Revisitando o direito social laboral à greve e as ações judiciais correlatas

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas335-344

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Apresentação

Na Constituição brasileira de 1988, a greve é considerada um direito social fundamental (art. 9º), representando a suspensão concertada da atividade laborativa pela coletividade de trabalhadores em prol da reivindicação de direitos relacionados ao contrato de trabalho. A greve está regulamentada na Lei n. 7.783/1989 para os empregados públicos e da iniciativa privada, sendo bastante criticada. Nesse contexto, analisou-se o direito de greve e as ações judiciais cabíveis sob a competência material e territorial da Justiça do Trabalho, examinando esta temática com o enfoque dos direitos fundamentais.

1. Introdução

O instituto da greve, como conhecido na atualidade, remonta ao século XIX, estando umbilicalmente relacionado ao surgimento da classe operária na Europa, sobretudo após a consolidação do capitalismo e do trabalho assalariado exercido por conta alheia.

A greve sempre esteve em consonância com os movimentos operários desde o momento em que os trabalhadores passaram a se organizar, adquirindo sua consciência de classe, o que permitiu o fortalecimento do movimento sindical. Porém, a greve não foi, desde suas origens, considerada um direito do cidadão trabalhador, estando associada a um ilícito penal e trabalhista, sendo reprimida pelos empregadores e, sobretudo, pelo Estado.

Em Paris, os operários descontentes com as condições de trabalho se reuniam numa praça que ficou conhecida como “Place de Grève” em razão de um tipo específico de gravetos existentes que eram trazidos pelas enchentes do rio Sena. Neste local, havia a contratação de mão de obra pelos empregadores e também servia de ponto de encontro dos trabalhadores que, descontentes com as condições de trabalho, realizavam a suspensão das atividades laborativas no intuito de forçar os patrões a negociarem melhorias laborais. Assim, o termo greve teria se originado nesse momento (NASCIMENTO, 2009, p. 1315).

No plano internacional, os direitos sociais trabalhistas passaram por distintos momentos: desde sua total desconsideração sob o manto da Revolução Industrial, pioneiramente empreendida pela Inglaterra a partir do século XVIII, até seu gradativo fortalecimento no século XX com as declarações e os pactos internacionais de direitos humanos e com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919. Tem-se início, assim, o processo de internacionalização dos direitos humanos que assumem importância significativa no cenário internacional.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, dispõe no art. 8º que toda pessoa tem o direito de associar-se e fundar sindicatos, sendo garantido o direito de greve a ser exercido em conformidade com as leis de cada país. A Conferência de Chapultepec na Cidade do México, em 1945, recomendou aos Estados americanos: “reconocimiento del derecho de asociación de los trabajadores, del contrato colectivo y del derecho de huelga” (art. 1º, “g”, Resolução LVIII) (MÉXICO, 2016).

No Brasil, especificamente com a Constituição de 1988, a greve assumiu a categoria de direito social fundamental (art. 9º) — direito constitucional de resistência —, representando a realização pela coletividade de trabalhadores

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da suspensão concertada da atividade laborativa em prol da reivindicação de direitos relacionados ao contrato de trabalho, podendo ser uma paralisação parcial ou total das atividades, num único setor ou na totalidade da empresa, sendo mecanismo de pressão dos trabalhadores sobre os empregadores.

Reforçando sua condição de direito subjetivo coletivo, a greve é instrumento de pressão, movimento concertado dos trabalhadores com objetivos definidos, em geral de natureza econômico-profissional ou contratual trabalhista, envolvendo os interesses típicos ao contrato de trabalho.

Nesse contexto, o presente artigo objetivou revisitar o direito social laboral à greve e as medidas judiciais correlatas e dividiu-se em três partes. Primeiramente, discutiu-se a greve no contexto da vigente Ordem Constitucional brasileira na condição de direito social fundamental e, a posteriori, foram tecidas considerações sobre a Lei n. 7.783/1989 (Lei de Greve) a qual restringiu o exercício pleno do direito de greve, sendo severamente criticada pela doutrina juslaboral. Por fim, analisou-se o direito de greve e as ações judiciais a ele relacionadas, tais como: ações de reponsabilidade civil pelo exercício abusivo do direito de greve; o habeas corpus utilizado para sanar ilegalidades e abuso de poder cometidos contra a liberdade individual de locomoção no curso do movimento paredista; as ações possessórias, em especial, o interdito proibitório e as ações de manutenção e de reintegração da posse previstos no Código de Processo Civil de 2015 e o dissídio coletivo de greve instaurado pelo Ministério Público do Trabalho que, atualmente, estão sob a competência material e territorial da Justiça do Trabalho.

Como metodologia científica, a pesquisa utilizou os métodos dialético (contraposição entre tese e antítese) e histórico-sociológico (investigação de fatos, processos e instituições ao longo do tempo). Quanto à técnica de pesquisa, utilizou-se a bibliográfica.

Enfim, o presente artigo almejou contribuir para o enriquecimento das discussões doutrinárias sobre a greve enquanto direito fundamental social dos trabalhadores, revisitando esta temática no momento em que o país deve buscar o fortalecimento de sua democracia.

2. A greve como direito social fundamental do cidadão trabalhador na constituição de 1988

A promulgação da Constituição de 1988 — chamada de “Constituição Cidadã” pelo constituinte Ulysses Guimarães — impactou significativamente na tutela dos direitos sociais trabalhistas, inclusive a greve alçou a categoria de direito fundamental do cidadão trabalhador.

A Constituição estabeleceu alguns fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre os quais se destacam o “superprincípio”1 da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a cidadania e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II e IV); bem como a busca de uma sociedade mais justa e solidária com a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III). Além disso, firmou-se que a Ordem Social “tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (art. 193); a valorização do trabalho também é um dos princípios da Ordem Econômica (art. 170, caput) que deve se basear nos ditames da justiça social.

A Constituição trouxe, em seu arcabouço, extenso catálogo de direitos fundamentais arrolados no Título II — Dos Direitos e Garantias Fundamentais, dentre outros dispersos ao longo do texto constitucional, incluindo não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, econômicos e culturais, privilegiando-se o tema dos direitos fundamentais, consoante demonstra Piovesan (2006, p. 33-34):

O Texto de 1988 ainda inova ao alargar a dimensão dos direitos e garantias, incluindo no catálogo de direitos fundamentais não apenas os direitos civis e políticos, mas também os sociais (ver Capítulo II do Título II da Carta de 1988). Trata-se da primeira Constituição brasileira a inserir na declaração de direitos os direitos sociais, tendo em vista que nas Constituições anteriores as normas relativas a tais direitos encontravam-se dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não constando do título dedicado aos direitos e garantias. Nessa ótica, a Carta de 1988 acolhe o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, pelo qual o valor da liberdade se conjuga com o valor da igualdade, não havendo como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade.

O direito ao trabalho foi incluído no art. 6º como direito social e encontra-se “desdobrado” num conjunto mínimo de direitos trabalhistas individuais (art. 7º)2 e coletivos (arts. 8º a 11), incluindo no art. 9º3 o direito de greve.

Nas assertivas de Romita (2007, p. 45), os direitos fundamentais são aqueles “que, em dado momento histórico, fundados no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, asseguram a cada homem as garantias de liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça”. Os direitos fundamentais nas assertivas de Araújo e Nunes Júnior (2008, p. 110-111):

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[...] constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões. Destarte, possuem natureza poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano na sua liberdade (direitos e garantias individuais), nas suas necessidades (direitos econômicos, sociais e culturais) e na sua preservação (direitos à fraternidade e à solidariedade).

Finalmente, acerca dos direitos fundamentais, dispõe Ferrajoli (2011, p. 09):

Proponho uma definição teórica, puramente formal ou estrutural, de “direitos fundamentais”: são “direitos fundamentais” todos aqueles direitos subjetivos que dizem respeito universalmente a “todos” os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, ou de cidadão ou de pessoa capaz de agir. Compreendendo por “direito subjetivo” qualquer expectativa positiva (a prestação) ou negativa (a não lesão) vinculada a um sujeito por uma norma jurídica, e por status a condição de um sujeito pre-vista também esta por uma norma jurídica positiva qual pressuposto da sua idoneidade a ser titular de situações jurídicas e/ou autor de atos que estão em exercício.

Essa definição é uma definição teórica enquanto, também sendo estipulada com referência aos direitos fundamentais...

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