Entre a segurança e o excessivo apego à forma

AutorAna Carolina de Mari Rocha
Páginas691-718
Entre a segurança e o excessivo... • 691
ENTRE A SEGURANÇA E O
EXCESSIVO APEGO À FORMA
A RELATIVIZ AÇÃO DAS FORMALIDADES
TESTAMENTÁRI AS NA VISÃO DOS
TRIBUNAIS SUPER IORES
Ana Carolina de Ma ri Rocha1
Resumo: Os testamentos são negócios jurídicos unilaterais aos quais a lei
impõe acentuadas formalidades e solenidades para que suas disposições
sejam consideradas válidas. No entanto, é possível observar uma tendên-
cia à relativização das formalidades exigidas para testar, principalmente
em âmbito jurisprudencial, por meio da crescente validação de testamen-
tos que estariam nulos em sua origem. Assim, o problema do presente
trabalho resumiu-se a indagar se as recentes exibilizações referentes à
constituição e à validade dos testamentos são, como em um primeiro
momento se supõe, bem-vindas. Partiu-se da hipótese de que esse fenô-
meno é no mínimo perigoso, posto que se coloca na contramão da se-
gurança jurídica pelo uso descuidado do princípio do favor testamenti. O
objetivo geral da pesquisa, portanto, consistiu em avaliar a forma como
as relativizações das formalidades testamentárias tem ocorrido. Especi-
camente, visou-se a analisar decisões do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça que versavam sobre o assunto. Para tanto,
a pesquisa valeu-se de método hipotético-dedutivo, tendo-se fundamen-
tado em investigação bibliográca e jurisprudencial. O marco teórico
utilizado baseou-se no princípio do favor testamenti, desdobramento es-
pecíco do princípio da conservação dos negócios jurídicos aplicado em
matéria testamentária. Após o exame dos julgados, foi possível concluir
que a tendência dos tribunais superiores é anular um testamento apenas
quando o vício discutido se dê na formação da vontade do testador,
preservando o negócio jurídico nos demais casos.
Palavras-chave: Testamento. Sucessão testamentária. Formalidades tes-
tamentárias.
1
Mestranda em Direito na UFMG. Bacharela em Direito pela UFMG.
692 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
INTRODUÇÃO
A sucessão testamentária, ao lado da sucessão legítima, repre-
senta uma forma possível de transmissão causa mortis do patrimônio de
uma pessoa. Ela é regulada conforme a vontade do de cujus expressa por
meio de um negócio jurídico unilateral, extremamente formal e solene,
que se denomina testamento. Este deve ser feito observando-se alguma
das formas típicas e taxativas autorizadas em lei2. Dessa forma, garante-
-se, na perspectiva do testador, que seu patrimônio receba a destinação
dada por ele dentro dos limites legais estabelecidos; e, na perspectiva dos
herdeiros, que a propriedade seja transferida de forma legal e organiza-
da3.
Estatísticas revelam que somente cerca de 6 a 8% dos brasilei-
ros morrem tendo deixado um testamento4. São várias as razões aponta-
das para o baixo índice de testadores no Brasil. Alguns autores5 sugerem
como causas para isso o fato de que as transferências durante a vida têm
sido mais comuns, em parte em razão do aumento da longevidade, e em
parte por razões scais. Além disso, o uso de dispositivos que adiam os
efeitos dessas transferências, como políticas de seguro de vida e doações
com reserva de usufruto, é mais frequente.
No Direito Romano, distintas foram as formas de testamento
utilizadas, variando conforme o período. Testar representava um dever
sagrado, com apelo religioso muito forte6. No entanto, todos os modelos
possuíam formalidades que deveriam ser seguidas para que o ato fosse
considerado válido. O tipo de testamento mais usado era baseado em
um ritual que transferia a propriedade do testador por meio da man-
2
As formas testamentárias encontram-se a partir do art. 1.862 do Código Civil Bra-
sileiro.
3
REID, Kenneth; WALL, Marius e ZIMMERMANN, Reinhard. Exploring the Law
of Succession. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2007, p.10.
4
Essas estatísticas datam de 2011 e encontram-se em: SCHMIDT, Jan Peter. Testa-
mentary Formalities in Latin America with particular reference to Brazil. In: REID,
Kenneth G C et al. (edited by). Testamentary Formalities. Oxford: Oxford University
Press, 2011, p.100.
5
REID, Kenneth G C et al. Testamentary Formalities in Historical and Comparative
Perspective. In: REID, Kenneth G C et al. (edited by). Testamentary Formalities. Ox-
ford: Oxford University Press, 2011, p. 436.
6
SILVA, Orozimbo Nonato da. Estudos sobre a Sucessão Testamentária. V.1, Rio de
Janeiro: Forense, 1957, p.83.

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