A(s) resistência(s) ao grande projeto na amazônia

AutorAluizio Lins Leal
CargoUniversidade Federal do Pará (UFPA)
Páginas85-103
A(S) RESISTÊNCIA(S) AO GRANDE PROJETO NA AMAZÔNIA
Aluizio Lins Lea l
Universidade Feder al do Pará (UFPA)
A(S) RESISTÊNCIA(S) AO GR ANDE PROJETO NA AMAZÔNIA
Resumo:
A(s) resistência(s) ao Grande Projeto na Amazônia. O texto constitui-se em uma abordagem sobre o movimento
do capital e as f ormas de resistência historicamente construí das na Amazônia brasileira, a partir do último quartel do
século XIX, quando se inicia a caça às fontes de recursos naturais capazes de suprir a necessidade de matérias -primas
para a formaç ão de Capital pela atividade industrial, situaçã o que perdura mesmo na atualidade com a hegemonia do
capital bancário e a formação do capital financeiro.
Palavras-chave:
Amazônia, capital, recursos n aturais, formas de resistência.
RESISTANCE TO THE BIG PR OJECT IN THE AMAZON
Abstract:
The (s) resistances (s) to the Great Project in the Amazon. The text is in an approach to the movement of capital
and forms of resistance historically constructed in the Brazilian Amazon, from the last quarter of the ninetee nth century,
when starting the hunt to sources of natural resources capable of meeting the need for raw materials for capital formation
by industri al activity, a situation that continues even today with the hegemony of banking capital and the formation of
financial capital.
Key words:
Amazon, capital, natural reso urces, forms of resistance.
Recebido em: 16.02.2016. Aprovado em: 06.06.2016.
R. Pol. Públ. São Luís, Número Espe cial, p. 85-103, novembro de 2016
86
Aluizio Lins Leal
1 INTRODUÇÃO
um determinante comum para o
surgimento do Grande Projeto na Amazônia, que
explica outros casos surgidos nela em outros
períodos históricos - e, no caso da Amazôn ia
brasileira, um ca so emblemático. A base dê sse
determinante são a fartura e a riqueza da Natureza
regional, que transfor maram a Amazônia em alvo
histórico da ação colonial; a sua condição é a
ascensão histórica do Capitalismo ao estágio do
Imperialismo, cujo panorama eco nômico produziu
uma pressão insuportável para que os espaços ricos
de recurs os naturais foss em abertos à exploração
desenfreada para transformar êsses recursos em
Capital.
Por isso, ao ser atingido o estágio histórico do
Imperialismo, que resulta da ascensão heg emônica
do capital banc ário e da formaç ão do Capital
Financeiro, e da p artilha do mu ndo pelas gr andes
economias capitalistas, se inicia, sobret udo no
último quartel do século XIX, uma caça diss eminada
e febril às fontes de recursos nat urais capazes de
suprirem a necessidade de matérias-primas para
a formação de Capital pela ativid ade industrial.
Na Amazônia, esse recurso natural fo i a borracha,
que torno u-se o alvo das verdadeiras chusmas de
cientistas-viajantes que chov eram sôbre ela a partir
de todo o século XIX, atraídos pela sua revela ção
por La Conda mine (ainda nos meados d o século
XVIII), e co nfirmada por Humboldt (já nos finais
do mesmo século) . Sobretudo a p artir da década
de 1870 e até o co mêço da segunda década do
século XX (mais precisamente em 1911), vigeu na
Amazônia um período gomífero que durou o tempo
exato para que o colonialismo im perialista inglês ,
que precisava vencer os obstáculos materiais
e econô micos próprios d a Amazônia da época
para obt er a borracha a um custo compatível com
as suas necessidades de formação de C apital,
contrabandeasse as semen tes da borracha para as
suas possessões asiáticas e esfrangalhasse, a partir
do cultivo ordenado da hevea, a frágil economia
gomífera regional ass entada no extrativism o. O
exame dessa questão não cabe aqui, por não ser o
escopo dêste tr abalho.
Durante êsse período, o Capital empurrou
para a Ama zônia en ormes ho rdas de especulador es
e aventureiros de toda espécie, que, junto com
uma oligarq uia local inteirame nte incompetente do
ponto de vista burguês, contribuíram para estruturar
uma economia go mífera assentada sôbre um
sistema de tr abalho escravo que se dis farçava sob
a aparência do sistema de aviamento. Mas à parte
isso, e seguindo a lógica do Capital, que tend e a se
expandir de modo irrefreáv el para as áreas ric as
em ri quezas naturais ainda livres das relações de
produção capitalistas, conso ante o ex plica a Lei
Geral da Acumulação Capitalista, de Marx, afluíam
aos trambolhões para a Ama zônia - e, dentro del a,
se espalhavam aos trambolhões por todos os seus
cantos mais remoto s - êsses indivíd uos movidos pela
sanha da busca de coisas preciosas da Natureza,
naquêle momento r epresentadas exclusivamente
pela goma elástica.
O devassamen to dos mais recuados
espaços amazônicos, que represe ntava um desafio
material de vulto para êsses aven tureiros, de um lado
produziu empreitadas que encaravam o obs táculo do
Rio e da Selva como impecilhos a serem tr anspostos
a fe rro e a fogo - como foi a tentativa (infrutífer a)
de construir, ainda em 1871,a es trada de ferro
Madeira-Mamoré para alcançar os ricos espaços
gomíferos fronteiriços entre o Brasil e a Bolívia -
e, de outro, criou loc almente empreendedores de
uma dimensão lendária,po is es tavam a nimados
da mesma intenção av assaladora de ex pansão
que res idia na men talidade da burguesia britânica
condutora da Revolução Industrial. O espaço
peruano-boliviano prod uziu fi guras como Antonio
Vaca Diez, que navegou o Rio Orton (assim batizado
em nome de um aventureiro natural dos Estados
Unidos, James Orton (1870), que havia navegado
êsse rio pela pr imeira vez,quando êle ainda se
chamava Datimanu), Nicolás Suárez, de uma família
de irmãos que colonizou o Alto Be ni, e o irlandês-
peruano Carlos Fermín Fitzgerald, popularizado
como Fiscarraldo, personage m lendário do sistema
fluvial Urub amba-Alto Beni-Madre de Dios, entre o
Peru e a Bolívia.
Como essa era a era em que a Técnica
entrava no cenário como a grande pedra de toque
para a Ac umulação, as tentativas de converter a
Amazônia, ainda naquêle p eríodo, em um enorme
espaço produtiv o em favor da formação de Capital ,
recorreram massivame nte a ela. Esta foi a razã o do
recurso à estrada d e ferro para vencer os trechos
encachoeirados dos altos-rios (o c aso da Madeira-
Mamoré), e à estru tuação do projeto produtivo
autosuficiente e de grande porte assentado sôbre
tecnologia avançada em áreas remotas, que, pela
primeira vez, surg iu no Alto Ben i sob o comand o
de N icolás Suárez, na C achuela Esperanza ,
representando para a Amazô nia o modêlo disso que,
mais tarde, viria a ser denominado justamente o
Grande Projeto. Como naquêle momento os úni cos
grupos sociais existentes nas áreas sob o assalto
das hor das invasoras eram os pov os indígenas, o
genocídio respondeu pela limpeza do espaço para a
sua ocupação capitalista. C omentava-se que Nicolás
Suárez, em apenas uma surtida, dizimara nada
menos que 300 Karipuna. Por isso, não é possíve l
ter re stado qualquer registro da (inútil) res istência
nativa à chegada do conqu istador, coisa que, sem
qualquer dúvida, deve ter h avido; porém sob o
silêncio da História - êsse relat o oficial de l egitimação
dos direitos de usurpaçã o dos territórios nativos pelo
invasor, que, como sempre, contou ao seu modo e
R. Pol. Públ. São Luís, Número Espe cial, p. 85-103, novembro de 2016

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT