Roubo

AutorFernando de Almeida Pedroso
Ocupação do AutorMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal. Membro da Academia Taubateana de Letras
Páginas521-549

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14.1. Conceito e principais características típicas

Roubo é o furto agravado por peculiar maneira de execução, transformado em crime autônomo e distinto (art. 157, CP). Identifica-se com o furto porque nele também há a subtração de coisa alheia móvel. Porém, diversamente da situação que retrata o furto, o agente não realiza o assenhoreamento do valor de forma sub-reptícia, melíflua, clandestina ou astuciosa. Pelo contrário, o sujeito ativo procede à tomada da coisa às claras, às escâncaras, ostensiva e abertamente, face a face com a vítima e, para a consecução dessa empreitada, vale-se de grave ameaça ou violência à pessoa ou de qualquer outro recurso que a reduza à impossibilidade de resistência para tomar-lhe o bem. Verifica-se, portanto, que o roubo resulta da simbiose do furto, ameaça, violência (vias de fato ou lesões corporais) e constrangimento ilegal. É crime complexo porque deriva da fusão de outros tipos legais delitivos para a construção de seu modelo típico. O delito é também pluriofensivo: viola o patrimônio alheio e ainda atinge a integridade física ou psíquica da vítima e sua liberdade individual, quando não a própria vida (latrocínio - art. 157, § 3º, CP).

Grave ameaça é a vis compulsiva ou conditionalis. Promana do poder suasório e persuasivo da intimidação, consistente em atemorizar, inspirar medo e receio. A ameaça deve ser séria e verossímel, de molde a paralisar e inibir a autodeterminação da vontade do sujeito passivo. Deve, também, representar vaticínio de um mal atual, de pronta realização, pois a promessa de mal futuro confere perfil típico à extorsão

(v. n. 15.1).

Não pode ser desprezada, para a avaliação da gravidade da ameaça, a condição pessoal e social da vítima em razão de sua idade, compleição física, sexo, grau de cultura, estado de higidez física ou mental etc. Tais estados podem torná-la mais ou menos vulnerável e determinar uma maior ou menor suscetibilidade à intimidação que lhe é dirigida. Sob esse prisma, não cabe excluir a idoneidade da ameaça ainda quando oriunda da promessa de certos males fantásticos, como os relacionados com a magia negra e a feitiçaria, pois há pessoas, imbuídas de crendices, que se deixam impressionar até o

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terror com semelhante espécie de ameaça1683. Sempre é indispensável, contudo, que a intimidação da vítima seja produzida pelo próprio sujeito ativo, eis que se ela se acha amedrontada e atemorizada por motivos estranhos ao agente não haverá roubo, mas furto1684.

A violência emana da vis corporalis ou vis atrox, vale dizer, da aplicação de energia física que interage sobre o corpo da vítima. Este meio executivo pressupõe necessariamente um contato corporal do agente com a vítima, mediante o emprego de força física contra ela exercida para impedir, tolher, dificultar ou mesmo atrapalhar a liberdade de seus movimentos destinados à defesa do patrimônio. Mas não é preciso, para o descortino típico do crime, verificar-se a completa imobilização do ofendido ou que a violência lhe produza lesões corporais. Por tal razão, crível é que as simples vias de fato (rasteira, empurrão, gravata, torção de braço etc.) já são suficientes para o aperfeiçoamento do delito, de modo que o roubo (ou sua tentativa) não se esboroa pelo fato de a vítima deixar de se atemorizar e, num gesto de coragem, conseguir ou tentar resistir. O roubo se corporifica, pois, ainda quando a vítima não tenha efetivamente restado impossibilitada de resistir. "A violência ou grave ameaça não têm que ter por consequência a redução da vítima à incapacidade de resistência, como se vê com frequência afirmado. Ao contrário, a redução à incapacidade de resistir é que é equiparada à violência ou grave ameaça" (JTACrimSP. 84/310).

Por conseguinte, o contato físico abrupto que repentinamente se exerce sobre a vítima (e não exclusivamente sobre a coisa) e que dificulta e atrapalha, pelo inopinado da situação, os seus movimentos instintivos de defesa, possibilitando que ela seja despojada de seus valores, empresta conformidade típica ao crime de roubo, de modo que se encarta nesse figurino a prática que se denominou "trombada"1685.

O meio executivo do delito não afasta a adequação típica do roubo quando, embora não tenha ocorrido no exato instante do apoderamento, com ele guarda nexo de causalidade próximo. À mão de ilustrar: o autor usa de meios violentos para conseguir uma chave que se encontra com alguém (um vizinho da vítima ou o caseiro de um sítio) e o deixa desacordado ou amarrado com o propósito de utilizar-se da chave para abrir a residência do lesado e subtrair-lhe os bens1686. Uma vez presente o binômio etiológico próximo violência/subtração, há o crime de roubo, e não um furto subsequente em concurso material com precedente fato típico originário da violência ou da privação da liberdade.

A violência contra a coisa para a prática da subtração não perfaz o crime de roubo, mas um furto qualificado pelo rompimento ou destruição de obstáculo (v. n. 13.11).

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Excepcionalmente, porém, a violência contra a coisa na presença da pessoa que detém o valor patrimonial que o sujeito ativo quer subtrair pode, indiretamente, constituir a grave ameaça que configura o roubo. Exemplifica Weber Martins Batista: o agente, ao mesmo tempo em que exige a coisa, desfere tiros ou dá violentas bordoadas no carro da vítima, como se estivesse furioso e a ponto de agredi-la1687.

É ainda possível o sujeito ativo valer-se de outros recursos, denominados violência imprópria, aptos a reduzirem a capacidade de resistência vitimária: utilização de bebida alcoólica, narcóticos etc., desde, é evidente, que sua ministração ou emprego se dê de forma insidiosa, clandestina, astuciosa ou sub-reptícia, pois o meio utilizado à força se enquadrará na violência constitutiva do delito (violência própria). É exemplo bem ilustrativo a prática criminosa denominada, no jargão popular, boa-noite Cinderela: a incauta vítima é enredada e atraída para um encontro amoroso e, quando a bom recato com outrem, vem a ser prostrada em estado de inconsciência por um sonífero que disfarçadamente foi propinado na sua bebida, sendo, então, despojada de seus valores. Ou: agente que, para apoderar-se da carteira da vítima, num baile carnavalesco, lança um jato de éter em seus olhos, com um desses lança-perfumes que outrora eram comumente vendidos nas festas consagradas a Momo, e se aproveita da turvação da visão e ardor produzidos nos olhos da vítima para arrebatar-lhe a carteira1688. Já se o sujeito ativo simplesmente aguarda oportunidade favorável para a prática da subtração, a ser ensejada pela própria e insciente vítima, esperando, por exemplo, que ela espontaneamente se embriague para aproveitar-se de seu estado de torpor e subtrair-lhe os valores, o delito que toma corpo é o furto.

O crime é comum: qualquer pessoa pode figurar na posição de sujeito ativo, exceto o proprietário (a coisa subtraída deve ser alheia, e não própria). O proprietário, valendo-se de violência ou grave ameaça para recuperar o próprio bem, pode perpetrar o crime de exercício arbitrário das próprias razões (v. n. 13.6), em concurso com os fatos típicos decorrentes da violência.

Sujeito passivo: o proprietário ou o legítimo possuidor do bem (v. n. 1.9). É perfeitamente possível, contudo, até pela natureza pluriofensiva do crime, que o meio executivo do delito seja realizado contra pessoa diversa daquela que, titular do patrimônio violado, experimenta o desapossamento (filho, esposa, balconista de loja, vigia da residência, pessoas presentes no local da subtração etc.), o que se verifica também - até com maior frequência - em situações de roubo impróprio (v. n. 14.2). Todavia, a redução da capacidade de resistência da vítima é forma de execução do delito que somente em relação a ela própria pode ser exercida.

Em sede de roubo não se aplica o princípio da insignificância (v. n. 1.9).

Elemento subjetivo: unicamente o dolo. Não importa o motivo do crime, desde que praticado com a intenção de ficar com a coisa para si ou para terceiro1689. O ânimo

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de vingar-se não elide o delito, uma vez que o agente também apresente a intenção de ficar com a coisa para si ou para outrem. Assim, pratica roubo quem, para desforrar-se do desafeto, subtrai-lhe com violência ou grave ameaça o relógio de estimação, ficando com ele para si ou doando-o a terceiro1690. Diferentemente do furto, cujo propósito de mera fruição do bem pode desprover a conduta do atributo da tipicidade (furto de uso - v. n. 13.6), no roubo, em razão de sua natureza pluriofensiva, pois atinge o patrimônio vitimário e igualmente a própria pessoa física do lesado pela vis animo illata ou vis atrox empregada para a consecução do delito, não cabe ser descartada a conformidade típica do crime sob o argumento do roubo de uso. "O roubo de uso é figura desconhecida do Direito Pátrio, não servindo de base para tese absolutória, máxime em razão da violência ou grave ameaça empregada com o objetivo de obter-se a subtração patrimonial, característica que o torna inconfundível com o furto de uso" (RJDTACrimSP. 9/149)1691.

14.2. Roubo próprio e impróprio

O que distingue o roubo próprio (art. 157, CP) do roubo impróprio (art. 157, § 1º, CP) é o momento em que ocorre a prática da...

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