Sentença e Coisa Julgada

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas836-878

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1a Parte — Da Sentença Trabalhista
1. Conceito e natureza jurídica

A palavra sentença vem do latim sentire, que significa sentimento. Por isso, podemos dizer que a sentença é o sentimento do juiz sobre o processo. É a principal peça da relação jurídica processual, na qual o juiz irá decidir se acolhe ou não a pretensão posta em juízo, ou extinguirá o processo sem resolução do mérito.

A sentença, na perspectiva moderna, é o ato judicial por meio do qual se opera o comando abstrato da lei às situações concretas, que se realiza mediante uma atividade cognitiva, intelectiva e lógica do juiz, como agente da jurisdição1.

Conforme Manoel Antonio Teixeira Filho2: “A sentença constitui, sem dúvida, a mais expressiva das pronunciações da iurisdictio, entendida esta como o poder-dever estatal de resolver os conflitos de interesses submetidos à sua cognição monopolística. É por esse motivo que se tem afirmado que a sentença representa o acontecimento mais importante do processo, o seu ponto de culminância; essa assertiva é correta, a despeito do sentido algo retórico dos seus termos, se levarmos em conta que todos os atos do procedimento estão ligados, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade, à sentença, que se apresenta, sob esse aspecto, como uma espécie de polo de atração magnética, para o qual convergem, de maneira lógica e preordenada, todos esses atos. É o que já se denominou de ‘força centrípeta da sentença’.”

A sentença, para alguns, é um ato de vontade, no sentido de atendimento à vontade da lei, mas também um comando estatal ao qual devem obediência os atingidos pela decisão. Para outros, constitui um ato de inteligência do juiz, por meio do qual este faz a análise detida dos fatos, crítica ao direito e propõe a conclusão, declarando a cada um o que é seu por direito.

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Não obstante, há consenso de que a sentença é o ponto culminante do processo, sendo a principal peça processual. É ato privativo do juiz (art. 203, § 1º, do CPC) e personalíssimo do magistrado, entretanto, a sentença deve seguir os requisitos legais e formais de validade (arts. 832 da CLT e 489 do CPC).

Como bem destaca Moacyr Amaral Santos3, atendendo a que, na formação da sentença, o juiz desenvolve um trabalho lógico de crítica dos fatos e do direito, do que resulta a conclusão ou decisão, uma parte da doutrina (UGO ROCCO, João Monteiro) atribui à sentença natureza de simples ato de inteligência. A sentença é o resultado de um trabalho lógico do juiz, pois um ato lógico, e, portanto, de inteligência.

No nosso sentir, a sentença não é só um ato de inteligência do juiz, mas também um ato de vontade, no sentido de submeter a pretensão posta em juízo à vontade da lei ou do ordenamento jurídico, e também de submeter as partes ao comando sentencial. Além disso, a sentença também é um ato de justiça, no qual o juiz, além de valorar os fatos e subsumi-los à lei, fará a interpretação do ordenamento jurídico de forma justa e equânime, atendendo não só aos ditames da Justiça no caso concreto, mas ao bem comum (art. 5º da LINDB).

Portanto, a natureza jurídica da sentença é de um ato complexo, sendo um misto de ato de inteligência do juiz, de aplicação da vontade da lei ao caso concreto, e, acima de tudo, um ato de justiça. Como bem adverte José Augusto Rodrigues Pinto4, a sentença é um ato de consciência que estabelece o elo entre o jurídico e o justo5.

Nesse sentido, sustentou com propriedade o ministro Milton de Moura França6:

“Mais do que um simples procedimento lógico, onde procura desenvolver seu raciocínio na busca do convencimento, atento às premissas de fato e de direito para solucionar a lide, o julgador encontra na sentença o momento axiológico máximo do processo. Na interpretação e aplicação das normas, projeta toda sua formação jurídica, cultural, social, econômica, religiosa, etc., enfim, todos os fundamentos da decisão que irão retratar seu perfil de julgador e cidadão. São chamados elementos extralógicos que compõem o julgado. E é nessa fase derradeira e de extraordinária importância do processo que deve se fazer presente, em toda sua magnitude, a preocupação do magistrado em realizar a Justiça, que, no ensinamento,

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de Del Vecchio é ‘um dos mais altos valores espirituais, senão o mais alto, junto ao da caridade. Sem tal ideal já não tem a vida nenhum valor’.”

A Consolidação das Leis do Trabalho não define o conceito de sentença. Desse modo, resta aplicável ao Processo do Trabalho (art. 769 da CLT) a definição de sentença prevista no art. 203 do CPC.

O CPC de 1973, no art. 162, § 1º, fixava o conceito de sentença como sendo o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

Posteriormente, a Lei n. 11.232/05 alterou o conceito de sentença, pois extinguiu o processo de execução para título executivo judicial, e estabeleceu a fase de cumprimento de sentença, consagrando o chamado sincretismo processual. Desse modo, para a execução de sentença, não há mais um processo autônomo e burocrático de execução, mas sim uma fase de cumprimento da sentença. Sendo assim, a sentença não extingue mais o processo, mas sim o seu cumprimento.

Atualmente, dispõe o § 1º do art. 203 do CPC:

“Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.”

O Código de Processo Civil atual deixa explícito o conceito de sentença em harmonia com o sincretismo processual e a sistemática da novel codificação. O conceito de sentença atual, ao contrário do CPC de 73 que fixava o conceito pela finalidade do ato, e da Lei n. 11.232/05 que dispunha o conceito em razão de seu conteúdo, agora, considera, corretamente, tanto o conteúdo do ato, ou seja, a decisão deve ter por fundamento uma das hipóteses dos arts. 485 ou 487, do CPC, e também sua finalidade, qual seja: pôr fim à fase cognitiva do procedimento comum, ou extinguir a execução.

As hipóteses de extinção do processo, sem resolução do mérito, estão mencionada no art. 485 do CPC, que assim dispõe:

“O juiz não resolverá o mérito quando: I – indeferir a petição inicial; II – o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III – por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII – homologar a desistência da ação; IX – em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e X – nos demais casos prescritos neste Código. § 1º Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir a falta no prazo de 5 (cinco) dias. § 2º No caso do § 1º, quanto ao inciso II, as partes pagarão proporcionalmente as custas, e, quanto ao inciso III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e dos honorários de advogado. § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. § 4º Oferecida

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a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. § 5º A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença. § 6º Oferecida a contestação, a extinção do processo por abandono da causa pelo autor depende de requerimento do réu. § 7º Interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos deste artigo, o juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se.”

Os princípios do acesso real à justiça, contraditório efeito, duração razoável do processo e primazia do julgamento de mérito, que norteiam o Código de Processo Civil de 2015, buscando a solução integral ao conflito, impõem ao magistrado o dever de determinar, sempre que possível o saneamento de nulidade e o suprimento de pressuposto processual.

Esses princípios já são considerados, no cotidiano forense, pelos Juízes do Trabalho, uma vez que buscam, sempre que possível, corrigir eventuais defeitos processuais, principalmente os que envolvem a petição inicial e a tramitação do procedimento, a fim de propiciar o julgamento de mérito.

No aspecto, dispõe art. 488 do CPC:

“Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.”

O Código de Processo Civil exige prévio diálogo entre juiz e partes para a extinção do processo por falta de pressuposto processual, mesmo nas questões que possa conhecer de ofício (art. 10 do CPC). Nesse sentido, é expressivo o art. 10 do CPC, de aplicação subsidiária ao processo trabalhista:

“O juiz não pode decidir...

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