O retrato de um brasil-que-passa-fome: a fome como expressão do subdesenvolvimento

AutorHeloísa Teles - Isadora Rech Andrighetti - Laís Duarte Corrêa
CargoPossui graduação em Serviço Social - Assistente Social graduada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) - Graduada em Serviço Social pela Universidade de Caxias do Sul, UCS
Páginas147-164
O RETRATO DE UM BRASIL-QUE-PASSA-FOME: a fome como expressão do
subdesenvolvimento
Heloísa Teles
1
Isadora Rech Andrighetti
2
Laís Duarte Corrêa
3
Resumo
O artigo, ancorado no método materialista histórico-dialético, é produto das reflexões realizadas no grupo de estudos e
pesquisas “Trabalho e Política Social na América Latina – Veias Abertas''. Trata-se de um estudo qualitativo que busca,
com a obra de Josué de Castro e Carolina Maria de Jesus, relacionar a fome com a questão étnico-racial, desde a
formação sócio-histórica brasileira, contr ibuindo para a apreensão da fome na dinâmica do capitalismo dependente. Josué
revela, em sua obra, o caráter estrutural da fome e do racismo quando apresenta dados sobre as regiões assoladas pela
fome, em decorrência das determinações histórico-sociais. Carolina, mulher, negra e favelada, relata a vivência diária da
fome, explicitando o padrão de dominação e as violações, advindas da cor da sua pele.
Palavras-chave: Fome. População negra. Estado. Formação sócio-histórica.
Abstract
The article, anchored by the historical-dialectical materialist method, is the product of reflections carried out in the study and
research group “Labor and Social Policy in Latin America – Open Veins''. This is a qualitative study that seeks, with the work
of Josué de Castro and Carolina Maria de Jesus, to relate hunger with the ethnic -racial issue, from the Brazilian socio-
historical formation, contributing to the apprehension of the hunger on the dynamics of dependent capitalism. In his work,
Josué reveals the structural character of hunger and racism when he presents data on regions devastated by hunger, as a
result of their historical- social determinations. Carolina, a woman, black and slum dweller, reports the daily experience of
hunger, explaining the pattern of domination and violations arising from the color of her skin.
Keywords: Hungry; Black population; State; Socio-historical formation.
Artigo recebido em: 23/12/2021 Aprovado em: 20/05/2022
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v26n1p147-164
1
Possui graduação em Serviço Social .Mestrado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul - PUC/RS . Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Catól ica do Rio Grande do Sul (2018). Tem
experiência de trabalho como assistente social em Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Serviço de
Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes e Gestão da Proteção Social Básica, além de ter sido conselheira
em Conselhos de direitos e políticas sociais. Atualmente é docente no curso de Serviço Social da Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC, integrando o Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Política Social na América La tina - Veias
Abertas - IELA/UFSC. E-mail: hteles@ufsc.br.
2
Assistente Social graduada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Mestranda em Serviço Social pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é assistente social lotada no Setor de Benefícios Eventuais da Secretaria
Municipal de Assistência Social e Habitação de Biguaçu/SC., E-mail: irandrighetti@gm ail.com
3
Graduada em Serviço Social pela Universidade de Caxias do Sul - UCS Mestre em Política Social e Serviço Social pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS. Atualmente é doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS e bolsista do CNPq.E-mail: duarte.lais @hotmail.com
Heloísa Teles; Isadora Rech Andrighetti e Laís Duarte Corrêa
148
1 INTRODUÇÃO
“A pior coisa do mundo é a fome!”
(Carolina Maria de Jesus)
A análise crítica da formação sócio-histórica brasileira, ancorada no método materialista
histórico-dialético, revela que a fome é uma expressão latente da realidade de milhares de
brasileiros(as) que, em sua grande maioria, são negros(as). A busca pelo deciframento desse
fenômeno se constitui como objetivo principal das reflexões que serão apresentadas, mediadas pelas
obras “Geografia da Fome”, de Josué de Castro; e “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”, de
Carolina Maria de Jesus. Além de artefatos culturais (músicas, documentários e poesias), que
contribuíram para as mediações analíticas sobre a temática da fome no Brasil.
Destarte, o presente artigo é resultado de discussões realizadas durante o segundo
semestre de 2020, no Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Política Social na América Latina
Veias Abertas, vinculado ao Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) e ao Departamento de
Serviço Social (DSS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Participam dos encontros do
grupo: estudantes de graduação e de pós-graduação, professores/as e demais interessados/as nas
temáticas que compõem o eixo categorial marxista latino-americanista do Veias Abertas.
Importa registrar que no ano em que se realizou este estudo, o Brasil, assim como os
demais países do mundo, vivenciava a pandemia do Covid-19, que desencadeou uma crise sanitária,
agudizando as crises política, econômica e social pré-existentes, tornando mais explícitas e
aprofundadas as contradições do modo de produzir e reproduzir capitalista na particularidade das
economias dependentes. Essas contradições atingem, de modo direto, a classe trabalhadora
superexplorada e se desdobram na elevação dos níveis de desigualdade, pobreza e de insegurança
alimentar1.
Isso decorre uma vez que, durante a pandemia do Covid-19, conforme dados da Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN, 2021), a
vivência de situação de insegurança alimentar passou de 84,9 milhões de pessoas em 2017-2018 para
116,8 milhões em 2020. Durante o ano de 2020, 19,1 milhões passaram fome (insegurança alimentar
grave) e 43,4 milhões (20,5% da população) não contavam com alimentos em quantidade suficiente
(insegurança alimentar moderada ou grave) (PENSSAN, 2021).
Buscando apreender como a questão étnico-racial incide nesse cenário, observa-se que,
conforme o IBGE (2019), em 2018, entre o estrato dos 10% mais ricos do país, apenas 27,7% eram
pretos ou pardos. Em contrapartida, no estrato dos 10% mais pobres, 75,2% eram pretos ou pardos.
Além disso, durante o mesmo período, 2017 e 2018, a pesquisa relativa à segurança alimentar em

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