Revisitando os efeitos dos recursos

AutorRicardo de Barros Leonel
Páginas717-738
REVISITANDO OS EFEITOS DOS RECURSOS
Ricardo de Barros Leonel
Professor Associado junto ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Promotor de Justiça/SP.
Sumário: 1. Introdução – 2. Efeitos dos recursos – 3. Efeito obstativo – 4. Efeito suspensivo;
4.1. Efeito suspensivo e apelação; 4.2. Efeito suspensivo nos demais recursos – 5. Efeito
devolutivo; 5.1. Efeito devolutivo da apelação; 5.2. Efeito devolutivo em outros recursos;
5.3. Efeito devolutivo nos recursos especial e extraordinário, nos agravos respectivos e nos
embargos de divergência – 6. Efeito ativo – 7. Efeito interruptivo – 8. Efeito expansivo – 9. Efeito
translativo – 10. Efeito substitutivo – 11. Efeito de sobrestamento – 12. À guisa de conclusão –
13. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
O estudo dos recursos apresenta inegável relevância teórica e prática.
Sob o ponto de vista teórico, não se deve perder de vista que a conf‌iguração, no
direito positivo, da sistemática dos recursos é um dos aspectos que confere inteireza
ao sistema. Af‌inal, um sistema processual desprovido de mecanismos de questiona-
mento dos provimentos judiciais não asseguraria aos litigantes a possibilidade de
exploração, em toda sua plenitude, da garantia constitucional de acesso à justiça.1
Lembremos que a CF, ao ditar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça ao direito” (art. 5º, XXXV), complementa tal disposição
com as garantias relacionadas ao contraditório e à ampla defesa, assinalando que
“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela ineren-
tes” (art. 5º, LV).
Sob o ponto de vista prático é imperioso ter presente que a inexistência, ou
mesmo a inadequação dos meios de impugnação poderia se traduzir, literalmente,
em resultados que representariam a negativa de tutela jurisdicional, e, desta forma,
de acesso justiça.
Af‌inal, se não se pode, por um lado, assegurar que os tribunais acertem mais que
os juízes de primeira instância, também não se pode negar que a chance de acerto da
1. Lição clássica de José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao CPC, vol. V, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 229), acentua, referindo-se à necessidade de equilibrar, no processo, a contraposição entre segurança
e justiça, no que se refere ao sistema recursal, que “entre essas duas solicitações, até certo ponto antagônicas,
procuram os ordenamentos uma via média que não sacrif‌ique, além do limite razoável, a segurança à justiça,
ou esta àquela”.
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resposta judicial é maior quando há a possibilidade de revisão da primeira decisão
proferida no caso.2
Nesse panorama, torna-se relevante compreender, num determinado sistema
jurídico, como funcionam os mecanismos de impugnação das decisões judiciais.
E a compreensão deste funcionamento passa, antes de mais nada, pela análise
das consequências da utilização dos aludidos meios.
Em outros termos, não basta conhecer quais são os recursos, bem como qual a
f‌inalidade de cada um deles e quais os possíveis resultados associados à sua utilização.
É necessário conhecer como eles funcionam ou podem, em projeção pragmática,
funcionar.
Tanto quanto se reconhece, por leis da Física, que a toda ação corresponde uma
reação, a interposição de um recurso produzirá, igualmente, efeitos.3
A conf‌iguração, no plano do direito positivo, dos efeitos dos recursos, interfere
de modo fundamental no modo como os processos tramitam com destino ao seu f‌im,
que deve ser a prestação de tutela jurisdicional a quem tiver sua razão reconhecida.
Em outros termos, o perf‌il atribuído pelo legislador aos meios de impugnação
(suas espécies, f‌inalidades específ‌icas, hipóteses de cabimento, procedimento, etc.)
é fator que interfere de modo contundente no resultado do processo. Basta pensar
na duração deste, na possibilidade de execução provisória das decisões sujeitas a
impugnação, e assim sucessivamente.
Por razões como estas é relevante revisitar a temática dos efeitos dos recursos.
Eles se revelam como elementos indissociáveis em relação à f‌isiologia dos meios
de impugnação, que não podem ser corretamente compreendidos, utilizados (pelos
litigantes) ou mesmo gerenciados (pelos juízes, que presidem a tramitação dos feitos
em todos os graus de jurisdição) sem sua correta compreensão.
Embora, ademais, não se trate de tema novo, o estudo dos efeitos dos recursos
comporta revisitação, na medida em que a vigência do CPC-15 inaugura uma nova
fase no Direito Processual Civil brasileiro, fomentando análise crítica da massa dog-
mática desenvolvida sob a vigência do Estatuto anterior.
2. Em conhecida lição Piero Calamandrei (“Appello civile”, “in” Opere giuridiche, v. III. Napoli: Morano, 1979,
p. 443), evidencia a ideia de que, se não há certeza de que a decisão, em grau de recurso, será mais acertada
que a decisão recorrida, por um lado, por outro não se pode negar a “minor probabilità di errori che è insita
nel giudizio di secondo grado, sia perchè le maggiori garanzie oferte dalla costituzione personale delle
magistrature d’appello (collegialità, anzianità, selezione, ecc.) rendono il loro responso più autorevole di
quello dei primi giudici, sia perché è più facile per il secondo giudice, che può giovarsi dell’insegnamento
del primo grado e valutarne oggettivamente i risultati, guardarsi dal ricadere negli stessi errori.” É clássica,
ainda, a af‌irmativa de Rosenberg, Schwab e Gottwald (Zivilprozessrecht, 17ª Auf‌lage. München: Verlag C.
H. Beck, 2010, p. 770), para quem „alle Rechtsmittel haben ihre Grund in der Fehlbarkeit menchlicher
Erkenntnis“ (trad. Livre: „todos os meios de impugnação têm seu fundamento na falibilidade humana”).
3. Acentuava José Frederico Marques “Instituições de direito processual civil, vol. III. Rio de Janeiro: Forense,
1960, p. 87), que a interposição de um recurso “é ato processual de que diversos efeitos jurídicos decorrem”.
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