Saneamento básico e regularização fundiária (Reurb) em favelas

Inicialmente, cumpre-nos destacar que nossa abordagem será sob a ótica da obrigatoriedade da implantação da infraestrutura essencial (sistema de abastecimento de água potável, sistema de coleta e tratamento de esgoto), conforme previsto na Lei 13.465/17 (artigo 36, §1º), a qual disciplina a regularização fundiária urbana (Reurb) e abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

Neste momento pandêmico, com possiblidades de novas pandemias em decorrência de intervenções antrópicas no meio ambiente, a falta de saneamento básico dificulta as ações preventivas destinadas a evitar propagações de vírus. No Brasil, 35 milhões de brasileiros não possuem acesso a água potável, cem milhões de pessoas não contam com coleta e tratamento de esgoto, assim como quatro milhões defecam ao ar livre [1]. Por outro lado, 58,5% das cidades estão sem plano municipal de saneamento básico.

Há grande dificuldade em levar abastecimento público, bem como tratamento de esgoto em núcleos habitacionais de baixa renda quando de sua regularização fundiária. Isso ocorre devido às peculiaridades físicas, topográficas e urbanísticas dos assentamentos precários, assim como pelas dinâmicas sociais e as vulnerabilidades a que estão sujeitas essas populações, com maior índice de inadimplência e da pobreza extrema [2]. Daí a necessidade de tarifa social e subsídios cruzados (artigo 31 da Lei 11.445/07) [3], bem como linhas de crédito de longo prazo para que haja condições de interligação de água e esgoto das residências às respectivas redes que deverão ser levadas pela concessionária até os pontos de conexão com as unidades domiciliares (artigo 18-A da Lei 11.445/07).

O denominado novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026, de 15/07/20, a qual promoveu diversas alterações na Lei 11.445/07) prevê a universalização do saneamento básico (99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 31 de dezembro de 2033), podendo haver prestação regionalizada (artigo 3º, III e XIV), além da necessidade de metas quanto à não intermitência do abastecimento, redução de perdas e melhorias dos processos de tratamento (artigo 11-B, caput).

Com a precariedade dos assentamentos urbanos informais, torna-se corriqueiro que "redes de água e esgoto são executadas sem se atentar aos critérios de segurança. Não raro as ligações de água (bem mais flexíveis que as de esgoto) perpassam caixas de passagem de esgotos e de águas pluviais, ou mesmo são instaladas em níveis inferiores às outras. Ademais, com grandes volumes de chuva, as redes transbordam, majorando os riscos sanitários" [4].

Conforme entendimento da procuradora regional da República Sandra Akemi Shimada Kishi, a crise de saneamento é um problema de falta de planejamento e de gestão integrada, sendo o caso de aplicação do princípio do controle do risco (artigo 225, § 1º, V [5]), com transparência e compartilhamento de informações (artigo 216-A, §1º, X, da CF/1988) [6].

A infraestrutura essencial pode ser implantada antes, durante ou depois da conclusão do procedimento da Reurb (artigo 36, §3º). Entretanto, não estão previstos prazos máximos e nem penalidades se houver inadimplemento do termo de compromisso assumido pelos responsáveis com o município ou Distrito Federal quanto ao cumprimento do cronograma físico de serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial (artigo 35, IX e X, da Lei 13.465/17).

É nesse contexto que se deve analisar a implantação do sistema de abastecimento público e de esgotamento sanitário quanto aos prazos previstos no denominado novo Marco Legal do Saneamento [7] (Lei 14.026/2020) para se alcançar a universalização do saneamento básico no país (99% da população servida com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto) [8]. O prazo para a universalização é 31/12/33 (artigo 11-B, caput), podendo ser prorrogado para 1º/1/40 caso os estudos para a licitação da prestação regionalizada apontarem inviabilidade econômico-financeira da universalização, mesmo após o agrupamento de municípios de diferentes portes, observado o princípio da modicidade tarifária (artigo 11-B, § 9º).

De se ressaltar, com apoio nas lições de Paulo Antônio Locatelli, que "o saneamento básico não tem esse nome por acaso, em se tratando de Reurb é considerado como serviço essencial, primário e inafastável, que deve ser garantido pelos responsáveis pela regularização" [9]. De se consignar que as atividades de abastecimento de água e captação e tratamento de esgoto e lixo também são consideradas essenciais por força do artigo 10, I e VI, da Lei Federal nº 7.783/1989 [10].

Aplicar recursos em infraestrutura essencial para que a Reurb seja efetiva, e não uma "Reurb de papel", em que haveria mera regularização registraria (dominial) é investimento e não gasto. Levar saneamento básico às favelas é investir em saúde, pois, conforme a ONU, a cada real gasto em saneamento básico evita-se gastar quatro reais em saúde.

Embora a coleta de resíduos sólidos urbanos (RSU) não esteja prevista como infraestrutura essencial para regularização de núcleo habitacional (artigo 36, §1º, da Lei 13.465/17), entendemos que o município deverá incluí-la, diante da faculdade de que o ente municipal inclua outros serviços a serem definidos em função das necessidades locais e características regionais. Nesse contexto, importante lembrar que os RSU causam poluição, sendo vetor de doenças, bem como seu arraste por enxurradas poluem o corpo d'água, gerando problemas de abastecimento e de saúde pública.

Caberá ao município, quer execute diretamente os serviços de saneamento, quer haja concessão antiga, quer pretenda efetuar concessão, adotar providências, por força do artigo 9º da Lei 11.445/07, elaborar ou adequar seu plano de saneamento básico. Será o caso de definir indicadores de eficiência do serviço e formas de aferição de seu cumprimento; parâmetros que garantam saúde pública, com volume mínimo per capita de água com potabilidade para abastecimento público, independente da questão tarifária. Ainda será o caso de regulamentar os procedimentos de controle social (como audiências públicas, publicização de relatórios da concessionária e do poder público, bem como o acesso aos relatórios de auditoria independente ou da agência reguladora) quanto ao cumprimento de metas e indicadores, para que a sociedade civil possa denunciar e cobrar ações das autoridades providências cabíveis nas respectivas atribuições, caso existam desconformidades.

Importante que o titular do saneamento providencie programas e ações destinadas a...

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