Sanção Penal

AutorFernando de Almeida Pedroso
Ocupação do AutorMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal. Membro da Academia Taubateana de Letras
Páginas611-676

Page 611

25.1. Sanção penal e penas privativas da liberdade: introdução, finalidade e espécies

Sanção penal é a medida com a qual o Estado reage contra a violação da norma punitiva. É a resposta dada pelo Estado ao infrator da norma incriminadora1466.

A sanção penal divide-se setorialmente em duas espécies: pena e medida de segurança. A primeira tem como escopo punir o agente do crime na medida da sua culpabilidade. A última, essencialmente preventiva, almeja resguardar a sociedade da periculosidade que exibe o sujeito ativo portador de insanidade mental, quando declarado inimputável ou semi-imputável.

Cuidemos, inicialmente, da pena.

Visando a uma repressão mais enérgica e severa para determinados atos antissociais, a lei, atenta ao postulado nullum crimen nulla poena sine praevia lege (art. 1º, CP), deliberou defini-los como crimes.

Quando um caso concreto se ajusta perfeitamente ao enunciado descritivo da lei penal e o reproduz no plano fenomênico com exatidão e fidelidade, realiza-se o seu encarte típico, de modo que, agregando-se à conduta praticada os juízos ulteriores e positivos da antijuridicidade e da culpabilidade, a constatação defluente é a do efetivo cometimento de um crime.

Com a perpetração do delito, corporificado com os seus elementos estruturais, desponta necessariamente aplicável ao autor do crime a sanção penal que couber, prevista no preceito penal correspondente.

A sanção penal, quando não implique imposição de pena exclusivamente pecuniária ou restritiva de direitos (o que sói ocorrer em conotação excepcional, como decorrência

Page 612

moderada do princípio da intervenção mínima - infra, n. 25.5), via de regra se resolve com a restrição da liberdade do criminoso, mediante sua segregação em cárcere nos regimes fechado, semiaberto ou aberto, providência destinada a obstruir ou limitar o seu convívio com os semelhantes na vida comunitária.

É a prisão, ou seja, o recolhimento do delinquente no cárcere, o recurso estatal por meio do qual a pena corporal se cumpre, pelo interstício e sob o sistema que impuser o decreto condenatório.

Surge, assim, a denominada prisão ad poenam. Esta transluz a medida tendente à execução de uma sentença condenatória e subentende a formulação de um juízo prévio sobre o conteúdo criminoso da conduta e de sua culpabilidade.

Daí as penas privativas da liberdade, que atingem o direito de locomoção do condenado (o jus ambulandi, manendi, eundi ultro citroque).

Creditar à pena finalidade reeducativa, voltada à ressocialização do criminoso para a sua reinserção e retorno ao convívio social, constitui, diante das deficiências e precariedade do sistema carcerário brasileiro, verdadeira utopia e quimera, somente denotando algum efeito neste aspecto as penas restritivas de direito, abaixo analisadas (v. n. 25.5).

Na realidade, a sanctio juris poenalibus apresenta natureza retributiva e preventiva, conjugando-se, pela adoção de teoria de postura mista, as parêmias punitur quia peccatum est (pune-se porque pecou) e punitur ne peccetur (pune-se para que não se peque).

A pena é retributiva na medida em que, como castigo ou expiação, visa a corresponder proporcionalmente, com sua grandeza, à gravidade que o delito apresenta.

A sanção é preventiva ou intimidativa porque colima fazer que o estímulo, potencial, inclinação e propensão de outras pessoas para a prática de fatos criminosos semelhantes sejam refreados e contidos. A pena serve, então, também como fator de desestímulo. O exemplo dado com a inflição da pena ao delinquente que enveredou pela senda do delito se presta como fator para arrefecer os ânimos de outras pessoas que queiram fazer o mesmo (prevenção genérica ou geral) e a sua aplicação ao próprio criminoso tem a finalidade de desencorajá-lo à ideia de novas empreitadas criminosas no futuro (prevenção específica).

A respeito, escreveu Montaigne ("Essais", Livro II, Cap. VIII):

"É um costume da nossa Justiça condenar uns para exemplo dos outros. Condená-los por terem prevaricado seria estupidez, como diz Platão. Porque aquilo que está feito não se pode desfazer; mas é para que não tornem a fazer o mesmo ou para que os outros não sigam o exemplo de sua falta"1467.

As penas privativas da liberdade, pela sua natureza, se subdividem em reclusão ou detenção (para os crimes) ou prisão simples (para as contravenções penais).

Page 613

25.1.1. reclusão, detenção e prisão simples

Reclusão é sanção penal reservada aos crimes mais graves, destinando-se a detenção para aqueles que apresentam menor gravidade.

Uma primeira diferença entre essas modalidades de penas tem reflexo quantitativo, pois se cominam penas temporalmente maiores para a reclusão do que para a detenção.

Entre reclusão e detenção também há diversificação com foco no tratamento penal dessas penas e no daqueles a quem são infligidas.

Numa abordagem inicial, somente para exemplificar, cumpre retroceder no tempo. Nos estabelecimentos prisionais era imperiosa a separação física entre reclusos e detentos, determinação legal hoje não mais existente. Da mesma forma, anteriormente ao diploma legal n. 7.209/1984, que conferiu nova redação ao art. 77 do CP, constituía o sursis (suspensão condicional da pena) benesse cabível só para os condenados a uma pena de detenção não superior a dois anos, de sorte que os condenados a uma pena de reclusão, qualquer que fosse sua quantidade, mesmo inferior a dois anos, ficavam excluídos do benefício.

Se, entretanto, as distinções acima apontadas no tratamento penal das penas de reclusão e detenção não mais subsistem, mormente após o advento da Lei n. 7.209/1984, outras diferenças, contudo, ainda se apresentam bem definidas na atualidade.

De tal arte, diversamente do que pode ocorrer quando se trata de reclusão, para o réu condenado a uma pena de detenção jamais se impõe o regime inicial fechado (v. n. 25.4.2), devendo a sanctio juris aplicada iniciar-se no regime semiaberto ou aberto, excetuada unicamente a hipótese de crime organizado, em relação ao qual o regime inicial de cumprimento da pena sempre será o fechado (art. 10, Lei n. 9.034/1995).

Outrossim, em caso de inimputabilidade penal do agente decorrente de insani-dade mental, se o tipo cominar pena de detenção ao fato perpetrado, é facultado ao juiz substituir a medida de segurança detentiva por tratamento ambulatorial, possibilidade esta sem qualquer guarida legal se o tipo legal delitivo impuser reclusão, situação na qual o autor inimputável deverá ser internado (medida de segurança detentiva). Cf. n. 25.9.

A incapacidade para o exercício do pátrio-poder (hoje denominado poder familiar), tutela ou curatela, como efeito da condenação, só é possível quando o autor é condenado por crime correlacionado à infração desses deveres e a que se comina pena de reclusão (art. 92, n. II, CP), excluídas dessa incidência legal, portanto, as penas detentivas.

Mais: a interceptação de comunicações telefônicas somente pode ser decretada para delitos punidos com reclusão, vedada a providência para crimes que têm penas detentivas (art. 2º, n. III, da Lei n. 9.296/1996).

A pena de prisão simples é aplicável exclusivamente para as contravenções penais e serve - como modalidade mais mitigada na sua natureza de pena privativa da liberdade - unicamente para diferenciar uma infração contravencional do delito (v. n. 1.5) e nunca pode ser cumprida em regime fechado (v. n. 25.4.3), nem mesmo em casos de regressão pelo cometimento de falta grave.

Page 614

Pelo princípio da personalidade, a pena é sempre personalíssima. Nunca pode passar da pessoa do condenado. Desta sorte, a sanção restritiva da liberdade jamais tem azo para alcançar terceiros estranhos ao crime (CF, art. 5º, inciso XLV). Mesmo a pena meramente pecuniária (v. n. 25.6) não pode estender-se a outras pessoas, ressalva feita apenas à sanção alternativa consistente na perda de bens ou valores (v. n. 25.5.2).

25.2. Aplicação da pena

O sistema para a aplicação da pena é trifásico (v. n. 8.5).

A sanctio juris deve ser justificada sempre que o julgador a impuser acima do mínimo ou houver opção judicial por regime mais gravoso para o cumprimento da reprimenda (v. n. 8.5).

Em caso de concurso formal próprio (v. n. 22.2) ou crime continuado (Cap. 23), o princípio para a aplicação da pena é o da exasperação, devendo-se considerar o número de delitos perpetrados para uma maior ou menor majoração da reprimenda (v. n. 8.5), reservando-se o critério da acumulação para o concurso formal impróprio (v. n. 22.2) e para o concurso material (v. n. 22.3).

Nenhuma pena privativa da liberdade poderá ser superior a trinta anos para os crimes (art. 75, CP) ou exceder cinco anos para as contravenções penais (art. 10, LCP). O limite assinalado não impede, porém, que, por concurso material, a soma das penas impostas o ultrapasse (v. n. 22.4) e, em face do concurso real, cada pena deve ser particularizada e somente depois somada com as demais, pois não se admite...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT