A seguridade precisa ser biopsicossocial: apontamentos para uma construção inter e multidisciplinar

AutorJosé Ricardo Caetano Costa
Páginas13-19

Page 13

José Ricardo Caetano Costa3

1. Introdução

Parece consenso que o modus operandi do sistema perícial realizado no âmbito da Previdência Social, especialmente no que respeita à concessão dos benefícios por incapacidade, está desde muito fracassado. Não dá conta de uma realidade altamente complexa e mutante, que é o adoecimento dos segurados, sobretudo dos trabalhadores e trabalhadoras, diante de um mundo do trabalho também complexo e fluido.

O sistema perícial mantido pela Previdência Social, per si, não possui condições de dar respostas aos pleitos dos segurados e das seguradas que buscam a proteção social no âmbito da política pública de seguridade.

Não é diferente com os que buscam os benefícios assistenciais, composta por aqueles que foram excluídos do "mundo do trabalho", dele não participando, relegados à condição de subci-dadãos4. Para com estes, este sistema perícial, pois é o INSS quem faz o processo de avaliação aos pretendentes do BPC da LOAS (triagem, gestão e pagamento), é de todo insuficiente, vez que calcado somente na perícia médica que possui, por sua vez, o referencial do trabalho como horizonte preponderante.

Com efeito, se a arquitetura constitucional de 1988 apontou, ou pelo menos acenou, para um conceito integral e integrador de "seguridade social", as suas três áreas deveriam ser pensadas conjuntamente. Porém, ao longo destas três décadas, parece ter-se perdido essa perspectiva (SERAU Jr.; CRESPO BRAUNER; COSTA, 2015).

Este artigo propõe justamente pensar a implementação de uma política pública que busque a integração das três áreas que compõem a seguridade social: previdência, saúde e assistência social.

Para tanto, propomos a instituição de um procedimento operacional interdisciplinar e integrador destas áreas, quando do encaminhamento dos pedidos de auxílios-doença e dos benefícios de prestação continuada da LOAS (Lei n. 8742/93).

Segundo esta nova metodologia procedimental, os segurados e pretendentes dos benefícios assistenciais seriam avaliados pelas equipes multidisciplinares já atuantes nas Unidades Básicas de Saúde, especialmente pelas equipes da Estratégia da Saúde da Familia (ESF), bem como dos Centros de Atendimento Psicossociais (CAPs). O laudo multidisciplinar emitido por estas equipes seria suficiente para a validação dos pedidos iniciais dos auxílios-doença, comum ou acidentário (B-31 e B-91, respectivamente), bem como para a concessão inicial dos benefícios assistenciais, por idade ou por incapacidade douradoura/deficiência (B-88 e B-87).

Page 14

Frise-se, de início, que não se está a propor a substituição do sistema perícial do INSS, uma vez que todos os Pedidos de Reconsiderações (PR), de Prorrogações (PP), bem como dos demais recursos administrativos, serão examinados pelo Corpo Perícial da Autarquia. Somente os pedidos iniciais seriam feitos por estas equipes multidisciplinares, como preten-de-se demonstrar no decorrer deste artigo.

2. A sobrecarga do sistema perícial na avaliação inicial dos pedidos de benefícios por incapacidade

Parece incontroverso o fato de o sistema perícial, há muito tempo, não dar conta da avaliação da grande quantidade de benefícios por incapacidade, especialmente no que respeita ao auxílio-doença comum (B-31). Não há dúvida de que as perícias médicas são as que mais movimentam o sistema previdenciário, congestionando as agências e ocupando em demasia os servidores com os trâmites burocráticos os mais diversos, do ingresso do pedido aos recursos interpostos.

Com efeito, os usuários do sistema apresentam os mais variados argumentos, que vão das queixas subjetivas das patologias e suas consequências até a falta da avaliação dos exames levados ao ato perícial. Por outro lado, os médicos peritos justificam o diminuto tempo das avaliações em decorrência do grande fluxo de pedidos. O que vale dizer, amiúde, que o sistema não está a contento.

Quiçá as medidas provisórias (MP ns. 639/16 e 767/17, esta última convertida na Lei n. 13.457/17), que buscaram a avaliação dos benefícios concedidos há mais de dois anos, inclusive aqueles implantados por ordem judicial, tenham trazido à tona essa problemática de forma mais visceral: segundo os dados oficiais, em torno de 84% dos benefícios revisados foram cessados, o que importou em um valor em torno de um bilhão e meio, pagos nestes benefícios somados.

A grande questão pode ser assim resumida: caso o sistema perícial funcionasse a contento ,não haveria a necessidade desta revisão em massa, com todos os problemas que traz à política pública quando feita às pressas, com um sistema deficiente de material humano (médicos, assistentes sociais, servidores, além de estrutura física propriamente dita).

Não temos dúvida, portanto, de que o alívio das perícias iniciais tornarão o sistema mais célere, eficiente e justo (dando mais credibilidade e confiabilidade ao sistema).

Ao depois, como tentaremos demonstrar adiante, entendemos que tanto o sistema de saúde, especialmente por meio das ESFs, como os CAPs relacionados à Assistência Social podem dar conta destas avaliações iniciais.

3. A necessidade da avaliação biopsicossocial ou multidisciplinar

Os conceitos de deficiência e de incapacidade laboral sofreram alterações profundas a partir da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF-OMS-2001) e da Convenção Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiências (ONU-2007), ambas construídas com a participação ativa do Brasil. A Convenção, frise-se, ingressou em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT