Semiótica e investigação do direito

AutorClarice von Oertzen de Araujo
Páginas135-166
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SEMIÓTICA E INVESTIGAÇÃO
DO DIREITO
Clarice von Oertzen de Araujo1
A linguagem inclui-se entre as instituições humanas resul-
tantes da vida em sociedade. O Direito é apenas uma das formas
sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, que
possibilita e proporciona a sua existência. A linguagem é o veí-
culo do qual se utiliza o homem para comunicar-se. O direito
positivo é texto de lei, veiculando a disciplina dos comportamen-
tos sociais intersubjetivos, suscetível a mudanças sob a pressão
das diferentes necessidades, com vistas a adaptar-se ao modo
mais econômico e racional2 de satisfazer o bem-estar social.
A investigação da natureza do direito positivo permite
considerá-lo uma linguagem ou código artificial, na medida em
1. Mestra em Direito Tributário pela PUC/SP; Doutora em Filosofia do Direito
pela PUC/SP; Livre-Docente em Filosofia do Direito pela FDUSP; Professora
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da PUC/SP.
2. Estamos tomando a racionalidade nos termos propostos por Peirce, para
quem “o pensamento é racional somente na medida em que ele se recomen-
da para um futuro pensamento. Ou, em outras palavras, a racionalidade do
pensamento reside em sua referência a um futuro possível” (CP 7.361). In
IBRI, Ivo Assad. Kósmos Noētos, cit., p. 99.
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que as leis comunicam padrões de comportamento lhes atri-
buindo valores: os comportamentos desejados são qualificados
pelo direito de obrigatórios ou permitidos – comportamentos
legais. Os comportamentos indesejáveis são qualificados de
proibidos – comportamentos ilegais – e a sua prática é passível
de aplicação de alguma espécie de castigo ou punição (sanção).
Esta valoração de um comportamento como legal ou ilegal se
consubstanciará no bit3 mais importante e também mais co-
mum no direito: legalidade/ilegalidade, licitude/ilicitude.
Ou seja, os sistemas jurídicos utilizam a linguagem na-
tural (língua, vernáculo) como verdadeira substância de sua
constituição. Para qualquer fenômeno ingressar dentro do
sistema normativo ele deve estar expresso em algum tipo de
linguagem.
Foi o que concluiu Paulo de Barros Carvalho ao deixar es-
tabelecido que toda discussão jurídica é de cunho hermenêutico:
O direito positivo é vertido numa linguagem técnica, assim
entendida toda aquela que se assenta no discurso natural,
aproveitando, em quantidade considerável, palavras e ex-
pressões de cunho determinado, pertinentes ao patrimônio
das comunicações científicas. Projeta-se sobre o campo do
social, disciplinando os comportamentos intersubjetivos
com seus três (e somente três – lei do quarto excluído) ope-
radores deônticos (obrigatório, permitido e proibido) e cana-
lizando as condutas em direção aos valores que a sociedade
3. “Bit . Na teoria da comunicação, o bit é a unidade de medida da quanti-
dade de informação. O termo ‘bit’ (diz-se também ‘binit’) é uma abreviação
da expressão inglesa ‘binary digit’. Os dados, nos sistemas de informação
mecânica e eletrônica, como o computador, são representados somente por
dois estados possíveis; é portanto uma notação binária que se emprega para
ilustrar essas indicações. (...) Se se considera um código, ou sistema de signos,
suscetível de servir de base à transmissão de uma mensagem, esse código,
comportando dois sinais possíveis, ambos igualmente prováveis, (0 e 1, p.
ex.), tem uma capacidade de 1 bit cada vez que é utilizado (...)”. In DUBOIS
Jean e outros. Dicionário de Linguística, São Paulo, Cultrix, 1998.
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Volume I
quer ver implantados. Quanto ao tipo, é uma linguagem
técnica, mas sua função é eminentemente prescritiva, inci-
dindo como um conjunto de ordens, de comandos que
buscam alterar comportamentos sociais, motivando seus
destinatários.4
O Direito como um sistema de normas voltado à regula-
mentação da conduta tem o caráter de signo simbólico. O
signo simbólico é aquele que se relaciona com o objeto que
denota em razão de uma regra convencionada pela comunida-
de de usuários. Numa língua natural, em um idioma, essa
convenção coletiva revela a estrutura ou sistema lexical segun-
do o qual se correlacionam ‘imagens auditivas’ e ‘conceitos’. O
símbolo é aquele signo que mantém a sua relação com o obje-
to em razão de uma convenção ou associação de ideias. Exa-
minemos o caráter simbólico dos sistemas jurídicos.
Para Peirce, “um símbolo é um signo que se refere ao
Objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma
associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer
com que o símbolo seja interpretado como se referindo
àquele objeto. (...) Como tal, atua através de uma Réplica.”
(CP 2.249).5
As leis, como signos que são, referem-se a objetos. Gene-
ricamente considerado, o objeto das leis jurídicas é a conduta
humana em sociedade. Ou seja, o texto legal se refere às relações
sociais, regulamentando-as. Mesmo as chamadas normas de
estrutura – como as normas que atribuem competências – podem
ser assim consideradas, na medida em que, em observância ao
4. CARVALHO, Paulo de Barros. Interpretação e Linguagem – Concessão e
delegação de serviço público. In Revista Trimestral de Direito Público, n. 10,
p. 81. Leia-se também Lourival Vilanova, Analítica do dever-ser; In Direito
Política Filosofia Poesia: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale,
em seu octogésimo aniversário/ Coordenadores Celso Lafer e Tercio Sampaio
Ferraz Jr. São Paulo, Saraiva, 1992, p. 591.
5. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 52.

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