Santo Antonio do Guapore: Human Rights, conflicts and socio-environmental resistance/Santo Antonio do Guapore: direitos humanos, conflitos e resistencia socioambiental.

AutorTeixeira, Marco Antonio Domingues

Introducao

Este texto foi produzido em decorrencia do acompanhamento da situacao de regularizacao territorial da comunidade de Santo Antonio do Guapore, seus conflitos socioambientais e as questoes inerentes aos direitos dessa populacao entre os anos de 2004 a 2017.

A questao quilombola tem ocupado grandes espacos nos debates academicos, politicos e sociais em todo o Brasil. Da definicao historica tradicional, proferida em 1740, quando o Conselho Ultramarino reportando-se ao rei de Portugal, alegou que quilombo era; "toda habitacao de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que nao tenham ranchos levantados e nem se achem piloes nele" ate as definicoes mais modernas, elaboradas apos a Carta Constitucional de 1988, a questao quilombola ocupou diferentes situacoes nos debates da sociedade brasileira. Conforme ressaltaram Schimitt, Turatti e Manzoli (2002)

A tarefa de fundamentar teoricamente a atribuicao de uma identidade quilombola a um grupo e, por extensao, garantir--ainda que formalmente--o seu acesso a terra trouxe a tona a necessidade de redimensionar o proprio conceito de quilombo, a fim de abarcar a gama variada de situacoes de ocupacao de terras por grupos negros e ultrapassar o binomio fuga-resistencia, instaurado no pensamento corrente quando se trata de caracterizar estas conformacoes sociais. (1) A comunidade de Santo Antonio do Guapore foi a primeira comunidade a receber o certificado de auto reconhecimento da Fundacao Palmares e ainda hoje se debate com a inconclusao de seu processo de regularizacao territorial. Mesmo tendo assinado acordo com o ICMBio em 2011, Santo Antonio ainda padece de problemas decorrentes da criacao da REBIO Guapore em 1982 e sua instalacao a partir de 1986. Restando apenas 11 grupos familiares residentes no povoado, a precariedade de suas condicoes e significativa pobreza em que vivem os moradores contribui para que em pouco tempo, a comunidade se torne inviavel. Ao longo dos seculos XIX a XXI os pretos de Santo Antonio encontraram diversas formas de sobreviver e resistir a dominacao circundante. De escravos rebeldes a invasores territoriais, o poder publico sempre os considerou marginalizados e pouco ou nada realizou em seu beneficio. Atualmente a comunidade ainda padece de problemas cronicos e elementares como acesso a saude, servicos basicos, moradia, educacao e sustento. Em meio a um processo que se arrasta ha mais de 10 anos, permanece a luta historica pela terra e dignidade.

Metodologia

A producao desse artigo se deu a partir de uma revisao da literatura academica regional e nacional sobre o tema. O resultado da pesquisa aponta a persistencia das questoes centrais, sempre presentes nas discussoes sobre Remanescentes de Quilombo: identidades, territorialidades, sustentabilidade e conflitos. Na base dos diversos conflitos situa-se a disputa territorial e a negacao de reconhecimento das identidades, alem da persistencia das praticas de racismo institucional, que) e um comportamento inerente as instancias do proprio Estado Brasileiro em diversas situacoes conforme evidenciam autores como Acevedo Marin (2010); Pereira Junior (2010); Lopes (2008); Farias Junior (2010); Gomes (2010); Silva (2010); Silva e Chaves (2015).

A coleta de dados abrangeu o estudo de documentos ligados aos processos de regularizacao fundiaria, RTIDs do INCRA; estudos dos documentos produzidos pelas associacoes quilombolas locais, e pela Comissao Pastoral da Terra, entrevistas com moradores e liderancas da comunidade e participacao em audiencias publicas onde os problemas das comunidades quilombolas de Rondonia, em geral e de Santo Antonio do Guapore em especifico, foram debatidos com diversas instancias do poder publico e grupos envolvidos nas acoes e com interesses diversos.

Parte importante de todo o trabalho foi a permanencia dos pesquisadores em diversas atividades de pesquisa de campo, junto as comunidades ao longo dos anos 2004/2017. As visitas a campo ocorreram de forma intermitente e com duracao variada. Os deslocamentos ao vale do Guapore e dai ate cada comunidade requer disponibilidade de tempo, recursos tecnicos e financeiros, equipamentos proprios para a permanencia nas atividades de campo e deslocamentos, alem de apoio tecnico e equipe bem constituida. Ao longo de todo esse periodo integramos diversas equipes de campo em projetos diferenciados, especialmente junto ao INCRA, Exercito Brasileiro, Universidade Federal de Rondonia, Secretaria de Estado da Educacao de Rondonia e Secretaria de Estado de Acao Social de Rondonia/SEAS.

As atividades contaram ainda com a participacao dos pesquisadores em audiencias publicas realizadas pelos orgaos envolvidos nas questoes territoriais e identitarias, no vale do Guapore, em Rondonia, nos anos de 2010, 2012, 2015 e 2016. As equipes participaram de eventos ligados ao tema e promovidos pelo Conselho Estadual de Promocao da Igualdade Racial em 2016 e 2017.

Moradores das comunidades de quilombos em Pedras Negras, Santo Antonio, Jesus, Forte Principe e Santa Fe foram convidados a conceder entrevistas e responder questionarios. As entrevistas foram aplicadas a partir de narrativas livres dos moradores e perguntas especificas sobre diversos temas referentes a comunidade e aos modos de vida de suas populacoes. As entrevistas foram transcritas e utilizadas em diversos trabalhos, incluindo-se os relatorios de reconhecimento das comunidades. Os questionarios foram tabulados pela equipe e possibilitaram uma leitura quantitativa de dados especificos, como questao de acesso a educacao, saude, seguranca alimentar e organizacao sociocultural das populacoes.

Foram realizados, ainda, diversos seminarios sobre a questao quilombola em Rondonia. Esses seminarios ocorreram tanto na regiao guaporeana, contando com a participacao das comunidades, quanto na capital, Porto Velho, contando com participacao de representacoes das comunidades, dos grupos representativos de ativismo social, Conselho Estadual de Promocao da Igualdade Racial, Universidade Federal de Rondonia/UNIR e Secretarias de Estado que atuam nas areas quilombolas do vale do Guapore.

Os resultados das pesquisas e das atividades referentes a Congressos, Seminarios e Audiencias Publicas integram relatorios de trabalho e de pesquisa que foram apresentados em trabalhos diversos ao INCRA, a Universidade Federal de Rondonia, a Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal do Para (Grupo de Estudos Afroamazonico/GEAM), Fundacao Cultural Palmares, ASTEC/DNIT, Projeto Nova Cartografia Social da Amazonia/UEA, SEDUC/RO e Congresso de Direitos Humanos do Programa de Mestrado em Direitos Humanos e Justica/DHJUS da Universidade Federal de Rondonia/UNIR. Por fim, a soma dos diversos produtos possibilitou a producao do presente artigo.

A constituicao da comunidade

Santo Antonio do Guapore e uma comunidade formada por pretos de origem quilombola situada na area de confluencia dos rios Sao Miguel e Guapore, no Sudoeste de Rondonia, a margem direita do rio Guapore, porcao sudoeste do municipio de Sao Francisco, na fronteira entre o Brasil e a Bolivia. O terreno onde se localiza a pequena aleia e uma "ilha" de terra firme em meio a campos alagadicos e florestas de galeria inundaveis entre os meses de dezembro a junho. O povoado localiza-se, atualmente, em areas da Reserva Biologica do Guapore (REBIO Guapore), e e constituido por pouco mais de sessenta pessoas. Embora nunca tenha ultrapassado os 400 (quatrocentos) habitantes, Santo Antonio ja figurou nos mapas regionais como um dos principais centros extrativistas do Vale do Guapore, em Rondonia. Sua economia teve por base a borracha extraida da seringueira (Hevea brasiliensis) e a poaia (Hybanthus ipecacuanha). Na regiao nao existem castanhais, que eram acessiveis somente no medio curso do Sao Miguel.

O povoado de Santo Antonio e citado por viajantes dos seculos XIX e XX, como Erland Nordenskiold (2); Francis Castelnau (3) e Joao Severiano da Fonseca (4). Nordenskiold e o que fala de forma, um pouco mais detida sobre os moradores de Santo Antonio, confrontando seu aspecto fisico "desagradavel" com a beleza dos indigenas, mas tambem, evidenciando as relacoes de alianca e aproximacao entre uns e outros. Estima-se que seu surgimento se inicie em meados do seculo XIX e que as movimentacoes de negros escravos e egressos da escravidao em funcao do extrativismo tenham definido a area de ocupacao, muito embora, grupos de foragidos da escravidao sejam citados, como habitantes da regiao desde os tempos da construcao do Forte Principe da Beira. Ao longo do seculo XX Santo Antonio figurou nos mapas regionais como polo de atividades extrativistas.

Ate a decada de 1990 Santo Antonio manteve lacos de economia, politica e cultura com o municipio de Costa Marques (criado em 1981, atraves do Decreto Lei no 6.921). Entretanto, em 1995, com a criacao do municipio de Sao Francisco do Guapore, (Lei no 644) o povoado de Santo Antonio passou a integrar o territorio da nova municipalidade, a fim de satisfazer a exigencia de um total minimo de habitantes locais, necessarios para a criacao do novo municipio.

A comunidade manteve seus vinculos sociais, politicos, economicos e culturais com Costa Marques e, durante anos, aguardou a realizacao de um plebiscito para decidir a que localidade desejaria estar vinculada. Sao Francisco e Costa Marques, possuiam evidentes interesses na posse de Santo Antonio, que garantiria ao municipio a que pertencesse, o imposto verde, chamado ICMS Ecologico. Mesmo assim, os recursos provenientes do imposto nunca se reverteram em beneficios para a comunidade.

O quadro demografico de Santo Antonio e marcado por uma continuada tendencia de declinio. Este fenomeno foi percebido a partir dos anos 1980 e ocorreu sob a pressao de diferentes fatores. De forma mais remota, pode-se considerar o esgotamento da economia extrativista alicercada na borracha e na poaia. A partir dos anos 1970, a abertura das frentes pioneiras de colonizacao...

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