Seguridade Social e Constituição: restrições a direitos previdenciários decorrentes da Lei n. 13.457/2017

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas513-518

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1. Introdução

A Lei n. 13.457, de 26 de junho de 2017, alterou a Lei n. 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e a Lei n. 11.907/2009, sobre a reestruturação da composição remuneratória da Carreira de Perito Médico Previdenciário e da Carreira de Supervisor Médico-Pericial, bem como instituiu o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade.

A referida Lei n. 13.457/2017, na verdade, teve origem na Medida Provisória n. 767, de 6 de janeiro de 2017, com início de vigência na data de sua publicação, ocorrida no Diário Oficial da União de 06.01.2017 (art. 13).

As matérias objeto do diploma normativo em questão referem-se à perícia médica na aposentadoria por invalidez e no auxílio-doença, à alta programada, à reabilitação profissional e à carência de reingresso.

Observa-se o claro intuito de restringir o pagamento de benefícios previdenciários aos segurados, certamente objetivando a redução de despesas na esfera da Seguridade Social.

Propõe-se analisar as principais disposições e consequências dessa norma jurídica quanto aos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, com destaque à sua constitucionalidade. Para tanto, adotam-se o método dedutivo e técnicas de pesquisa científica, com base em referências bibliográficas e jurisprudenciais.

2. Evolução legislativa

Inicialmente, a Medida Provisória n. 739, de 7 de julho de 2016, havia alterado a Lei n. 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e instituído o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade.

A Medida Provisória n. 739/2016, entretanto, por não ter sido votada em tempo, na forma do art. 62, § 3º, da

Constituição da República, perdeu eficácia, pois teve o seu prazo de vigência encerrado no dia 4 de novembro de 2016, conforme Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n. 58/2016 (DOU de 08.11.2016)2.

Em razão disso, o Poder Executivo federal chegou a encaminhar à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 6.427/2016, tendo como objetivo também alterar a Lei n. 8.213/1991 e instituir o mencionado Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade3.

Ainda assim, foi editada a Medida Provisória n. 767/2017, com o mesmo objeto da Medida Provisória n. 739/2016.

Conforme o art. 62, § 10, da Constituição Federal de 1988, é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

Em termos formais, entendeu-se que as sessões legislativas são diversas, o que autorizaria a edição da Medida Provisória n. 767/2017, embora tratando da mesma matéria da Medida Provisória n. 739/2016.

A rigor, a sessão legislativa ordinária inicia-se em 2 de fevereiro e encerra-se em 22 de dezembro4. Efetivamente, nos termos do art. 57 da Constituição da República, o Congresso Nacional reúne-se, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.

Frise-se que somente em casos de relevância e de urgência o Presidente da República pode adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (art. 62 da Constituição da República)5.

A restrição de direitos sociais, como os previdenciários6, os quais possuem natureza fundamental (art. 6º da Constituição da República)7, gerando nítido retrocesso social, evidentemente, além de não ser oportuna, jamais poderia ser considerada matéria de caráter urgente.

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Pelo contrário, relevantes, urgentes e necessárias seriam medidas voltadas ao aprimoramento e ao avanço dos direitos relativos à Previdência Social, visando à melhoria das condições dos segurados, conforme exigência constitucional (arts. , , , , , 170 e 193 da Constituição da República).

Nesse sentido, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, promulgado no Brasil pelo Decreto n. 591/1992, no art. 2º, determina a necessidade de progressividade, por todos os meios apropriados, do pleno exercício dos direitos sociais8.

Logo, pode-se dizer que as mencionadas previsões restritivas dos direitos sociais seriam inconstitucionais, uma vez que estabelecidas até mesmo sem a necessária legitimidade democrática decorrente do prévio diálogo com a sociedade, do debate com os interessados e da regular aprovação pelo Congresso Nacional.

De todo modo, mais recentemente, a Lei n. 3.457, publicada no Diário Oficial da União de 27.6.2017, em conversão da referida Medida Provisória n. 767/2017, passou a tratar, em essência, de questões voltadas ao auxílio-doença, à aposentadoria por invalidez, à carência de reingresso e às perícias médicas realizadas pelo INSS.

Vejamos, assim, as principais inovações estabelecidas sobre essas matérias.

3. Aposentadoria por invalidez: perícia médica

A aposentadoria por invalidez é o benefício previdenciário devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, devendo ser paga enquanto permanecer nessa condição (art. 42 da Lei n. n. 8.213/1991).

A concessão de aposentadoria por invalidez depende da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.

O art. 43, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, acrescentado pela Lei n. 13.457/2017, passou a prever que o segurado aposentado por invalidez pode ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101 daquele diploma legal.

Anteriormente, o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999, no art. 46, parágrafo único, dispunha que o aposentado por invalidez ficava obrigado, sob pena de sustação do pagamento do benefício, a sub-meter-se a exames médico-periciais, a realizarem-se bienalmente.

O art. 101 da Lei n. 8.213/1991 estabelece que o segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos9.

É importante registrar que o art. 101, § 1º, com redação dada pela Lei n. 13.457/2017, dispõe que o aposentado por invalidez e o pensionista inválido que não tenham retornado à atividade estão isentos desse exame: após completarem 55 anos ou mais de idade e quando decorridos 15 anos da data da concessão da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a precedeu; ou após completarem 60 anos de idade.

Essa desnecessidade de se submeter a exame médico-pericial não se aplica quando o exame tem as seguintes finalidades (art. 101, § 2º, da Lei n. 8.213/1991): a) verificar a necessidade de assistência permanente de outra pessoa para a concessão do acréscimo de 25% sobre o valor do benefício, conforme dispõe o art. 45 da Lei n. 8.213/1991, ou seja, no caso de segurado que necessite da assistência permanente de outra pessoa; b) verificar a recuperação da capacidade de trabalho, mediante solicitação do aposentado ou pensionista que se julgar apto; c) subsidiar autoridade judiciária na concessão de curatela, conforme dispõe o art. 110 da Lei n. 8.213/1991, ao prever que o benefício devido ao segurado ou dependente civilmente inca-paz deve ser feito ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. Para efeito de curatela, no caso de interdição do beneficiário, a autoridade judiciária pode louvar-se no laudo médico-pericial da Previdência Social.

A perícia de que trata o art. 101 da Lei n. 8.213/1991 terá acesso aos prontuários médicos do periciado no Sistema Único de Saúde (SUS), desde que haja a prévia anuência do periciado e seja garantido o sigilo sobre os dados dele (art. 101, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, incluído pela Lei n. 13.457/2017).

É assegurado o atendimento domiciliar e hospitalar pela perícia médica e social do INSS ao segurado com dificuldades de locomoção, quando seu deslocamento, em razão de sua limitação funcional e de condições de acessibilidade, imponha-lhe ônus desproporcional e indevido, nos termos do regulamento (art. 101, § 5º, da Lei n. 8.213/1991, acrescentado pela Lei n. 13.457/2017).

4. Auxílio-doença: alta programada

O auxílio-doença é o benefício previdenciário devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua

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atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos (art. 59 da Lei n. 8.213/1991).

O reconhecimento da incapacidade para a concessão ou a prorrogação do auxílio-doença decorre da realização de avaliação pericial ou da recepção da documentação médica do segurado, hipótese em que o benefício deve ser concedido com base no período de recuperação indicado pelo médico assistente (art. 75-A do Regulamento da Previdência Social, acres-centado pelo Decreto n. 8.691/2016).

De acordo com o art. 60, § 8º, da Lei n. 8.213/1991, incluído pela Lei n. 13.457/2017, sempre que possível, o ato de concessão ou de...

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