Roubo e latrocínio (Art. 157)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas1135-1187
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 157
1. Conceito dos delitos de roubo e latrocínio
O delito de roubo consiste no fato de o sujeito
ativo subtrair coisa móvel alheia, para si ou para ou-
trem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa,
ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência.
Para Nélson Hungria: “... embora com título
próprio e pena autônoma, o roubo não é mais que
o furto quali cado pelo emprego de violência, física
ou moral à pessoa, ou de qualquer outro meio de
reduzi-la à incapacidade de resistência (art. 157). A
extrema gravidade do furto acompanhado de ofensa
ou ataque à pessoa é que levou a contemplar-se,
no caso, para especial rigor da punição, uma  gura
criminal independente, ao em vez de uma simples
species do genus ‘furto’. À parte o meio violento ou
impeditivo da resistência da vítima, coincide o rou-
bo com o furto, pois é também subtração de coisa
alheia móvel, com o  m de tê-la o agente para si ou
para outrem.”
Nucci leciona que o legislador usa a interpreta-
ção analógica, pois, após ter exempli cado como se
obtém a redução da capacidade de resistência da ví-
tima (com emprego de grave ameaça ou violência à
pessoa), o tipo penal generaliza a forma de praticar
o roubo, permitindo que o agente se valha de qual-
quer outro meio — além dos dois primeiros — para
impedir a natural resistência do ofendido à perda
dos seus bens. É o que se chama de violência indi-
reta ou imprópria. Assim, aquele que droga a vítima
para, enquanto ela está desacordada, levar-lhe os
pertences está cometendo roubo, e não furto. Não
se deve confundir essa prática com outras  guras do
furto quali cado (fraude, abuso de con ança ou des-
treza). No caso do art. 155, § 4o, II, a fraude é utiliza-
da para ludibriar a vítima que não se programa para
resistir, uma vez estar enganada pelo ardil utilizado;
não há abuso de con ança, pois nem a relação de
con ança estabeleceu-se entre agente e ofendido;
inexiste destreza, pois não se trata de agilidade das
mãos do autor para tomar os bens da vítima.
Nélson Hungria de ne violência física à pessoa:
é o emprego de força sobre o corpo da vítima. Assim,
para caracterizar o roubo, no seu tipo fundamental, é
su ciente que ocorra tanto uma lesão corporal leve
ou qualquer via de fato (tolher os movimentos da ví-
tima, amarrá-la, amordaçá-la), isto é, violência física
sem dano à integridade corporal.
Noronha exempli cava, como qualquer outro
meio que pode reduzir à impossibilidade de resistên-
cia, “a ação dos narcóticos, anestésicos, do álcool e,
mesmo, da hipnose. São processos físico-psíquicos
porque atuam sobre o físico da pessoa, mas pro-
duzem-lhe anormalidade psíquica, vedando-lhe a
resistência à ação do agente”.2958
Masson2959 lembra que doutrinariamente o roubo
é classi cado como crime complexo, justamente
por resultar da fusão de dois outros delitos. Seu
ponto de partida é o crime de furto, ao qual o le-
gislador agregou elementares, relativas ao modo de
execução, que o tornam especialmente mais grave.
OBSERVAÇÃO SUPERDIDÁTICA
É muito raro você ouvir os meios de comunica-
ção ou alguém relatando, por exemplo: “A bicicleta
foi furtada”; todos dizem, “A bicicleta foi roubada”.
Até pro ssionais de direito parecem desconhecer
que existe uma grande diferença entre furto e roubo.
2958 MAgALHÃES, Noronha. Direito Penal, cit., v. 2, p. 163 e 164.
2959 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Espe-
cial – vol 2. São Paulo: MÉTODO, 2016, 9ª edição, p.409.
Capítulo 3
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Roubo é o assenhoreamento de coisa alheia móvel,
mediante emprego de violência ou grave ameaça
à pessoa. A violência à pessoa é muito mais grave
que à coisa. Por isso, a violência empregada contra
a “res furtiva” limita-se a qualicar o furto.2960 Como
no furto, a conduta é subtrair (tirar) a coisa móvel
alheia, mas é necessário que o agente utilize violên-
cia (lesões corporais ou vias de fato), grave ameaça
ou qualquer outro meio que reduza a possibilidade
de resistência do sujeito passivo (emprego de dro-
gas, hipnose, etc.).2961 Desses conceitos percebemos
claramente a diferença, assim exposta:
a) No roubo, a violência ou grave ameaça é direcio-
nada à pessoa.
b) No furto, pode haver violência, mas, essa é direcio-
nada à coisa a ser subtraída.
Entendeu? Se a bicicleta foi subtraída e o agente
ativo usou de violência contra a coisa, o delito será
de furto. Se a bicicleta foi subtraída e o agente ativo
usou de violência contra o sujeito passivo, o delito
será de roubo. Observe ainda que, se da violência
destinada ao sujeito passivo resulta morte, o crime
será o de latrocínio.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Obs.: Agora você já pode resolver esta ques-
tão elaborada do contexto prático forense: Qual
a diferença entre o delito de roubo e o de furto?
1.1. Do Latrocínio
De Plácido e Silva2962 conceitua o latrocínio:
LATROCÍNIO. Derivado do latim “latrocinium”,
de “latrocinari” (roubar à mão armada, exercer
o corso ou pirataria), originalmente, tal como
ladrão, signicando milícia ou serviço militar,
passou a distinguir o assalto à mão armada,
ou o ataque feito por salteadores. Assim, atual-
mente, exprime sempre o roubo com violência,
ou o roubo no qual há assalto ou ataque a
pessoas.
2960 Neste sentido: FRANCO JR., Paulo José da Costa. Obra
citada, p. 210.
2961 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Obra citada, p. 212.
2962 Vocabulário Jurídico, v. III, p. 50.
Lembra Masson2963 que historicamente o termo
latrocínio foi uma criação doutrinária, que não era re-
ferida pelo Código Penal e que rapidamente passou
a ser empregada pelos magistrados, em todas as
instâncias do Poder Judiciário. Tal situação se pro-
longou até entrar em vigor a Lei 8.092/90 (Lei dos
Crimes Hediondos), que em seu art.1º, inciso II, refe-
re-se expressamente ao latrocínio como o crime pre-
visto no art. 157, § 3º, parte nal, do Código Penal.
Segundo o autor, “a partir daí, tal denominação, ou-
trora uma simples alcunha, foi legalmente acolhida.”
Damásio E. de Jesus2964 conceitua latrocínio
desta forma: “É o fato de o sujeito matar para
subtrair bens da vítima.”
Entendemos, data venia, que os dois concei-
tos estão incompletos.
Com a consolidação da Súmula no 610 do STF,
podemosarmarquelatrocínioéofatodeosu-
jeitomatarosujeitopassivocomanalidadede
subtrair seus bens.
O primeiro conceito se refere a “roubar à mão
armada” não se referindo ao resultado morte, e
o segundo, que coloca a terminologia “para sub-
trair bens da vítima”, pode levar o concursando
a interpretar que só existe latrocínio se a morte e
subtração forem consumadas. A subtração pode
sertentadaouconsumada,eanalidadedesub-
trair seus bens, com certeza no caso concreto,
fará a grande diferença do delito de homicídio.
(Veja a Súmula no 610 – Há crime de latrocínio,
quando o homicídio se consuma, ainda que não
realize o agente a subtração de bens da vítima).
QUATRO OBSERVAÇÕES PRÁTICAS
IMPORTANTES
a) Latrocínio com uma subtração com várias
mortes: Prevalece, no Superior Tribunal de Justiça,
o entendimento no sentido de que, nos delitos de
latrocínio - crime complexo, cujos bens jurídicos
protegidos são o patrimônio e a vida -, havendo
uma subtração, porém mais de uma morte, resta
congurada hipótese de concurso formal impróprio
de crimes e não crime único. Todavia, deve-se
registrar que as duas turmas do STF têm enten-
2963 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Espe-
cial – vol 2. São Paulo: MÉTODO, 2016, 9ª edição, p.454.
2964 Obra citada.
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dimento oposto, no sentido de que haverá um crime
único de latrocínio, caso haja apenas um patrimônio
atingido. A quantidade de mortes deverá ser sope-
sada unicamente na individualização da pena2965.
b) Latrocínio com participação de menor impor-
tância: Quanto à pleiteada participação de me-
nor importância, o Superior Tribunal de Justiça já
rmou entendimento de que o coautor que parti-
cipa do roubo armado também responde pelo la-
trocínio, ainda que o disparo tenha sido efetuado
só pelo seu comparsa. (RESP 622741/RO).
c) Latrocínio e roubo. Continuidade delitiva: Não
é possível reconhecer a continuidade delitiva
entre os crimes de roubo (art. 157 do CP) e de
latrocínio (art. 157, § 3º, segunda parte, do CP)
porque apesar de serem do mesmo gênero não
são da mesma espécie (STJ).
d) Latrocínio. Uma subtração. Várias mortes.
Desígnios autônomos: Há concurso formal im-
próprio no crime de latrocínio nas hipóteses nas
quais o agente, mediante uma única subtração
patrimonial provoca, com desígnios autônomos,
dois ou mais resultados morte. (HC 336680/PR,
Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
Julgado em 17/11/2015, DJE 26/11/2015).
1.2. Roubo próprio
É o fato de o sujeito subtrair coisa móvel
alheia, para ele ou para terceiro, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de ha-
vê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibili-
dade de resistência.2966
Observe que a violência ou grave ameaça é
realizada antes da subtração.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Veja esta questão, elaborada no contexto prático
forense.
O que se deve levar em consideração para
conguraçãodagraveameaça?
Resposta. Há divergência.
2965 STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgado em 21/2/2017. STF. 2ª Turma. HC 109539, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 07/05/2013.
2966 Neste sentido: JESUS, Damásio Evangelista de. Código
Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2000.
1a posição: para a doutrina clássica, deve ser
levado em consideração o chamado homem médio,
ou seja, a ameaça deve causar temor a uma pessoa
de consciência média.
2a posição: para averiguar se a ameaça é grave,
devemos levar em consideração o temor que ela
provoca na vítima, no caso em concreto.
Sustentando a 2ª posição, Weber Martins Ba-
tista2967 arma que:
Como se trata de um estado de alma, sua análise
é eminentemente subjetiva. Assim, a gravidade da
ameaça deve ser analisada com base nas circunstân-
cias do caso, tendo em consideração o meio usado
pelo agente, o local do fato, a hora na qual aconteceu,
se era possível algum auxílio de terceiro e, sobretudo,
levando em conta as condições pessoais do agente e
da vítima. Pode acontecer que o meio e modo de que
se valeu o sujeito ativo — que não seria capaz de, em
condições normais, intimidar um homem de mediana co-
ragem — seja suciente para atemorizar a vítima, pessoa
mais fraca ou colocada em circunstâncias adversas.
Nesta mesma linha sustenta Masson,2968 dando
o seguindo exemplo:
O que é ridículo para uma pessoa pode constituir-se
em grave ameaça para outrem. Certamente um ateu
irá zombar daquele que ordenar a entrega de sua car-
teira, sob pena de após sua morte queimar no fogo do
inferno. Por outro lado, uma pessoa supersticiosa po-
derá ceder à exigência de um feiticeiro, entregando-lhe
dinheiro depois de ouvir que se não obedecê-lo terá
contra si rogada uma praga.
Minha posição: a segunda. A grave ameaça é
relativa, ou seja, é aquela que causa temor à víti-
ma; portanto, uma mesma ameaça pode ser grave
quando dirigida a uma velhinha de 90 anos e pode
não ser, se dirigida a um jovem faixa-preta em artes
marciais. É a posição, hoje, majoritária.
No que tange à conguração da grave ameaça
para ns da prática de roubo, vale a pena conhecer
os seguintes julgados dos tribunais superiores, nos
quais não consideraram realizada a grave ameaça,
desclassicando o delito para o crime de furto:
A superioridade numérica de agentes, de acordo com os
Tribunais Superiores, não serve para caracterizar a grave
2967 BATISTA, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no
processo penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.205.
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cial – vol 2. São Paulo: MÉTODO, 2016, 9ª edição, p.414.
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