Retribuição pelo trabalho: remuneração, salário e outras prestações pecuniárias

AutorAugusto César Leite de Carvalho
Ocupação do AutorPossui mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Direito das Relações Sociais
Páginas199-273

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9. 1 Conceito

Não há erro, em linguagem coloquial ou atécnica, quando se usam, indistintamente, os termos remuneração e salário. A origem etimológica dessas duas palavras482 autorizaria, em verdade, a sinonímia. A semântica jurídica trilha, porém e no Brasil, outro caminho, com o claro anseio de impedir que o empregador se beneicie da energia de trabalho do empregado sem lhe pagar, diretamente, ao menos o salário mínimo. A fórmula legal, elaborada com tal intenção, é a que segue:

Remuneração = salário + gorjeta

O artigo 457 da CLT deine salário como a parte da remuneração que é contraprestacional e é paga diretamente pelo empregador. No conjunto da remuneração, o que excede o seu elemento mais restrito, o salário, é a gorjeta paga por terceiros. Para além da fórmula legal, logo veremos que poderão somar-se à gorjeta, como verba remuneratória, mas não salarial, outras atribuições econômicas que não se coniguram contraprestações ajustadas, nem por ajuste expresso, nem por ajuste tácito483.

É bom ressaltar, a essa altura, que a comutatividade do contrato de emprego não importa a exata equivalência de prestações, quer pelo aspecto de a mais-valia484 ser inerente ao sistema capitalista, quer em razão de o empregador dever o salário mesmo quando há apenas a disponibilidade da força de trabalho ou até em períodos de interrupção contratual. Por isso, Amauri Mascaro Nascimento485 destaca que a vertente teórica de maior aceitação, nos tempos de hoje, é a que se conhece como teoria da contraprestação do contrato de trabalho, mais abrangente que as teorias da contraprestação do trabalho e da contraprestação da disponibilidade do trabalhador.

Há, enim, duas questões introdutórias que merecem um especial cuidado do intérprete do direito do trabalho. Da primeira logo trataremos, pois é concernente à aceitação, especialmente pela doutrina, da relação de continência, prevista no já citado artigo 457 da CLT, entre remuneração e salário. A segunda questão propedêutica será analisada quando cuidarmos da gorjeta, sendo pertinente à observância, pela jurisprudência, da regra que impede o empregador de computar a gorjeta na composição do salário mínimo.

Para que não embaracemos os temas, há a intenção de inicialmente tratar, neste capítulo, de todos os aspectos concernentes ao salário, para somente depois explorarmos as inquietantes questões relativas ao círculo maior da remuneração, aí incluídas as gorjetas e parcelas similares (direito de arena e outras oportunidades de ganho).

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9.1. 1 As teorias da tripartição e da bipartição

Alguns autores sustentam a existência de uma terceira espécie de retribuição do trabalho (que teria natureza de indenização e corresponderia aos adicionais de horas extras, noturno, de insalubridade, de periculosidade, de transferência e outros adicionais), sendo ela destinada a indenizar o empregado por despesas efetuadas em razão do labor ou pela condição de trabalho desconfortável ou arriscada. Seriam as indenizações, referidas, entre nós, por Rodrigues Pinto486 e Orlando Gomes e Elson Gottschalk487. Ou seja: além das indenizações em sentido estrito, como aquela prevista no artigo 479 da CLT para os casos de ruptura antecipada de contrato a termo488, teriam caráter indenizatório os adicionais.

Outros juslaboralistas rejeitam a tese da tripartição, por entenderem que os adicionais também remuneram. No plano teórico, não nos parece que a teoria da tripartição mereça essa crítica, uma vez que, embora os adicionais correspondam a alguma prestação de trabalho (e por isso seriam, essen-cialmente, remuneratórios), decerto que a sua motivação é mesmo a adversidade ou o risco do labor cuja remuneração é acrescida de tal adicional. Assim, o desconforto relativo ao tempo de trabalho justifica os adicionais noturno e de hora extra; quando é o lugar de trabalho que é desfavorável, surge o adicional de transferência; os adicionais de periculosidade e de insalubridade compensariam o risco à incolumidade física e à saúde, respectivamente.

A representação geométrica da retribuição do trabalho, assim compreendida, seria formada por círculos concêntricos que envolveriam, do menor para o maior, as parcelas salariais, as verbas remuneratórias e, no círculo da extremidade, as indenizações. A imagem permite notar a força atrativa do núcleo salarial, assim deinida por Rodrigues Pinto:

Por seus caracteres de alimentariedade e irredutibilidade, o salário exerce sobre todas as demais parcelas retributivas uma força de atração para seu núcleo, de modo a consolidar com elas a expectativa de subsistência do empregado. A atração exercida por essa força do salário se faz gradualmente, através do fator habitualidade, ou seja, reiteração no tempo, que se apresente no pagamento de qualquer das demais parcelas489.

Contudo e como já ressaltado, há os que incluem os adicionais no círculo da remuneração, abstraindo da existência de uma terceira espécie – as indenizações – da retribuição do trabalho. É a teoria da bipartição. Tem ela, no Brasil, o respaldo de estar em consonância com o texto legal, sendo a preferida pelos órgãos jurisdicionais, conforme se pode inferir dos termos usados na redação da Súmula 63 do TST:

A contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço incide sobre a remuneração mensal devida ao empregado, inclusive horas extras e adicionais eventuais.

Como quer que o teórico ou o aplicador do direito do trabalho se posicione, tripartindo ou apenas bipartindo o conjunto remuneratório, é certo que o caráter alimentar do salário não se estende, ao menos com igual intensidade, às parcelas que se situam nos círculos extremos da retribuição do trabalho, que concernem à remuneração e, para os que a tripartem, às indenizações. Importa dizer, por outra via, que a atribuição econômica não poderá ser extraída do patrimônio do empregado, tão logo seja atraída pelo...

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