Seguro e suas funcionalidades

AutorAna Maria Blanco
Páginas135-158
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7.
SEG U R O E S U A S F U N C I O N A L I D A D E S
Ana Maria Blanco
INTRODUÇÃO
Por certo não precisamos nos desgastar muito para percebermos os novos desa-
fios no mundo dos seguros frente aos riscos ou à técnica de apuração de riscos,
conforme avança a tecnologia e conforme as relações globais, sobretudo econômi-
cas, se enredam. Essa dinâmica tem amplo impacto para o indivíduo, para a socie-
dade, o meio ambiente, entre outros campos.
Quando pensamos, por exemplo, em obtenção de dados genéticos com a
finalidade de perquirição sobre eventual predisposição genética de um indivíduo
ao desenvolvimento de uma determinada patologia,1 necessariamente, há uma
gama de riscos envolvidos. Há, em primeiro lugar, os riscos pertinentes à guarda
e proteção desses dados, como também sua utilização. Quais serão os métodos
1 Amplamente noticiado na imprensa nacional e internacional, o Panseer é resultado de trabalho em con-
junto de pesquisadores chineses e californianos que desenvolveram tal exame de sangue, o qual seria
capaz de detectar ao menos cinco tipos de câncer com até quatro anos de precedência aos sintomas ou
outros procedimentos de diagnóstico. O estudo, sob título Non-invasive early detection of cancer four years
before conventional diagnosis using a blood test, e publicado em 21 de julho de 2020 na Nature Communica-
tions, n. 11. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41467-020-17316-z. Também foi recen-
temente muito divulgado o estudo desenvolvido para detecção de Alzheimer por teste de sangue, que
seria capaz de, com cerca de 20 anos de antecedência antes dos sintomas, por meio da observação de
alterações relacionadas à proteína P-tau-27, indicar o futuro desenvolvimento da patologia. O estudo
é da Universidade de Land, Suécia, e foi publicado em 28 de julho de 2020, sob o título Discriminative
Accuracy of Plasma Phospho-tau217 for Alzheimer Disease vs Other Neurodegenerative Disorders. Disponível em:
https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2768841?guestAccessKey=42d098cb-7eca-4a1c-
-9d7b-9951b104b003&utm_source=For_The_Media&utm_medium=referral&utm_campaign=ftm_
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e ferramentas tecnológicas de proteção a serem adotados pelos laboratórios?2 E
quanto à utilização desses dados genéticos de forma indevida por terceiros, para
qualquer finalidade imaginável, como serão tratados os efeitos jurídicos perante o
titular desses dados e a responsabilidade daí advinda frente aos envolvidos?
Pensemos esse avanço tecnológico pelo prisma securitário. Uma seguradora
poderia, diante de tais dados, limitar a cobertura ou redimensionar substancial-
mente o prêmio do seguro-saúde ou de vida em razão da predisposição genética
a uma doença? Ou o conhecimento antecipado poderia, ao contrário, baratear o
custo do seguro-saúde ou de vida tendo em vista prevenção e/ou tratamento pre-
maturo com maiores chances de eficácia ou, conforme a patologia, retardamento
dos seus efeitos? E sob quais parâmetros de segurança pode ser considerado o risco
subjacente a um seguro relativo à responsabilidade civil de laboratórios e outros
envolvidos na obtenção, armazenamento e acesso a tais dados genéticos?
Já que estamos vivenciando um cenário pandêmico, pensemos nos riscos ati-
nentes a doenças infectocontagiosas de fácil propagação, tal como a Covid-19 que
hoje nos assola, sem respeitar quaisquer fronteiras. Os riscos de que um vírus gere
uma pandemia, algo até há pouco considerado remoto, mas possível, como mostra
a história da humanidade, são riscos conhecidos.3 Não são, todavia, conhecidos os
riscos em concreto relativos às consequências à saúde dos indivíduos sobreviven-
tes porquanto, embora possa se estabelecer semelhanças de sintomas entre algu-
mas patologias, há sempre singularidades que não podem ser a priori subestimadas.
Em tese, os efeitos negativos após a recuperação por Covid-19 são transitórios;
somente o tempo, no entanto, nos dirá, inclusive sobre a duração dessa transito-
riedade pressuposta e quais consequências terá sobre a vida do indivíduo, seja na
sua saúde, sua vida familiar, até mesmo na sua vida econômica.
Esse mesmo exemplo de pandemia comporta uma outra gama de riscos:
aqueles atinentes às vacinas que vierem a ser desenvolvidas e seus efeitos. No Bra-
sil houve uma série de implicações adversas, inclusive óbito, no que diz respeito à
2 Sabemos bem que, em matéria de proteção de dados, o Brasil deixa a desejar, uma vez que a legislação
específica, a chamada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.079/2019), a despeito de qualquer
crítica que se possa fazer ao seu conteúdo, ainda está sob vacatio legis. Sobre o tema, com abordagens varia-
das, ver FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
3 E nesse sentido, é fácil lembrar da pandemia por gripe espanhola que assolou o mundo no início do século
XX. A respeito do tema, permitindo traçar uma série de semelhanças com a situação atual, ver BARRY,
John M. A grande gripe: A história da gripe espanhola, a pandemia mais mortal de todos os tempos. Tra-
dução de Alexandre Raposo, Carmelita Dias, Cássia Zanon, Livia Almeida, Maria de Fátima Oliva do
Coutto e Paula Diniz. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
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