Saneamento básico e governança interfederativa das metrópoles

AutorLuiz Felipe Pinto Lima Graziano; Rafael Roque Garofano; Daniel Almeida Stein
Páginas439-470
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SANEAMENTO BÁSICO E
GOVERNANÇA INTERFEDERATIVA
DAS METRÓPOLES
LUIZ FELIPE PINTO LIMA GRAZIANO
RAFAEL ROQUE GAROFANO
DANIEL ALMEIDA STEIN
Sumário: Introdução. 1. Conceito Interfederativo. 2. Criação da
região metropolitana. 3. A Estrutura Interfederativa. 4. A
Governança Interfederativa. 5. Debate atual e proposta para
composição da estrutura de governança interfederativa. 6.
Particularidades da governança interfederativa nos serviços de
saneamento básico. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
É notória a necessidade brasileira em ampliar a prestação de serviços
públicos de saneamento básico. Sucessivos governos, dos diferentes entes da
federação, notadamente da União, anunciam recorrentemente linhas de
crédito ou recursos para investimentos em saneamento, seja através de finan-
ciamentos, seja por transferência direta, para viabilizar a referida ampliação.
No entanto, em que pese a publicizada existência de recursos, de
fontes de financiamento e de investidores, além da necessidade evidente,
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LUIZ FELIPE P. L GRAZIANO; RAFAEL R. GAROFANO; DANIEL A. STEIN
o ritmo da ampliação da prestação de serviços está aquém do desejado,
inclusive de forma incompatível com as metas previstas no Plano
Nacional de Saneamento Básico, conforme aprovado pela Portaria
Interministerial 571, de 06 de dezembro de 2013.1
O que se percebe é a existência de algumas graves indefinições no
próprio arranjo institucional para o setor, seja entre os entes públicos
(desnaturação da cooperação interfederativa pela celebração de contratos
de programa desvinculados de metas claramente identificadas, deficiên-
cias no planejamento dos serviços, etc.), seja na relação dos entes públi-
cos com agentes privados interessados em investir neste segmento (de-
ficiências regulatórias, alocação equivocada de riscos, etc.). Uma das
indefinições mais relevantes talvez resida na instituição das regiões
metropolitanas e o exercício da competência para prestação dos serviços
públicos de saneamento básico no seu âmbito.
O equilíbrio efetivo no exercício das competências, nesse caso, é
delicado. Ao lado da autonomia formal, ainda que constitucionalmente
garantida, existe um dado da realidade inescapável: a desproporcionali-
dade de forças (econômica, política e institucional) dos municípios em
geral frente aos estados e a consequente predominância das companhias
estaduais de saneamento, influenciando na definição das políticas para o
setor e na condução dos consórcios públicos e das atividades no âmbito
das regiões metropolitanas já instituídas.
Deste modo, o presente artigo é articulado pela seguinte sequência:
inicia pela rememoração dos conceitos de cooperação interfederativa e
sua correlação com autonomia dos entes federados (tópico 1) e como as
respectivas previsões constitucionais determinam a criação da região
metropolitana (tópico 2). Uma vez criada a região metropolitana, há
que se definir os respectivos mecanismos de organização para garantia
de seu funcionamento sob o primado da cooperação sem prejuízo da
autonomia (tópico 3), o que conduz à discussão da governança
1 Deste modo, o enfoque não é tão somente sobre os recursos do OGU, que têm sofrido
sérias restrições, mas que ainda assim desempenham papel relevante nos investimentos
públicos em saneamento básico, ainda que aquém das necessidades do setor.
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SANEAMENTO BÁSICO E GOVERNANÇA INTERFEDERATIVA...
interfederativa, preliminarmente de forma mais conceitual (tópico 4),
seguida de sua discussão mais concreta (tópico 5). Delimitados todos esses
aspectos mais gerais, parte-se para a discussão mais específica, voltada à
governança interfederativa nos serviços de saneamento básico (tópico 6)
e encerra-se o presente artigo com as respectivas considerações finais.
1. CONCEITO INTERFEDERATIVO
O art. 1º da Constituição Federal afirma categoricamente que a
República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos es-
tados, municípios e Distrito Federal. Estabelece, ainda, em seu art. 18,
que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos au-
tônomos”.
Essa forma federativa é um dos valores máximos da Constituição,
tanto que é elevada a cláusula pétrea, conforme o inciso I, do §4º do
art. 60, pelo qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir a forma federativa de Estado.
Deste modo, temos que a federação se constitui pela união dos
respectivos entes, sendo estes autônomos entre si. A medida dessa auto-
nomia é regulada pela distribuição constitucional de competências, a
qual constitui o próprio núcleo do pacto federativo. Logo, qualquer
medida que ameace afetar essa repartição deve ser avaliada com extrema
cautela, sob pena de violação do pacto federativo e da instituição da
cláusula pétrea mencionada.
Trata-se de não prejudicar a lógica de descentralização do poder
empregada no federalismo brasileiro, pois o poder estatal partiu de uma
estrutura anterior fortemente centralizada, da monarquia para a federa-
ção em sua evolução histórica no âmbito da república, culminando com
a atribuição de poderes para União, estados e municípios e, por conse-
guinte, num federalismo trivalente.2
2 A admissão do município como ente federado hoje está consolidada embora ainda
persista na doutrina uma corrente minoritária que entenda o contrário. A esse respeito

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