconhecem como transexuais não conseguem
realizar a modicação do prenome no registro civil. Observou-se que
tal diculdade é devido ao fato de que os cartórios, responsáveis pelo
documento, só admitem tal alteração quando realizada por pessoas que
já atingiram a maioridade, ou seja, contam com 18 anos ou mais, visto
que esta é a regra determinada pela Lei de Registros Públicos (Lei nº
Em 01 de março de 2018 foi julgada a Ação Direta de Incons-
titucionalidade nº 4.275, que determinou a realização da alteração do
prenome de indivíduos transexuais sem a necessidade de realização da
cirurgia de transgenitalização. No entanto, a decisão não estabeleceu
critérios acerca da idade em que se poderia realizar a modicação, per-
manecendo-se o entendimento da Lei nº 6.015/1973. Por conta disso,
os adolescentes transexuais se encontram em um grupo excluído de tal
direito.
Fato é que a sociedade possui erroneamente uma concepção
binária de gênero, a qual é desempenhada no espaço público. Com efei-
to, atribui a todas às crianças determinadas características que se supõe
serem compartilhadas por todos, impondo uma visão comum acerca de
gênero. No entanto, sabe-se que existem pessoas que não se identicam
com o gênero biológico, chamados de transexuais, incompatibilidade
pode ser revelada ainda na infância. A adolescência é um período im-
portante na formação da identidade do sujeito, em que ele estabelece
conitos internos, se descobre e forma suas convicções enquanto adulto
em construção. Para o adolescente transexual, portanto, entende-se que
esta fase é ainda mais complicada devido ao embate entre seu corpo e sua
mente, visto que o gênero ao que ele entende pertencer não corresponde
ao de seu sistema biológico. Devido a isso, o nome, para o adolescente
transexual, se revela como uma importante forma de realização de sua
identidade, pois, ao ser individualizado por um nome, o sujeito deve se
sentir confortável e este deve reetir a forma como ele quer ser reconhe-
A retificação do registro civil.. • 35
cido perante a sociedade.
Por conta disso, pretende-se demonstrar que os adolescentes
transexuais possuem o direito à modicação do prenome no registro
civil como forma de realização do seu direito ao nome e à identidade
pessoal, ambos entendidos como direitos da personalidade. Além disso,
visa a demonstrar que negar tais direitos seria uma grave violação aos
direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana. Tais constata-
ções se devem ao fato de que, além do nome ser um instrumento de
individualização do sujeito no espaço em que se encontra, ele possibilita
o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, da sua autonomia e
lhe garante um lugar na sociedade. Ou seja, viabiliza tanto o reconheci-
mento social e quanto o pessoal da identidade do adolescente transexual.
Dessa maneira, para atingir seu objetivo, o artigo visa: i) con-
textualizar os direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasi-
leiro; ii) demonstrar a importância do direito ao nome, especicamente
no caso das pessoas transexuais; iii) analisar os argumentos utilizados no
julgamento da ADI nº 4.275; e iv) defender que os argumentos da ADI
nº 4.275 também podem ser aplicados aos transexuais que não atingi-
ram a maioridade.
1. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O Código Civil, sem seu artigo 2º, determina que a pessoa ad-
quire a personalidade civil no momento do seu nascimento com vida1.
Inicialmente, é preciso compreender que a personalidade possui dois
sentidos. O primeiro é o sentido subjetivo, que é a capacidade que toda
pessoa tem de ser titular de direito e obrigações. Já o segundo, é o obje-
tivo, que entende a pessoa como objeto de proteção pelo ordenamento
jurídico2. Neste último sentido é que se fala em direitos de personali-
dade, pois a entende como o conjunto de atributos e características da
pessoa humana que devem ser protegidos. Dentre tais atributos estão a
vida, o corpo, a imagem, o nome, a liberdade, a privacidade, dentre ou-
tros. Por ser um conjunto de direitos subjetivos, buscam garantir direitos
1
lia, DF: Planalto, [2002]. Disponível em: http://bit.ly/33oa2Bm. Acesso em: 26 de
fev. 2020.
2
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT