Seguro rural no Brasil: Desenvolvimento e modelo atual

AutorRenato Buranello
Páginas223-254
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SEG U R O R U R A L N O BR A S I L :
DE S E N V O L V I M E N T O E M O D E L O A T U A L
Renato Buranello
I. HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO
O
crescimento econômico do agronegócio observado ao longo das últimas
décadas é fruto de um aumento da produtividade ligado ao investimento em
máquinas, equipamentos e tecnologias. Apesar dos constantes resultados positivos
obtidos, mesmo em anos de safras mais favoráveis, observam-se eventos climáticos
adversos que atingem toda uma localidade, afetando um conjunto de produtores e
causando sensíveis perdas.
A atividade rural, de produção de caráter biológico, pode ser compreen-
dida como um conjunto de ações produtivas desempenhadas nas esferas agrícola,
pecuária, florestal e aquícola. Ela apresenta um elevado risco e uma substancial
incerteza que decorrem tanto da instabilidade de origem climática e das ameaças
sanitárias quanto das oscilações de mercado. De fato, o produtor rural brasileiro
convive com riscos de colheitas malsucedidas, decorrente de sinistros como pragas,
secas, chuvas excessivas, geadas, granizo e ventos.
Assim, as atividades agrícolas (compreendidas em seu sentido lato) envolvem,
por sua própria natureza, uma série de riscos, de modo que se utilize uma ade-
quada gestão de riscos rurais que pode, efetivamente, representar um valioso ins-
trumento para a mitigação de prejuízos. É nesse sentido que surge o seguro rural.
O seguro rural − que atua na transferência do risco da agricultura para outros
agentes e setores econômicos − é, reconhecidamente, um dos mais eficientes
mecanismos de proteção da renda da atividade agrícola. Assim, ele garante segu-
rança para continuidade das atividades agrícolas, mesmo sob condições de perda
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patrimonial ou frustração de safra. A contratação de seguro estimula o aumento
da área cultivada e o uso de tecnologia, principalmente ao atuar como uma garan-
tia adicional de acesso ao crédito, contribuindo não apenas para uma obtenção de
taxas de juros mais baixas pelo produtor rural (devido ao menor risco do crédito),
como também para o desenvolvimento dos mercados financeiros, seguradores e
de capitais.
Ressalta-se que o crédito rural é responsável por financiar a produção e a
comercialização de produtos agropecuários, ou seja, dos segmentos antes, dentro
e depois da porteira e, além disso, incentivar os investimentos rurais, incluindo
armazenamento, beneficiamento e industrialização. Nesse sentido, os produtores
rurais buscam crédito com agentes financeiros que, por sua vez, precisam de garan-
tias de que suas operações tenham o retorno esperado, o que pode ser procedido
com o uso do seguro rural.
O seguro, portanto, atua como um importante instrumento de estabilidade
do setor e é de suma importância para países em que as atividades agrícolas têm
destaque na economia. É o caso do Brasil que, em razão de suas condições especí-
ficas, continua a merecer atenção especial do governo para o aprimoramento deste
instrumento. Isso porque o seguro rural reduz também a necessidade de renego-
ciação de dívidas, já que estão previstos certos prejuízos pela cobertura do seguro.
Em todo o mundo, o seguro rural é um dos instrumentos mais importantes
de política agrícola, com destaque para o papel desempenhado pelo Estado, prin-
cipalmente ao subsidiar parte do prêmio ou ressarcir despesas administrativas das
companhias seguradoras.
Apesar das apontadas vantagens, o seguro rural tem encontrado premente
dificuldade para consolidação em diversos países de interesse agrícola, o que
decorre dos elevados investimentos iniciais envolvidos e altos custos administra-
tivos. Além disso, o risco que cobre pode assumir naturezas catastróficas quando
relacionado a eventos climáticos generalizados. Relaciona-se, também, a um setor
da economia em que a assimetria da informação é muito presente, havendo influên-
cia de risco moral e seleção adversa na formação das carteiras.
A história dos seguros no mundo é antiga. Segundo estudos, os seguros foram
idealizados em 1182, na Itália, e ganharam maior vulto com as navegações italianas
do século XIV. Com a teoria das probabilidades, desenvolvida por Pascal em 1662,
deu-se início aos cálculos de riscos. Uma das mais famosas seguradoras do mundo,
a Lloyd’s, originou-se na Inglaterra em 1668 que, em virtude do desenvolvimento
de seus negócios e da necessidade de uma maior proteção, criou o resseguro.
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Na Alemanha, esquemas para seguro da atividade agrícola começaram a ser
delineados já em 1700 e ganharam força no século XIX. Também, nesse momento,
diversos países europeus, bem como os Estados Unidos, já tinham desenvolvido
esquemas de seguro de safras, principalmente contra granizo.
O envolvimento dos governos data dos anos 1930, nos Estados Unidos,
quando o seguro de safras foi autorizado pelo Título V do Agricultural Adjustment
Act of 1938. Nos países em desenvolvimento, por sua vez, o seguro teve seus lampe-
jos na década de 1950, de forma que, entre 1950 e 1980, houvesse uma crescente
na criação de esquemas de seguro para riscos de safras no setor público de países
da América Latina e da Ásia. Esses esquemas, porém, limitavam-se a programas de
crédito ligados a pequenos produtores. Já na Europa Ocidental, os programas sub-
sidiados pelos governos foram introduzidos na Espanha e em Portugal. Na antiga
União Soviética, os programas foram introduzidos em fazendas estatais. A maio-
ria desses programas públicos, porém, tinham custos operacionais muito elevados,
os quais eram majorados pelos baixos valores dos prêmios do seguro e, ainda, um
fraco gerenciamento.
Segundo os autores Wenner e Arias,1 o seguro agrícola privado se desenvol-
veu nos países desenvolvidos limitado a produtos de um único risco (por exemplo,
risco de chuva, ou granizo). Tal limitação deve-se ao fato de que, para esses casos,
é possível definir prêmios mais sólidos e de fácil verificação de perdas e danos.
Assim, os governos têm utilizado a incapacidade das seguradoras privadas de ofe-
recerem seguros acessíveis, especialmente em relação a produtos que envolvem
múltiplos riscos e perdas de caráter generalizado como justificativa para entrar
como provedor de seguros direto ou indireto. De forma geral, porém, a experiên-
cia de intervenção governamental não tem sido positiva, em termos econômicos.
Isso porque, como mencionado, os programas de governo têm se caracte-
rizado pelas altas perdas atuariais e os altos gastos com subsídios. O modelo de
seguro seguido por diversos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Espa-
nha, França e Itália envolve: (i) subsídios aos prêmios dos produtores; (ii) subsí-
dios operacionais a seguradoras privadas para cobrir alguns dos elevados custos
associados à subscrição de contrato agrícola e; (iii) resseguro subsidiado. Pelo lado
positivo, os programas de seguro apoiados pelos governos substituíram o paga-
mento de uma renda aos produtores, atuando na manutenção de suas rendas,
1 WENNER, M.; ARIAS D. Agricultural Insurance in Latin America: Where are we? Banco Interamericano de
Desenvolvimento. Washington, EUA. Estudo de Caso, 2003.
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