Saindo das Sombras: mulheres sitiantes paulistas

AutorMaria Aparecida de Moraes Silva - Beatriz Medeiros de Melo - Lara Abrão de Moraes
CargoProfessora livre docente da Universidade Estadual Paulista - Professora do Instituto Federal de Alagoas - Mestre em economia pela Universidade Estadual Paulista
Páginas179-207
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p179
179179 – 207
Saindo das Sombras: mulheres
sitiantes paulistas1
Maria Aparecida de Moraes Silva2
Beatriz Medeiros de Melo3
Lara Abrão de Moraes4
Resumo
A partir de pesquisas desenvolvidas em dois municípios do Estado de São Paulo – Santo Antô-
nio da Alegria, situado na região nordeste, e Jales, situado na região noroeste – com famílias de
sitiantes, objetivamos analisar, neste artigo, os papeis desempenhados pelas mulheres para a
reprodução social do grupo familiar no contexto do avanço constante da produção canavieira e
do processo de apropriação das terras dos sitiantes pelas usinas, quer por meio da compra, quer
por meio do arrendamento. As mulheres são agentes importantes não apenas para a garantia da
produção doméstica e mercantil, como também para a preservação do patrimônio material (terra)
e imaterial (festas, memória e tradições) e para a solidif‌icação dos laços identitários. A metodo-
logia é baseada em dados qualitativos e observação direta.
Palavras-chave: Gênero e trabalho familiar. Economia moral. Reprodução social. Resistência e
agricultura em São Paulo.
1 Introduzindo o tema
A partir da década de 1960, inicia-se, no Estado de São Paulo, a im-
plantação de grandes usinas de cana–de-açúcar, processo responsável pela
concentração de terras e de capitais nas mãos de grandes empresas nacionais
e internacionais, e pela expulsão de milhares de sitiantes, parceiros, agrega-
dos do campo, congurando o que se denomina agribusiness (SILVA, 1999).
O viajante que se aventurar pelo interior do Estado de São Paulo nos dias
de hoje, sobretudo a partir da cidade de Campinas, vislumbrará a paisagem
1 Esta pesquisa contou com o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do
CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa). Trata-se de uma versão ampliada do artigo Mulheres caipiras. Dois
olhares sobre o mundo rural paulista, publicado na Revista Caravelle, Toulouse, n. 99, p. 77-105, 2012.
2 Professora livre-docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora visitante Sênior (CAPES) do
PPG/Sociologia/UFSCar. Pesquisadora do CNPq. E-mail: maria_moraes@terra.com.br.
3 Professora do Instituto Federal de Alagoas (IFAL). E-mail: mmelobeatriz@gmail.com.
4 Mestre em economia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). E-mail: lara.moraes@ymail.com.
Saindo das Sombras: mulheres sitiantes paulistas | Maria Aparecida de Moraes Silva, Beatriz Medeiros de Melo e
Lara Abrão de Moraes
180 179 – 207
homogênea dos extensos campos de monocultura de cana-de-açúcar abran-
gendo mais de seis milhões de hectares. É o chamado “mar de cana”, cuja
produção de açúcar e etanol é destinada aos mercados nacionais e internacio-
nais. Além dos grandes latifúndios pertencentes às usinas canavieiras, muitos
proprietários (grandes, médios e pequenos) arrendam suas terras para a pro-
dução de cana, atraídos pela (suposta) possibilidade de maiores lucratividades
e de uma renda mais segura. Além da extensão da produção da cana sugerir o
questionamento sobre a produção agrícola de alimentos versus a produção de
agroenergia, existem outros pontos a serem levantados a respeito da dominação
canavieira, como por exemplo, a redução de reservas ambientais, a expropria-
ção de pequenos produtores5. Ainda que se levar em conta os problemas
sociais provocados pelo desemprego, sobretudo nos dias atuais, com o avanço
da mecanização do corte manual da cana, além da superexploração da força de
trabalho dos cortadores, representados em sua grande maioria pelos migrantes,
provenientes dos Estados do nordeste e de Minas Gerais (SILVA, 2010).
Muitos sitiantes que conseguiram manter a propriedade da terra, estimu-
lados pela lucratividade da produção de cana, acabam por arrendar suas ter-
ras para as usinas ou para os fornecedores. Em outros casos, o arrendamento
também é impulsionado pela migração dos lhos para atividades urbanas e
pelas relações de reprodução da família. O arrendamento geralmente tem um
contrato de cinco a sete anos. Vencido esse prazo, dicilmente o pequeno pro-
dutor consegue voltar à sua antiga atividade de produção, posto que o possível
retorno exigiria grandes investimentos na terra e também investimentos em
equipamentos de trabalho, principalmente em maquinários que, se não foram
vendidos anteriormente ao arrendamento, tornaram-se inadequados à pro-
dução, levando-se em conta os avanços tecnológicos. Outro ponto a ser con-
siderado se reporta ao fato de que ao arrendar ou vender a terra, a condição
social de sitiante, aos poucos, vai sendo substituída pela do rentista e morador
da cidade. Portanto, há um processo de perda paulatina de sua identidade so-
cial, ou seja, o sitiante vai se desaliando (para usar a expressão de Castell) de
sua expressão identitária, conferida não somente pelo trabalho na terra, mas
5 As pequenas propriedades no noroeste do Estado de São Paulo, com aproximadamente 30 hectares, possuíam
dois moradores e em média dois animais por hectare (vaca/boi), produzindo 5 litros de leite por cabeça. A
extensão canavieira implicou o desaparecimento de 40 mil propriedades agrícolas reduzindo a produção em
pelo menos 3 milhões de litros de leite por dia e com 500 mil bois a menos (ANDRADE, 2007).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT