Sentença e Coisa Julgada

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas769-811

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1a Parte - Da Sentença Trabalhista
1. Conceito e natureza jurídica

A palavra sentença vem do latim sentire, que significa sentimento. Por isso, podemos dizer que a sentença é o sentimento do juiz sobre o processo. É a principal peça da relação jurídica processual, na qual o juiz irá decidir se acolhe ou não a pretensão posta em juízo, ou extinguirá o processo sem resolução do mérito.

A sentença, na perspectiva moderna, é o ato judicial por meio do qual se opera o comando abstrato da lei às situações concretas, que se realiza mediante uma atividade cognitiva, intelectiva e lógica do juiz, como agente da jurisdição1.

Conforme Manoel Antonio Teixeira Filho2: “A sentença constitui, sem dúvida, a mais expressiva das pronunciações da iurisdictio, entendida esta como o poder-dever estatal de resolver os conflitos de interesses submetidos à sua cognição monopolística. É por esse motivo que se tem afirmado que a sentença representa o acontecimento mais importante do processo, o seu ponto de culminância; essa assertiva é correta, a despeito do sentido algo retórico dos seus termos, se levarmos em conta que todos os atos do procedimento estão ligados, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade, à sentença, que se apresenta, sob esse aspecto, como uma espécie de polo de atração magnética, para o qual convergem, de maneira lógica e preordenada, todos esses atos. É o que já se denominou de ‘força centrípeta da sentença’”.

A sentença, para alguns, é um ato de vontade, no sentido de atendimento à vontade da lei, mas também um comando estatal ao qual devem obediência os atingidos pela decisão. Para outros, constitui um ato de inteligência do juiz, por meio do qual este faz a análise detida dos fatos, crítica ao direito e propõe a conclusão, declarando a cada um o que é seu por direito.

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Não obstante, há consenso de que a sentença é o ponto culminante do processo, sendo a principal peça processual. É ato privativo do juiz (art. 162, §1º do CPC) e personalíssimo do magistrado, entretanto, a sentença deve seguir os requisitos legais e formais de validade (art. 832 da CLT e 458 do CPC).

Como bem destaca Moacyr Amaral Santos3, atendendo a que, na formação da sentença, o juiz desenvolve um trabalho lógico de crítica dos fatos e do direito, do que resulta a conclusão ou decisão, uma parte da doutrina (UGO ROCCO, João Monteiro) atribui à sentença natureza de simples ato de inteligência. A sentença é o resultado de um trabalho lógico do juiz, pois um ato lógico, e, portanto, de inteligência.

No nosso sentir, a sentença não é só um ato de inteligência do juiz, mas também um ato de vontade, no sentido de submeter a pretensão posta em juízo à vontade da lei ou do ordenamento jurídico, e também de submeter as partes ao comando sentencial. Além disso, a sentença também é um ato de justiça, no qual o juiz, além de valorar os fatos e subsumi-los à lei, fará a interpretação do ordenamento jurídico de forma justa e equânime, atendendo não só aos ditames da Justiça no caso concreto, mas ao bem comum (art. 5º da LINDB).

Portanto, a natureza jurídica da sentença é de um ato complexo, sendo um misto de ato de inteligência do juiz, de aplicação da vontade da lei ao caso concreto, e, acima de tudo, um ato de justiça. Como bem adverte José Augusto Rodrigues Pinto4, a sentença é um ato de consciência que estabelece o elo entre o jurídico e o justo5.

Nesse sentido, sustentou com propriedade o ministro Milton de Moura França6:

“Mais do que um simples procedimento lógico, onde procura desenvolver seu raciocínio na busca do convencimento, atento às premissas de fato e de direito para solucionar a lide, o julgador encontra na sentença o momento axiológico máximo do processo. Na interpretação e aplicação das normas, projeta toda sua formação jurídica, cultural, social, econômica, religiosa, etc., enfim, todos os fundamentos da decisão que irão retratar seu perfil de julgador e cidadão. São chamados elementos extralógicos que compõem o julgado. E é nessa fase derradeira e de extraordinária importância do processo que deve se fazer presente, em toda sua magnitude, a preocupação do magistrado em realizar a Justiça, que, no ensinamento,

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de Del Vecchio é ‘um dos mais altos valores espirituais, senão o mais alto, junto ao da caridade. Sem tal ideal já não tem a vida nenhum valor’.”

A Consolidação das Leis do Trabalho não define o conceito de sentença. Desse modo, resta aplicável ao Processo do Trabalho (art. 769 da CLT) a definição de sentença prevista no art. 162 do CPC.

O CPC de 1973, no art. 162, § 1º, fixava o conceito de sentença como sendo o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

Atualmente, a Lei n. 11.232/05 alterou o conceito de sentença, pois extinguiu o processo de execução para título executivo judicial, e estabeleceu a fase de cumprimento de sentença, consagrando o chamado sincretismo processual. Desse modo, para a execução de sentença, não há mais um processo autônomo e burocrático de execução, mas sim uma fase de cumprimento da sentença. Sendo assim, a sentença não extingue mais o processo, mas sim o seu cumprimento.

Dispõe o § 1º do art. 162 do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.232/2005: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.

Conforme se constata da redação do citado dispositivo legal, a sentença não põe mais fim ao Processo, mas implica uma das hipóteses do art. 267 do CPC7,

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que consagra as hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, ou do art. 269 do CPC8, que estabelece as hipóteses de resolução do mérito.

Pode-se questionar o acerto do legislador ao delinear o novo conceito de sentença, pois há algumas sentenças de mérito que efetivamente extinguem o processo, como a sentença de improcedência, que é declaratória negativa, a sentença meramente declaratória e a sentença constitutiva, evidentemente após confirmadas em grau de recurso, ou se não forem interpostos recursos em face delas, uma vez que não comportam a fase de execução. Também as chamadas sentenças mandamentais, que são as que expedem uma ordem de cumprimento pelo juiz, não necessitam da fase de execução.

Por outro lado, a interpretação do referido § 1º do art. 162 do CPC não pode ser literal, pois, embora tenha sido alterado o conceito de sentença, o sistema do Código de Processo Civil permaneceu o mesmo quanto às decisões interlocutórias e os despachos (art. 162, §§ 2º e 3º, do CPC9).

Sendo assim, conforme já sedimentado em doutrina, podemos definir sentença como o ato do juiz que implica alguma das hipóteses dos arts. 267 e 269 do CPC, que extingue o processo ou encerra a fase de conhecimento, ou de execução.

Como bem adverte Nélson Nery Júnior10, após analisar o conteúdo do § 1º do art. 162 do CPC, “sentença é o pronunciamento do juiz que contém uma das matérias do CPC, art. 267 ou 269 e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou a fase de conhecimento no primeiro grau de jurisdição”.

Nesse sentido é o art. 158 do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, in verbis:

Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 473 e 475, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a execução.

Diante do exposto, no nosso sentir, a sentença11 no processo do trabalho se conceitua da seguinte forma:

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Ato do Juiz do Trabalho que implica alguma das hipóteses dos arts. 267 e 269 do CPC, que extingue o processo ou encerra a fase de conhecimento, ou de execução.

2. Princípios da sentença trabalhista

a) Legalidade: A sentença trabalhista deve ser prolatada observando-se os requisitos legais previstos na CLT. Deve ter, sob consequência de nulidade: relatório, fundamentação e conclusão. No rito sumaríssimo, o relatório é dispensado. Outrossim, a sentença trabalhista deve ser proferida em audiência de julgamento, devendo as partes sobre ela ser intimadas;

b) Livre convencimento do Juiz do Trabalho (art. 131 do CPC e 765 da CLT): O Juiz do Trabalho é livre para valorar a prova e interpretar a controvérsia jurídica, nos limites em que ela foi proposta;

c) Vinculação do pedido (art. 128 e 460 do CPC): O pedido baliza o provimento jurisdicional. Portanto, a sentença trabalhista não pode...

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