O rito da transcendência da causa no recurso de revista

AutorSilvania Pinheiro Coelho José
Páginas170-180

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Silvania Pinheiro Coelho José

Assessora de Ministro no Tribunal Superior do Trabalho; Instrutora de recursos internos no TST; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub; Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público – IDP.

1. Considerações iniciais

O exame da jurisdição hoje não comporta estudo sem os elementos que norteiam a mudança de paradigmas trazida ao processo nos últimos anos. O ápice no Tribunal Superior do Trabalho ocorre com a edição da Lei n. 13.467/2017, que implementou a Transcendência.

O mundo do Direito mal tem tempo para absorver uma novidade processual e já recepciona outra, cada uma mais moderna e estratégica.

As metas do judiciário movimentam a atividade jurisdicional, os atores reagem com propostas novas e aquilo que era apenas uma visão no passado se torna uma realidade, com a implementação de uma jurisdição cada vez mais ágil e harmônica, de impacto positivo em seus receptores.

A partir do instituto da Transcendência, a Justiça do Trabalho recepciona uma nova modalidade de decisão judicial. O que era visionário na ocasião de sua primeira edição, pela Medida Provisória n. 2.226, de 4 de setembro de 2001, se torna realidade com a edição da Lei n. 13.467, de 11 de novembro de 2017.

Certo é que a Medida Provisória que incluiu o art. 896-A da CLT não teve a recepção esperada para o filtro de julgamento dos recursos de revista no Tribunal Superior do Trabalho, porque não houve a regulamentação prevista em seu texto.

A Lei n. 13.467/2017 já teve recepção garantida. Não apenas porque a norma não definiu regulamentação a ser posteriormente implementada, como também porque incluída sua inteira dicção no Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho1. A Comissão nomeada pelo Tribunal Superior do Trabalho já vinha atualizando as normas regimentais, de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e os novos elementos processuais no Regimento Interno. Do mesmo modo, inclui a norma relativa à Transcendência com referência aos indicadores previstos na Lei n. 13.467/2017, para afirmar os critérios da existência de: “elevado valor da causa”; “desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal”; “postulação por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado” e “existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista”.

Sendo a estrutura processual atual repleta de institutos novos para assegurar a harmonia e a segurança jurídica das decisões judiciais, o exame da Transcendência da causa nos recursos de revista demanda uma análise cautelosa, atenta ao seu objetivo – equilíbrio entre celeridade e jurisdição de qualidade.

O conhecimento da rotina do sistema recursal trabalhista, com a adaptação das técnicas de análise em face dos pressupostos de admissibilidade de hoje, torna possível a criação de uma nova rotina. A transcendência recursal admite uma expressão do ideal do processo na atuação da Corte Superior, sobressaindo o papel da Corte de direito, que pode se debruçar no estudo dos temas com mais relevância para a sociedade.

O formato sobre o qual a transcendência será analisada no Tribunal Superior do Trabalho, ainda que diante do objetivo da norma de enunciar um sistema racional, irá depender da interpretação que será dada por cada Relator, diante da autonomia na condução do recurso pelos ministros.

Na entrega da jurisdição, todavia, esse é o momento ideal para acenar aos atores envolvidos sobre o formato mais ágil e coerente com a proposta, indicando o rumo do ideal de justiça a que se propõe: limitar o exame dos recursos de revista apenas quando há transcendência econômica, política, social e jurídica das matérias.

O estudo do rito que poderá ser aplicado com a utilização da Transcendência não tem a intenção senão de trazer uma reflexão cautelosa quanto às técnicas que podem ser adotadas, realçando elementos para auxiliar possíveis rumos que podem nortear a sua incidência para o fim de consagrar,

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pela racionalidade da jurisdição na instância extraordinária, a efetividade do processo.

2. A transcendência da causa e a entrega da jurisdição

A palavra Transcendência tem enraizado em seu conceito o “caráter daquilo que tem uma causa que lhe é exterior e superior”, e visa “o que é ou vai além”. Sua visão, segundo Marinoni, tem pertinência a dois elementos concretos, um quantitativo, que diz respeito ao número de pessoas alcançadas pelo tema da causa em litígio, inclusive sob perspectiva da amplitude do direito, se difuso ou coletivo, e qualitativa, que se refere ao valor do tema sobre debate e sua consequência para o fim de equacionar tema de relevância para o estudo do direito2. O termo é recepcionado pela Consolidação das Leis do Trabalho com a redação dada ao art. 896-A da CLT:

O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece Transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.3

Segundo João de Lima Teixeira Filho, citado por Jouberto de Quadro Pessoa Cavalcante e Francisco Jorge Neto Ferreira, a Transcendência “é noção metajurídica, com notável subjetividade, ainda mais porque tem a ver com reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica”.4

Em regra, a palavra diz respeito a algo que tem reflexo fora de um lugar comum. Será transcendente aquilo que puder refletir fora do processo, no caso concreto da regra imposta pelo art. 896-A da CLT.

O objetivo da análise prévia da Transcendência dos recursos de revista interpostos ao Tribunal Superior é sugerido pelo Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho:

De início, recoloca a Justiça do Trabalho, como uma

Justiça eficiente na defesa do hiposuficiente (terminologia de meu saudoso Mestre Cesarino Jr.), isto é, do trabalhador, visto que a grande maioria dos casos será decidida em duas instâncias, com solução rápida das pendências. A morosidade que hoje impera em suas decisões, tem sido mais favorável ao reclamante do que ao reclamado. Com a nova medida, evita-se a excessiva demora dos recursos ao TST, nas questões sem transcendência, que protege mais os empregadores que os empregados.

Depois, os Ministros do TST poderão aprofundar-se nas questões transcendentes, limitando a atuação de seus assessores ao trabalho de pesquisa, e não a tarefas mais relevantes, como hoje ocorre, por absoluta falta de tempo e de possibilidade material de um acurado exame de todos os processos por parte de cada Ministro, pessoalmente. Por melhor que sejam os assessores, os Ministros é que foram guindados a esta posição, por mérito próprio, notável conhecimento e reputação ilibada.5

Da reflexão do Exmo. Ministro sobressai uma rotina futura distinta da que hoje se verifica no Tribunal Superior do Trabalho, a possibilitar que no futuro não mais exista um acervo exorbitante aguardando julgamento na Corte.

A questão relacionada com a constitucionalidade da Transcendência recursal já tem precedente favorável, conforme decisão proferida pelo E. STF no julgamento da Medida Cautelar em Ação Direita de Inconstitucionalidade requerida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil6, que afastou a alegação de ofensa ao art. 62 da Constituição Federal, pela edição da Medida Provisória n. 2.226, de 04.09.2001, a reforçar a recepção do instituto, em face da preocupação da Suprema Corte quando aludiu “a sobrecarga causada pelos inúmeros recursos repetitivos em tramitação no TST e a imperiosa necessidade de uma célere e qualificada prestação jurisdicional aguardada por milhares de trabalhadores”, quando entendeu que a situação afasta a “plausibilidade da alegação de ofensa ao art. 62 da Constituição7.

Conquanto a Medida Provisória em questão determinasse a regulamentação da Transcendência pelo Tribunal Superior do Trabalho, em seu regimento interno, a Lei n. 13.467/20017, na redação trazida pelos incisos do art. 896-A da CLT, define o que se considera Transcendência para recepção dos recursos de revista no Tribunal, mas não elucida de modo claro quanto ao rito em que se dará o exame e nem a forma em que se concretizará o fundamento definidor de cada critério, diante das diversas celeumas que encerram a sua incidência.

O Regimento Interno do TST (RITST/2017) limitou-se, na atual redação, a tratar da Transcendência em seu art. 246 e seguintes, constando, ainda, em outros poucos dispositivos, algumas alusões, mas sem traçar explicitamente como seria o rito adotado para o julgamento dos processos pelos critérios previstos no art. 896-A da CLT. Cita-se alguns:

Art. 161 – § 5º, IV – ausência de sustentação oral nos Agravos interpostos que deneguem seguimento ao recurso de revista que não demonstrar transcendência;

Art. 246 – Incidência das normas apenas dos recursos de revista interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais publicadas a partir de 11.11.2017;

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Art. 249 – organização de bancos de dados em que constarão os temas em que houver sido reconhecida a transcendência.

Certo, portanto, que inúmeras questões vinculadas ao instituto serão equacionadas pela jurisprudência, mas a questão crucial, que remonta à própria essência do...

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