Rio de Janeiro and the Criminological Thinking/Rio de Janeiro e o Pensamento Criminologico.

AutorDias, Rebeca Fernandes

Introducao

O Positivismo Penal, ou seja, o Direito Penal reconfigurado a partir das premissas da criminologia positivista, surge na Italia em uma conjuntura de desgaste liberal: emergiam as ideias socialistas e apareciam reivindicacoes que demandavam do Estado um maior intervencionismo--a area penal e especialmente tocada, pois o aumento da criminalidade e atribuido ao falho sistema penal liberal. O socialismo contribui ainda para o desgaste do individualismo, centro da ordem burguesa, e para a valorizacao da sociedade em detrimento do individuo (FREITAS, 2002, p. 52). Nesse contexto de tensoes, a ciencia penal passa a voltar-se tambem para a realidade social, com fins de nela intervir, para conter a criminalidade e as massas.

Quando o pensamento criminologico e absorvido no Brasil, o pais se aproximava do fim da escravidao e transitava do Imperio para Republica. Nesse processo de consolidacao do Estado republicano, o liberalismo foi um ideario utilizado como instrumento legitimador, muito embora, na pratica, o Estado Republicano tenha assumido um perfil bastante autoritario, pois tendeu a intervencao, a qual nao se deu pela via da consolidacao dos direitos sociais e politicos, mas como Estado interventor no que se refere ao controle da populacao--policia e higiene publica.

De qualquer modo, os juristas da Primeira Republica tendiam a vincular-se ao discurso liberal. E, no que se refere aos criminalistas isto nao era excecao: assumiam o discurso liberal e, como veremos, aderiam ao positivismo penal.

Liberalismo e Positivismo Penal nao se excluiam, como se poderia supor e este e o caso de Viveiros de Castro e Esmeraldino Bandeira, declaradamente liberais e adeptos da Nova Escola Penal. Esta combinacao aparece tambem em Lima Drummond, que demonstra uma constante preocupacao com os direitos individuais, mas desde que combinados com a necessidade de defesa da sociedade.

Assim, tendo como pano de fundo esta peculiar combinacao, o presente artigo analisa como se deu a absorcao do pensamento criminologico e do positivismo penal em tres juristas, professores de direito criminal nas Faculdades de Direito do Rio de Janeiro: Viveiros de Castro, um dos primeiros propagandistas, Lima Drummond, bastante difundido e marcado pelo tom conciliatorio entre as escolas (classica e positiva) e Esmeraldino Bandeira, o qual demonstra uma adesao consistente e bastante madura, sem concessoes conciliatorias.

O marco temporal refere-se a Primeira Republica justamente porque o pensamento criminologico penetra na cultura juridica brasileira a partir da decada de 80 do seculo XIX e consolida-se ao longo de todo o percurso republicano (1889-1930), sobretudo a partir do inicio do seculo XX, nao por acaso, periodo em que o Brasil comecava a se deparar com novos problemas sociais e economicos, que demandavam mecanismos de controle e defesa social. (1)

  1. Viveiros de Castro, a Nova Escola Penal e a insercao da criminologia positivista no Rio de Janeiro

    Francisco Jose Viveiros de Castro formou-se em 1883, em direito, na Faculdade de Recife e foi fortemente influenciado pela Escola do Recife e, sobretudo, pela figura de Tobias Barreto, a quem confessa "devotar quasi um fanatismo" (CASTRO, 1894, p. 3). Foi lente de direito criminal da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro.

    Em 1894 este autor publica A Nova Escola Penal, obra em que pretendeu divulgar as novas ideias do direito penal que, em sua opiniao, ainda eram pouco conhecidas no ambito nacional. O autor faz o seu diagnostico, em tom significativamente pessimista, da cultura juridica criminal da epoca, segundo ele, atrasada e miseravel, reduzida a uma "formalistica ridicula de chicanas e rabulices" (2). Na opiniao de Viveiros de Castro, a Nova Escola no Brasil deveria fazer frente, nao a uma solida e sofisticada cultura juridica criminal, mas sim, a uma cultura criminal pobre, repetidora das teorias e autores franceses (identificados com a Escola Classica), presa a um tosco formalismo e reproduzida por juristas pedantes e superficiais, apegados a beleza das palavras e resistentes as verdades da ciencia.

    A despeito desses comentarios acidos no inicio de seu texto, talvez decorrentes da heranca de seu quase fanatismo a Tobias Barreto, esta obra e essencialmente explicativa das novas ideias. A Lombroso, Viveiros de Castro confere a gloria de ter sistematizado os "esbocos" esparsos da Antropologia Criminal (Quetelet, Broca e Gall) e de ter efetivamente criado uma nova ciencia e descoberto o criminoso nato. E a Garofalo, por sua vez, confere a honra de ter estabelecido as (novas) bases da ciencia penal--a defesa social como fundamento do direito de punir e a temibilidade como criterio da punicao (CASTRO, 1894, p. 6).

    O evolucionismo e o terreno de base para recepcionar as ideias positivas e problematizar os fundamentos da Escola Classica, sobretudo a ideia de uma justica absoluta e o livre-arbitrio. Os argumentos contra o livre-arbitrio sao os da Nova Escola--sendo este o criterio da responsabilidade, justamente os mais perigosos ficam impunes, colocando em risco a defesa social. Sendo assim, seguindo Garofalo, defende que o criterio deve ser o da temibilidade, medidos pelo grau de privacao dos sentimentos fundamentais da piedade e probidade.

    Viveiros de Castro segue seu texto apresentando as ideias centrais de Lombroso: o atavismo, a relacao entre o criminoso e o selvagem, as caracteristicas fisicas e psicologicas daquele (CASTRO, 1894, p. 66). De Enrico Ferri, fundador da Sociologia Criminal, apresenta a lei da saturacao criminosa (3) e a ideia dos substitutivos penais (discorrendo sobre os diferentes tipos--de ordem economica, cientifica, politica, legislativa e administrativa, religiosa, familiar, educativa), ambos combinados e decorrentes da concepcao de Ferri de que a pena tem uma eficacia muito limitada, agindo apenas em relacao a uma parte de individuos e deixando a maioria de fora.

    Depois de apresentar as principais ideias de alguns dos pensadores que eram responsaveis pela transformacao na ciencia penal de entao, passa o autor a analisar alguns temas centrais da Nova Escola: a classificacao dos criminosos (CASTRO, 1894, p. 158); os fatores do crime (Ibidem, p. 201); o papel da mulher na etiologia do crime (Ibidem, p. 203-213); a instituicao do juri (outro lugar comum nas argumentacoes dos positivistas, contrarios a tais instituicoes por julgarem com base no sentimento, ignorantes de questoes cientificas e tecnicas, que o direito penal exige, sobretudo, nos parametros da Nova Escola) (Ibidem, p. 217-245); a Sociologia Criminal e suas aplicacoes a processualistica penal (4); as diferencas entre acao publica e acao privada no direito penal (contra a qual se coloca a partir dos fundamentos da Nova Escola, sobretudo, a necessidade de defesa social) (CASTRO, 1894, p. 276-291); o hipnotismo (Ibidem, p. 308-310); a embriaguez (Ibidem, p. 344-345); a questao da infancia abandonada (Ibidem, p. 347-359); o contagio do crime (Ibidem, p. 362-372); os regicidas; os oradores do juri (em que critica o entao desleixo e inabilidade dos advogados na pratica oratoria do juri).

    Sobre a importancia da pericia, o que ja aparece nessa obra, quando comenta a reforma do juri, Viveiros de Castro a ressalta ainda mais, em um texto publicado em 1894, chamado Attentados ao pudor. Neste o jurista busca fazer uma explanacao, a partir das maiores autoridades no assunto da epoca (Krafft-Ebing, Mantegazza, Lacassagne, Julio de Mattos, Sighele...), sobre as principais aberracoes dos instintos sexuais. Contaminado pelo pessimismo do final do seculo, por conta do aumento do alcoolismo, do suicidio, da loucura, da criminalidade e das neuroses em suas varias manifestacoes, identifica o desenvolvimento espantoso das aberracoes dos instintos sexuais como sinais de degeneracao agravados pela hereditariedade. E interessante como Viveiros de Castro mescla a Escola Classica com a Positiva: seu fundamento e a partir da Escola Positiva, a defesa social, mas uma das conclusoes sera de acordo com a classica--a irresponsabilidade dos degenerados. Vejamos como expoe:

    O fundamento da pena e a defesa social posta em perigo pela temibilidade do delinquente (...). E certo que ele e degenerado, mas faz mal, e perigoso e ninguem se expoe ao sacrificio para divertimento dos loucos. Reconhecido seu carcater impulsivo, o juiz manda recolhel-o aos azylos de alienados. A sociedade pois nao corre o menor risco com a admissao dessa teoria (CASTRO, 1895, p. 364-365).

    E curioso o fato de Viveiros de Castro nao mencionar o termo "manicomios criminais", uma das instituicoes mais defendidas pela Nova Escola--apenas se refere a "asilos de alienados", uma instituicao para alienados e nao loucos criminosos. Para Viveiros de Castro, o reconhecimento medico da loucura, identificando nao se tratar de um "malvado", pode evitar inconvenientes como punir o degenerado, agravando ainda mais sua patologia, e indicar o tratamento, pelo qual em alguns casos curaveis, pode transformar um individuo perigoso em um cidadao util a sociedade (CASTRO, 1895, p. 366).

    Em Viveiros de Castro parece prevalecer a influencia "classica"--aos degenerados que nao podem se autodeterminar nao se aplica punicao, porque sao irresponsaveis. Em suas palavras: "Ha o criminoso e ha o degenerado. O primeiro deve ser punido, o segundo e irresponsavel." (CASTRO, 1895, p. 363). E, nos termos da Nova Escola, defende a importancia do exame medico legal, pois o estado mental so pode ser definido por especialistas, tecnicos habilitados. E, imediatamente, rebate possiveis argumentos contrarios a essa ideia, baseados na invasao do direito pela medicina: "Nem se diga que assim procedendo apaga-se o papel do magistrado, converte-se ele em um simples rubricador das sentencas dos peritos, tornados em definitivo arbitros da repressao (...)" (CASTRO, 1895, p. 363-364).

    Em outra publicacao, Jurisprudencia Criminal, essa mescla entre escolas tambem emerge em seu discurso. Em um texto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT