Segurança e medicina do trabalho

AutorRegina Célia Buck
Ocupação do AutorAdvogada. Consultora Jurídica. Professora de Direito. Conciliadora e Mediadora pela Escola Paulista da Magistratura. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e Mestra em Direito do Trabalho pela UNIMEP
Páginas46-74

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2.1. Evolução histórica do direito à saúde do trabalhador
2.1.1. No âmbito internacional

Em virtude dos avanços econômicos e tecnológicos, os mineiros e os metalúrgicos estiveram entre os primeiros grupos a merecer estudos sobre suas doenças ocupacionais.

Georg Agrícola63, no ano de 1556, foi o primeiro autor a abordar a relação saúde/trabalho ao escrever um tratado sobre mineração, quando estudou diversos problemas ligados com a extração do ouro e da prata, relatando os padecimentos dos mineiros, inclusive os acidentes do trabalho e doenças mais comuns entre eles, discutindo a prevenção e indicando tratamento para as doenças das juntas, pulmões e olhos e, finalmente, as doenças fatais.64

A primeira monografia sobre o assunto foi publicada, na Alemanha, no ano de 1567, cujo autor foi Aureolus Theophrastus von Hohenheim, que era conhecido como Paracelso65, que tratou da relação entre saúde e trabalho dos mineiros.

A monografia era constituída de três livros: o primeiro, sobre as doenças dos mineiros, principalmente, as do pulmão; o segundo, sobre as moléstias dos fundidores e metalúrgicos e o terceiro, das enfermidades causadas pelo mercúrio66.

O marco da luta pela saúde do trabalhador ocorreu no ano de 1700, na cidade de Módena, na Itália, quando o médico Bernardino Ramazzini, considerado o pai da medicina do trabalho67, lançou o livro De Morbis Artificum Diatriba, cuja tradução para o vernáculo é "As Doenças dos Trabalhadores".

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A segunda edição ocorreu no ano de 1703, na Holanda, com o estudo de 54 grupos de trabalhadores, abrangendo mais de 60 profissões, relacionando as atividades, as doenças consequentes e as medidas de tratamento e prevenção. Há uma outra edição, considerada definitiva que foi impressa na Itália, em 1713, em que consta toda a higiene e medicina do trabalho cabíveis no século XVII.68

Nesse livro, há registros sobre uma ação judicial relativa às doenças que acometiam os mineiros e os químicos. Encontram-se, também, estudos a respeito das doenças dos gesseiros e caleiros, bem como, as que afetavam coveiros, farmacêuticos, notários e escribas, tecelões, entre outros.69

O livro de Ramazzini foi o texto fundamental da Medicina Preventiva até por volta do século XIX, quando sobreveio, efetivamente, a Revolução Industrial.70

Nesse período, não existia qualquer norma jurídica de proteção à saúde do trabalhador, mas foram as palavras de Ramazzini que estabeleceram os pilares para as construções doutrinárias e jurídicas que ocorreram, posteriormente, sobre o tema.71

A Revolução Industrial, que consistiu na transformação dos antigos métodos de produção artesanal para as novas técnicas de mecanização e especialização em linha de produção72, veio alterar o cenário e criar novos e graves problemas pois, com o florescimento da produção em série, colocou, à mostra, a fragilidade do homem em competição desleal com a máquina, aumentando, assim, o número de doentes e mutilados, nos ambientes de trabalho.

O próprio obreiro era responsável por zelar pela sua defesa diante do ambiente de trabalho perigoso e agressivo, visto que a produção e o lucro do empregador estavam acima da saúde e segurança do trabalhador.

A revolução caracterizou-se basicamente pelo advento da máquina a vapor, com os artesãos perdendo o controle dos meios de produção, especialmente no setor de fiação e tecelagem.

Na fábrica, a hierarquia, a disciplina, a vigilância e outras formas de controle tornaram-se constrangedoras a tal ponto que os operários submeteram-se a um regime de trabalho ditado pelas normas dos mestres e contramestres, o que representou, em última instância, o domínio do capitalista sobre o processo do trabalho.73

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Desta forma, o trabalho passou a ser realizado dentro das fábricas improvisadas (estábulos, galpões, velhos armazéns), utilizando-se de mão de obra formada principalmente por crianças e mulheres. O trabalhador passou a executar as or-dens e cada operário fazia apenas uma parte, sob o controle dos gerentes.

A introdução da máquina a vapor do Sr. James Watt era tão importante para os ingleses que no ano de 1800, "estava em uso em 30 minas de carvão, 22 minas de cobre, 28 fundições, 17 cervejarias e 8 usinas de algodão".74

Desde a época da introdução da máquina a vapor, ocorreu uma extraordinária e dolorosa modificação das condições do trabalho manual, bem se pode dizer, que foi esmagado pela máquina a vapor.

O aparecimento da máquina a vapor foi o nascimento do sistema fabril em grande escala.

A situação dos trabalhadores era tão dramática que provocou indignação da opinião pública e ensejou numa intervenção estatal para interrompê-la.

Em 22 de junho de 1802, o Parlamento britânico aprovou a primeira Lei dos Trabalhadores, que recebeu o nome de A Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes. Esta lei visa proteger os menores75, estabelece o limite de 12 horas de trabalho por dia, proíbe o trabalho noturno, obriga os empregadores a lavar as paredes das fábricas duas vezes por ano, e torna obrigatória a ventilação destas.76

O fato considerado o marco da criação do serviço médico do trabalho em todo o mundo foi quando, no ano de 1830, Robert Dernham, proprietário de uma indústria têxtil, preocupado com as precárias condições de saúde de seus trabalhadores, procurou o médico inglês Robert Baker,77 solicitando orientações e teve seguinte resposta78:

Coloque no interior da sua fábrica o seu próprio médico, que servirá de intermediário entre você, os seus trabalhadores e o público. Deixe-o visitar a fábrica, sala por sala, sempre que existam pessoas trabalhando, de maneira que ele possa verificar o efeito do trabalho sobre as pessoas. E se ele verificar que qualquer dos trabalhadores está sofrendo a influência de causas que possam ser prevenidas, a ele competirá fazer

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tal prevenção. Dessa forma você poderá dizer meu médico é a minha defesa, pois a ele dei toda a minha autoridade no que diz respeito à proteção da saúde e das condições físicas dos meus operários; se algum deles vier a sofrer qualquer alteração da saúde, o médico unicamente é que deve ser responsabilizado.79

Em 1833, devido às condições de trabalho se encontrarem ainda precárias e após uma comissão parlamentar de inquérito de grande impacto, a qual teve seus trabalhos iniciados no ano de 1831, foi baixado na Inglaterra o Factory Act, 183380, que foi considerada a primeira legislação eficiente no campo da proteção ao trabalhador, porquanto se aplicava a todas as empresas têxteis onde se usasse força hidráulica ou a vapor; proibia o trabalho noturno aos menores de 18 anos e restringia as horas de trabalho destes a 12 por dia e 69 por semana; as fábricas precisavam ter escolas, que deveriam ser frequentadas por todos os trabalhadores menores de 13 anos; a idade mínima para o trabalho era de nove anos, e um médico devia atestar que o desenvolvimento físico da criança correspondia à sua idade cronológica.81

Em 1841, a França regulamentou suas condições de trabalho, proibindo o trabalho de menores de oito anos; fixando jornada de oito horas para os menores de doze anos e a jornada de doze horas para os menores de dezesseis anos.

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Em 1843, surge a primeira legislação social da Itália, que proíbe o trabalho dos menores de nove anos; proíbe o trabalho noturno aos menores de doze anos e fixa a jornada máxima.82

Em 1851, foi realizada a primeira Conferência Internacional Sanitária, destinada a produzir uma Primeira Convenção Internacional Sanitária. Entretanto, somente em 1852, é que foi adotada essa Convenção.83

Em 1869, a Alemanha, preocupando-se com a segurança no trabalho, aprovou uma lei que estipulava a obrigação do empregador de fornecer os equipamentos necessários à proteção do empregado, contra os riscos de vida e de saúde.84

As primeiras leis, versando sobre segurança e saúde do trabalho, datam da década de 1870, e surgiram na Espanha, como é o caso da Lei sobre Trabalhos Infantis e Perigosos.85

Os fundamentos do Seguro Social foram lançados no ano de 1881, na Alemanha. Nesse período, começaram a surgir as primeiras leis de acidentes do trabalho. Inicialmente na própria Alemanha, no ano de 1884, estendendo-se a vários países da Europa nos anos seguintes.

A primeira conferência86 de âmbito mundial sobre o trabalho ocorreu em Berlim, no ano de 1890 e recomendou a proibição do trabalho do menor e da mulher em ocupações insalubres ou perigosas. Foi criado, também, o Seguro Social.

No dia 15 de maio de 1891, a Encíclica do Papa Leão XIII, "De Rerum Novarum", conclama os povos no sentido da Justiça Social, influenciando legisladores e estadistas para o avanço da proteção social.87

Em 1898, a França aprovou sua legislação sobre acidente do trabalho.88

Em 1902, foi criado o "Internacional Sanitary Bureau" e, a seguir, "Pan American Sanitary Organization", com sede em Washington (DC). Essa instituição foi a predecessora da Organização Pan-Americana de Saúde, que também constituiu o Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas.89

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No entanto a primeira convenção90 internacional sobre o trabalho foi adotada na Conferência de Berna, de 1906, que proibiu o uso do fósforo branco em determinadas indústrias.91 Em 1907, foi criado o Escritório Internacional de Higiene Pública, estabelecido em Paris92.

Em 1912, a Itália incluiu a inspeção do trabalho93. Em 1913, a Conferência de Berna propõe soluções para a proteção do trabalhador contra riscos profissionais.94

Em 1919, foi estabelecida a Liga das Nações, tendo, entre outras incumbências, a de discutir temas em âmbito internacional acerca de doenças.95

As manifestações dos...

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