Revisão Tarifária Periódica - sua Introdução no Ordenamento Jurídico Brasileiro e o Papel do Direito em sua Construção pelo Regulador

AutorLuiz Gustavo Kaercher Loureiro
Ocupação do AutorDoutor em Direito. Professor licenciado de Direito Administrativo da Universidade de Brasília (UnB). Advogado
Páginas418-471
418 REVISÃO TARIFÁRIA PERIÓDICASUA INTRODUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO...
16.1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é duplo: (i.) apresentar o contexto normativo
originário de introdução da chamada Revisão Tarifária Periódica (RTP),
no Direito Brasileiro, em particular, no âmbito dos contratos de concessão
de serviço público de distribuição de energia elétrica (1995-2003); e (ii.)
indicar (apenas isso), os elementos e instrumentos jurídicos que devem
balizar a atuação – essencial e necessariamente discricionária – da Agência
Reguladora em sua construção. Não se deve esperar uma descrição deta-
lhada da RTP, nem um exame, em profundidade, do conjunto das regras
que presidem sua realização, de modo que se supõe algum grau de fami-
liaridade com o tema.
Esse contexto e essa indicação são absolutamente necessários porque,
como se verá, a RTP é uma manifestação – senão a manifestação, por exce-
lência – de uma nova política tarifária para o serviço de energia elétrica
que substituiu a anterior, a do serviço pelo custo.
Por se tratar de alteração desta magnitude (ou seja, de uma impor-
tante política setorial), assentada em premissas e fundamentos econômicos
muito diferentes dos até então conhecidos e praticados, esse mecanismo de
alteração das tarifas enfrentou sérias resistências jurídicas, calcadas, sobre-
tudo, na noção tradicional de equilíbrio econômico-ϔinanceiro do Contrato
de Concessão e na concepção corrente do que seja uma tarifa de serviços
públicos (em geral). Tais resistências foram ainda potencializadas em razão
do modo precário e lacunoso pelo qual se deu a introdução da RTP em nosso
Direito Positivo. Daí que a aceitação e a estabilização da RTP entre nós é
um processo ainda em construção, para o qual vários fatores contribuem.
De modo mais analítico, a plena legitimação jurídica1 da RTP depende
dos seguintes fatores:
I) A eliminação de obstáculos à sua inserção, em particular:
a) A supressão do ϐicit normativo decorrente do modo
como foi positivada na legislação brasileira a RTP. Trata-se
1
Fala-se em legitimação jurídica para indicar que o plano em que se move este
estudo é o estritamente normativo, relacionado ao Direito Positivo Brasileiro.
Não pretende o autor lançar observações acerca da conveniência/inconveniência
desta política tarifária, para ins de realização deste ou daquele valor ou objetivo
setorial ou social.
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de questão que diz respeito à conformação do Princípio da
Legalidade e à extensão do poder normativo das Agências
Reguladoras, visto que a RTP é, essencialmente, o produto
da edição, pela ANEEL, de regras gerais e abstratas (indi-
viduais e concretas também) que regulam sua realização
e conteúdo.
b) Uma nova concepção do tradicional instituto do equi-
líbrio econômico-ϐinanceiro. Trata-se de propor uma
noção que pode ser qualiicada como “formal”, construída
a partir do art. 10 da Lei nº 8.987 de 1995, por oposição
ao entendimento corrente, aqui chamado de “estático” ou
“fotográico”. Propõe-se, em síntese, substituir a ideia de
proteção e manutenção de uma equação econômico-ϔinan-
ceira original pela exigência de atenção a um determinado
arranjo de dispositivos contratuais que conformam a disci-
plina econômico-ϔinanceira da concessão (e em virtude do
qual a equação original pode variar).
c) O reconhecimento da indeterminação constitucional
em tema de política tarifária. Trata-se de admitir que o
art. 175 da Constituição, ao contrário do dispositivo equi-
valente da Carta anterior, não predispõe elementos que
devam necessariamente estar presentes na tarifa e, em
especial, não tem compromisso com o sistema de “tarifas
pelo custo do serviço”.
Vencidos esses elementos que compatibilizam a RTP com as bases de
nosso Direito Administrativo, a sua aceitação especíica depende, ainda, de
outros fatores, quais sejam:
II) A observância de exigências procedimentais e de conteúdo para a
sua construção:
a) A implementação, pelo regulador, de regras densiϐi-
cadoras da RTP que permitam um mínimo de previ-
sibilidade e reprodutibilidade de seus resultados:
conquanto se possa discutir a existência, ou não, de um
ϔicit normativo nos atos da Agência Reguladora e mesmo
a qualidade intrínseca de seus conteúdos, é inegável que
a edição de regras gerais e abstratas, válidas para todos
os agentes é, por si só, um elemento mínimo demandado
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pelo Princípio da Segurança Jurídica (exigência de previ-
sibilidade das regras da RTP).
b) A introdução dessas regras de modo concertado e
procedimentalizado: a edição das regras sub a.) deve
ocorrer no âmbito de procedimentos administrativos espe-
cialmente dedicados à discussão e análise de propostas do
regulador, como são as Audiências Públicas realizadas por
ocasião dos diferentes ciclos tarifários, as quais – consi-
derando-se que se está tratando de disciplinar a garantia
essencial dos titulares de Contratos de Concessão e a impo-
sição de ônus econômicos aos usuários – devem garantir
a efetiva realização do princípio constitucional do devido
processo, em sua dimensão formal (exigência de proce-
dimentalização da produção das regras da RTP).
c) A presença, nos atos normativos da Agência Regula-
dora, dos pressupostos e elementos do ato administra-
tivo que lhe garantam existência e regularidade jurí-
dicas, em particular: competência do agente; motivação
suiciente; causa adequada; atendimento da inalidade
predisposta; exteriorização adequada etc. (exigência de
formação juridicamente adequada da regra da RTP).
d) Exigência de conteúdo: a partir de subsídios das ciências
técnicas e econômicas – racionalidades que permeiam toda
RTP – é possível aplicar plenamente certos princípios jurí-
dicos que orientam o exercício da discricionariedade admi-
nistrativa até o “limite exterior” do mérito do ato produ-
zido. Tais princípios são o da Modicidade Tarifária, Propor-
cionalidade e Razoabilidade. Eles aparelham parcialmente
uma crítica de fundo das regras da RTP produzidas pelo
regulador (exigência de correção material das regras
da RTP).
Considerando estes elementos, constata-se que o Direito ingressa no
ambiente da RTP pela via do controle da discricionariedade administrativa.
Com efeito, a RTP nada mais é do que um conjunto coordenado de varia-
díssimos atos administrativos (ou o efeito deles), com diferentes naturezas
(gerais vs. individuais; abstratos vs. concretos; técnicos vs. econômicos;
principais vs. acessórios; orientados por diferentes objetivos etc.), mas

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