A Semântica na Jurisdição Constitucional: Na Busca de Planos de onteúdos para Planos de Expressões

AutorClovis Alberto Volpe Filho - Lucas Pereira Araujo
CargoAdvogado e professor universitário - Advogado. Pós-graduando em Direito Processual Civil ((FDRP/USP)
Páginas20-29

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Excertos

"A base semântica para a interpretação dos textos legais (em sentido amplo) é crucial no sentido de estabelecer comunicações aptas a resultarem em normas condizentes com a estrutura do texto e do ordenamento que este compõe" "O que se quer defender nada mais é do que a aproximação da ideia de justiça com a justiça constitucional"

"Muito embora a situação brasileira demonstre o exercício da jurisdição constitucional por tribunais ordinários, a centralização e a palavra final sobre a norma constitucional devem vir sempre do Supremo Tribunal Federal, fazendo, com isso, que se cultive a tendência de respeitar com maior rigor a força normativa da constituição"

1. Introdução

Em episódio do seriado Chaves, os personagens traçam o seguinte diálogo:

"Seu Madruga: Pois é... é que essas crianças são uns verdadeiros poliglotas!

Prof. Girafales: São o quê? Seu Madruga: Poliglotas... esses, das cavernas...

Prof. Girafales: Trogloditas! O senhor não sabe o signi? cado do vocábulo ‘troglodita’?

Seu Madruga: Eu não sei nem o signi? cado do vocábulo ‘vocábulo’!"

Antes de um olhar crítico pelo leitor, não se pretende esvaziar o conteúdo científico do artigo com a introdução de um diálogo do se-riado infantil muito difundido em solo latino americano. Pretende-se, tão somente, chamar a atenção para a importância dos significados dos signos linguísticos. E o interessante é que esta relevância se aufere nas mais simples conexões sociais, inclusive dentro de um seriado cômico. Ora, afinal, nenhuma comunicação inicia-se ou termina a contento, se os interlocutores não conseguem, com o significante (plano de expressão), expressar, fazer compreender um significado (plano de conteúdo).

O significado das palavras é o início e o fim da correta comunicação que se pretende estabelecer em todas as dimensões e áreas. Não se discute, portanto, a necessidade de se compreender o significado das expressões.

A situação ganha em complexidade quando nos deparamos não com a ausência do plano de conteúdo por parte de um dos interlocutores, mas com a sua multi-plicidade. Isto é, existem palavras polissêmicas, em que o plano de expressão traduz vários planos de conteúdos.

Tal fenômeno (polissemia) não pode ser visto como uma "patologia" da língua, mas sim como uma evolução.

"A polissemia confere às línguas humanas a fiexibilidade de que elas precisam para exprimirem todos os inúmeros aspectos da realidade. [...] Conseqüentemente, a maioria das palavras são polissêmicas em algum grau. Palavras não-polissêmicas são raras e freqüentemente são criações artificiais, como os termos técnicos das ciências: fonema, hidrogênio, pân-creas, etc. Nestes casos, a polissemia é realmente um inconveniente; mas o discurso científico, em sua procura de univocidade semântica, difere enor-memente da fala normal das pessoas. Nesta, a polissemia é indispensável."1

Como bem alertou Perini, quando as expressões são utilizadas no campo científico, busca-se um sentido unívoco para que não haja "inconvenientes". Ao dizer

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que o paciente está com hemorra-gia, os médicos não podem ter a compreensão de outra coisa a não ser: perda de sangue do sistema circulatório.

Obviamente, em alguns casos haverá a polissemia no campo científico, e sua incidência tende a ser maior no campo das ciências sociais. A área jurídica tem vastos exemplos, podendo ser citados: constituição; culpabilidade; ação; agravo etc. A própria palavra "direito" é polissêmica por excelên-cia.

A base semântica para a interpretação dos textos legais (em sentido amplo) é crucial no senti-do de estabelecer comunicações aptas a resultar em normas condizentes com a estrutura do texto e do ordenamento que este compõe. Contudo, a valia da captura real do plano de conteúdo não se esgota, no universo jurídico, da mera interpretação dos textos legais; pelo contrário, aqui temos um pequeno ponto dentre tantos outros que necessitam de uma melhor e mais exata compreensão.

A formação de teorias pela dou-trina, a constituição de institutos jurídicos, o entendimento de decisões judiciais, enfim, todas as áre-as de cobertura da ciência jurídica tendem a uniformizar seus conceitos, a bem da cientificidade.

Com base nisso, considerou-se importante discorrer sobre alguns conceitos basilares da jurisdição constitucional, pois, sem dúvida, há uma miscelânea de definições neste campo. Obviamente a pretensão não é esgotar o tema, apresentando uma solução pronta e en-velopada, mas sim contribuir para a crescente evolução da matéria.

2. Da delimitação do estudo

A delimitação do tema faz-se necessária devido ao fato da temática abranger uma série de institutos e conceitos, não sendo a pretensão formular um "dicionário" sobre jurisdição constitucional.

Na verdade, o que se pretende é delinear possíveis planos de conteúdos para as seguintes expressões: justiça constitucional; jurisdição constitucional e processo constitu-cional.

3. Dos conceitos
3. 1 Justiça constitucional

Nos últimos dez anos os estudos sobre as várias classificações de modelos de justiça constitucional têm se massificado, existindo abordagens que variam desde as mais simplificadas e horizontais até outras mais complexas e verti-cais2. Como consequência disso, é inegável o avanço alcançado através destas pesquisas.

Todavia, mesmo diante das con-sideráveis etapas galgadas pelos constitucionalistas, surge ainda a seguinte indagação: o que é, afinal, a justiça constitucional? É sinôni-ma de jurisdição constitucional? Não raro se verificam trabalhos utilizando a mesma semântica para definir ambos os vocábulos, como se verifica da anotação de Dierle José Coelho Nunes e Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia pa-rafraseando Fix-Zamudio:

"Justiça Constitucional corresponde ao que noutros países se denomi-nou ‘judicial review’, ‘processo (ou jurisdição) constitucional’, ‘controle de constitucionalidade’. Entretanto, entende mais adequado aquele outro termo, já que, filosoficamente, representaria melhor o estágio em que nos encontraríamos (à época), no qual as normas fundamentais trariam um caráter marcadamente axiológico (isto é, seriam ‘normas programáti cas’)."3

Em razão disso, torna-se forçoso o aprofundamento sobre o significado de justiça constitucional, de modo que melhor se delimite sua abrangência e se evite equívocos se referindo a outro instituto.

No âmbito doutrinário, verifica-se que se está longe um consenso acerca da correta nomenclatura, sendo certo que o emprego de justiça constitucional e jurisdição constitucional para designar um mesmo instituto demonstra a ausência de consenso sobre o assun-to4. André Ramos Tavares tem utilizado os termos justiça consti-tucional e jurisdição constitucional como palavras sinônimas, pontuando, ainda, que o controle de constitucionalidade nada mais é do que um desdobramento da justiça constitucional5.

Através dos trabalhos de Kelsen, Eisenmann e MirkineGuetzevitch, foi possível verificar a utilização, também como sinônimas, das expressões justiça constitucional e jurisdição constitucional. Contudo, com o surgimento de novos tribunais, esses vocábulos passaram a servir de pesquisas acerca de seu alcance, natureza e efeitos dessa jurisdição especial6.

A nova forma de encarar as precitadas expressões fica notável através dos escritos de Carlos Bolonha, Henrique Rangel e Bernardo Zettel, que pontuam:

"É de fundamental importância compreender a distinção teórica, mesmo que muito sutil, entre jurisdição e justiça constitucionais. A primeira possui um caráter jurídico-formal mais explicitado e coerente com a própria norma constitucional, ou seja, com o próprio elenco de direitos constitucionalizados, enquanto a segunda se consubstancia naqueles valores legi-timatórios, sempre em transformação da sociedade constitucionalizada."7

A justiça constitucional é de tenra consecução por parte do direito constitucional. Esta expressão nada mais é do que a positivação, na magna carta, daqueles di-reitos ditos como fundamentais do ser humano, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que no pós-guerra, em razão das atro-

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cidades, foi elevada ao grau de ga-rantia prevista na constituição.

Nessa linha, a justiça constitucional é a concretização daqueles direitos e garantias previstos na norma fundamental, não se confundido com a jurisdição constitucional, a qual nada mais é do que função atribuída ao tribunal consti-tucional de garantir, tornar efetivas as positivações e preceitos abarca-dos na constituição.

Assim, justiça constitucional, segundo Carlos Bolonha, Henrique Rangel e Bernardo Zettel, deve ser entendida:

"no plano material e substancial, como sendo a realização da confiuên-cia e integração entre a Constituição e direitos efetivados no plano sócio-político, ou seja, como se procede uma legitimação efetiva e racional, ou mesmo procedimental; diferente da noção de jurisdição constitucional que resulta de uma complexa função de garantir a Constituição por meio de sua própria competência, mesmo que na defesa dos direitos e liberdades fun-damentais e na condução da segurança do ordenamento jurídico e da vida democrática."8

O que se quer defender nada mais é do que a aproximação da ideia de justiça com a justiça constitucional. Seria uma tarefa inglória ter que discorrer sobre a teoria da justiça, não só pelo conteúdo, mas também pela extensão que seria exigida. Além do mais, é perfei-tamente possível realizar um corte metodológico, para partirmos de (pré)conceitos já tão bem talhados.

É inegável a pluralidade de conceitos de justiça, como tam-bém seu alto grau de abstração. Porém, acredita-se que a justiça, não importa sua dimensão, sem-pre terá como escopo a concepção tríade de: liberdade, igualdade e solidariedade. Daí a razão de se de? nir a justiça como...

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