A ruína dos mitos e segurança jurídica no pós-pandemia

Apesar do sem-número de vidas brasileiras perdidas durante a pandemia da Covid-19, dados econômicos recentemente publicados revelam que também não "salvamos a economia". Aproximadamente nove milhões de pessoas saíram do mercado de trabalho do primeiro para o segundo semestre do ano de 2020 [1]. A renda do país foi consideravelmente afetada, inclusive em razão da massa de vidas perdidas [2].

O discurso reacionário que responsabilizou as medidas de isolamento pelo impacto econômico sofridos pelo país, desresponsabilizando o governo federal por sua falta de coordenação e dogmatismo econômico, lembra a turba que, no passado, pediu a morte de grandes empresas do país pelo "envolvimento em escândalos de corrupção" [3]. À revelia das alternativas propostas pela comunidade jurídica e econômica hoje e à época [4].

Embebecidos de irracionalismo e ódio com evidências científicas, os casos da "lava jato" e a política de combate à pandemia exercida pelo governo federal revelam que o país precisa se desfazer de seus mitos, suas histórias de heróis e algozes para retornar à realidade e lidar com os desafios, agora acentuados pela pandemia da Covid-19, com pragmatismo e racionalidade.

A crise sanitária da Covid-19, segundo analistas — agravada pela abordagem desconcertada do governo federal — produziu uma grande mortandade empresarial (aproximadamente 700 mil empresas encerraram suas atividades) [5], com consequente impacto na arrecadação fiscal, endividamento e desemprego.

Impactou as relações contratuais em geral, com pedidos de revisões entre entes privados, reequilíbrio econômico-financeiro com a Administração Pública. Quebras sucessivas de expectativas entre os agentes econômicos que obrigaram constante reorganização e planejamento por parte das empresas, muitas vezes desprovidas de meios para lidar com a variação de oferta e demanda impostas pela pandemia e seus efeitos [6]. Em síntese, o vírus ampliou, riscos, contingências e incertezas, tornando o ambiente mais hostil à atividade econômica e concentrando os mercados.

A elevada capacidade ociosa e a queda da demanda doméstica, — intensificada com a redução e fim do auxílio emergencial [7] — podem sugerir: 1) a necessidade de estímulos econômicos via investimento público para equilibrar as contas públicas no médio prazo — dinamizando a economia e estabilizando a trajetória do indicador dívida/PIB, para ganho de confiança; 2) que o setor privado terá baixa propensão ao investimento, constrangido pelos riscos advindos da situação pandêmica.

O cenário indica que algum investimento público será necessário, na forma direta ou creditícia, e que o risco para o investimento privado precisa ser reduzido para a retomada do crescimento. É no segundo ponto que o presente ensaio pretende incidir.

Do ponto de vista teórico, dado que os condicionamentos institucionais determinam as margens de operação das organizações, fomentando ou inibindo a atividade produtiva [8], é imprescindível que o arcabouço jurídico que regula a atividade econômica seja previsível e estável, para o estímulo a tomada de risco inerente a economia de mercado, mas acentuada pela pandemia.

Nesse sentido, a avaliação e correção do legado da "lava jato", enquanto caso paradigmático do estado atual da nossa política anticorrupção, pode contribuir para a superação do quadro econômico pós-pandêmico. Oferecer segurança jurídica é imprescindível, por exemplo, a setores como o da infraestrutura — profundamente afetado pela "lava jato" a partir de 2014 —, que, de conservadores a progressistas, se apresenta como importante alavanca da retomada econômica, com grande potencial de geração de emprego e impacto social.

As consequências já quantificadas da inquisição em nome da "moralidade administrativa" — autoimagem da operação —, desprovida de um conjunto de práticas e instituições jurídicas que preservassem a empresa em seus interesses sociais legítimos, vão desde o impacto de 2,5 pontos percentuais do PIB (R$ 142,6 bilhões em valores nominais) em 2015 [9], mais da metade da variação negativa do indicador naquele ano; ao corte de 60% dos postos diretos de trabalho das empresas investigadas pela "lava jato" após três anos de operação [10], impactando a formação...

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