Sanções administrativas na telefonia móvel : um olhar analítico sobre as tentativas estatais de proteger o consumidor

AutorAna Paula Marangoni Palhano - Eduardo José Siqueira Magalhães Filho - Gabriel Monteiro Dias Maciel - Giulia Machado Costa Marinho Contente - Marcella Martins Sardenberg - Ricardo Carrion Barbosa Alves
Páginas187-231
Sanções administrativas na telefonia móvel : um olhar analítico sobre as
tentativas estatais de proteger o consumidor
ANA PAULA MARANGONI PALHANO
EDUARDO JOSÉ SIQUEIRA MAGALHÃES FILHO
GABRIEL MONTEIRO DIAS MACIEL
GIULIA MACHADO COSTA MARINHO CONTENTE
MARCELLA MARTINS SARDENBERG
RICARDO CARRION BARBOSA ALVES
“É preciso acabar com a estratégia das empresas
de lesar no atacado e indenizar no varejo.”1
Flávio Citro2
Introdução
Milhares de reclamações. Multas que chegam à casa dos milhões.3 Estabeleci-
mentos do governo precários.4 Esse cenário caótico é o resultado das ações do
Estado para proteger o consumidor, corroborando mais para seu estresse do que
para a concretização de seus direitos, especialmente no que tange ao âmbito
das telecomunicações — foco do presente estudo. Essa constatação pode ser
exempli cada a partir do ranking das 30 empresas mais acionadas nos Juizados
Especiais Cíveis (JECs) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em que nos
últimos 12 meses, todos os principais nomes do ramo da telefonia móvel estão
1 Disponível em: http://www. aviocitro.com.br/v1/index.php/2011/11/21/6451/. Última visualização
em 02 novembro 2012 às 15:00.
2 Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
3 Conforme analisado em relatório do TCU, que estipulou o número de multas, seu montante aplicado,
e o valor arrecadado. Ele será mais bem abordado posteriormente no trabalho. Relatório disponível em:
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/contas_governo/Contas2011/
chas/3_2_Ar recadacaoMultas.pdf. Última visualização: 06 novembro 2012 às 21:28.
4 Por exemplo, as instalações do PROCON visitadas pela equipe ao longo da pesquisa, que não possuíam
uma infraestrutura adequada para um local de trabalho (não possuíam ar condicionado, água potável,
etc, vide fotos no ANEXO A).
188 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2013
presentes.5 Nesse contexto se insere a epígrafe, pois estas estratégias do governo
para melhoria do sistema podem não estar provocando efeitos su cientes.6
Tal panorama se desenvolve no bojo de um ciclo vicioso, do qual o consu-
midor não consegue escapar. Ocorrido algum problema no serviço telefônico,7
o consumidor na grande maioria das vezes procura primeiro a própria empresa
por meio dos SAC (Serviços de Atendimento ao Cliente).8 Geralmente o pro-
blema não é sanado, e ele tem a opção de recorrer a soluções no âmbito admi-
nistrativo, mais especi camente, ao PROCON e/ou à ANATEL. No entanto,
como iremos posteriormente demonstrar, di cilmente as ações de tais órgãos
fazem com que as empresas arquem com o dano causado, como consequência,
o consumidor acaba ou desistindo da reclamação, ou entrando na esfera judici-
ária.9 Esta, por sua vez, devido à vultosa gama de ações do gênero, não responde
com a celeridade exigida por problemas desta sorte. Tendo isso em vista, a de-
manda continua não resolvida, e o consumidor lesado.
Entretanto, a lei prevê formas de coibir essa lesão sistemática ao consumi-
dor. A partir de uma análise inicial do tema, pudemos identi car duas medidas
com potencial para quebrar o ciclo. Uma delas é a aplicação de multas, que pôde
ser analisada por meio de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU)
referente às sanções administrativas aplicadas pelas agências reguladoras entre os
anos de 2008 e 2011. A outra maneira é a suspensão das vendas,10 como ocorri-
do em julho deste ano.11 Como visto pelo grupo, e apresentado na discussão de
5 Empresas de telefonia celular: Claro (5o lugar); Oi/telefonia celular (10o lugar); Vivo (12o lugar); Tim
(18o lugar). Disponível em: http://oglobo.globo.com/infogra cos/defesa-do-consumidor/ranking-mais-
-reclamadas/. Última visualização em 02 novembro 2012 às 17:07.
6 Em outras palavras, o Estado não cria incentivos em quantidade necessária para que o custo das indeni-
zações realizadas em cada caso pelas empresas seja su ciente para suprir seus ganhos realizados por lesar
a coletividade.
7 Exemplos de demanda por serviço telefônico: falta de sinal, cobrança indevida, corte de ligação, entre
outros.
8 Segundo dados do SINDEC, 90% das pessoas que procuram o PROCON, recorreram primeiramente
às empresas. Fonte: WADA e OLIVEIRA, Direito do Consumidor: Os 22 anos de vigência do CDC,
editora Elsevier, 2012
9 Dois motivos indicam o porquê de o Judiciário dever ser a última arma do sistema criado pelo Estado
para combater lesões deste tipo, seja quando o consumidor não é atendido, seja quando a empresa re-
corre à decisão. Primeiro, pois a esfera já é abarrotada pelo cumprimento das respostas a processos civis e
penais. Segundo, porque detém processo mais custoso (segundo o próprio juiz Flávio Citro, a prestação
de serviços pelo Judiciário “[...] é gratuito para a população, mas custa ao Estado cerca de mil reais por
ação”). Disponível em http://www. aviocitro.com.br/v1/index.php/2011/03/13/5272/ última visuali-
zação em 11/11/12 às 13:08.
10 Pode-se dizer que esta é uma sanção que afeta diretamente as empresas, na medida em que ela impede a
obtenção de lucro, ou seja, é uma medida muito mais radical do que a aplicação de multas.
11 “A partir de segunda-feira [23/07/12], Claro, Oi e TIM estarão proibidas de vender novas linhas de
celulares em todo país e de receber clientes que vêm de outras operadoras (a chamada portabilidade), sob
pena de pagar uma multa diária de R$ 200 mil. A suspensão foi motivada por reclamações de clientes
SANÇÕES ADMINISTRATIVAS NA TELEFONIA MÓVEL 189
dados, a primeira fonte demonstrou mecanismos sancionatórios ine cazes, pois
apesar do volume aplicado ser bilionário segundo dados do relatório do TCU,
nem 5% das multas aplicadas pela ANATEL foram efetivamente cumpridas. Já
com relação à suspensão das vendas, pode-se imaginar e cácia na medida em que
provocaria redução na arrecadação das empresas de telefonia. Apesar de tais me-
didas terem sido efetivamente tomadas, cabe analisar se existem outras, e ainda,
até que ponto elas provocam efeitos da maneira como desejado. A melhor forma
de fazer isso é ir a campo e analisar se as sanções administrativas são realmente
um caminho e caz para melhorar o serviço destas empresas, o que teria como
efeito esperado a redução do número de reclamações.
Porém, antes de nos debruçarmos sobre a pesquisa em si, faz-se necessário
tecer alguns comentários pontuando conceitos e premissas adotados pelo grupo
para a melhor compreensão do tema, com base em nosso problema de pesquisa.
Primeiramente, é pertinente de nir o sentido de e cácia que será levado
em consideração, tendo em vista os múltiplos signi cados do termo. Aqui, o
sentido adotado é de qual o grau de correspondência entre um estado de coisas
desejado, e um efetivamente obtido. Ou seja, ao aplicar uma sanção, a Agên-
cia Nacional de Telecomunicações (ANATEL) ou o PROCON esperam que
ela seja efetivamente cumprida, mas, devido a diversos fatores,12 isso pode não
ocorrer. Esse fato, quando analisado, não no caso concreto, mas do ponto de
vista coletivo (das relações de massa), pode evidenciar o quanto tal instrumento
sancionatório está servindo para o seu propósito. Neste ponto, espera-se que o
efeito das medidas sirva tanto como um incentivo para a melhoria do serviço,
quanto à efetiva resolução dos problemas dos clientes. Isso pode ser observado
na medida em que após a aplicação e o cumprimento das sanções, o número
de reclamações (tomado neste caso como proxy da melhoria de qualidade do
serviço prestado) diminuiu.
Ainda, outro ponto a ser ressaltado é o de tutela coletiva e a relação com
o direito do consumidor. Danos como a falta de sinal, a cobrança indevida e
o corte de ligação, quando ocorridos em massa pelas empresas de telefonia,
ultrapassam relação empresa-indivíduo, e passam a tratar da relação empresa-
-comunidade, afetando os direitos coletivos,13 ou transindividuais. Teori Za-
registradas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) entre janeiro de 2011 e junho deste
ano.” Disponível em: http://extra.globo.com/noticias/economia/anatel-proibe-venda-de-chips-de-oi-
-tim-claro-5517923.html. Última visualização em 02/11/12 às 16:25.
12 Diversos fatores podem in uir no cumprimento de uma sanção, tais como: o valor da sanção ser muito
alto; não haver coerção, o que desmotiva o devedor a pagar; o indivíduo pode não saber dessa sanção; o
indivíduo não quer cumprir a sanção.
13 RAMOS, André de Carvalho. A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo, Revista de Direito do
Consumidor, no 12, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

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