O sentido da modernidade em Marcel Mauss

AutorJúlio Aurélio Vianna Lopes
Páginas412-427
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p412
412 412 – 427
O sentido da modernidade
em Marcel Mauss
Júlio Aurélio Vianna Lopes1
A Nação, São Paulo, Três Estrelas, 2017, 359 p.
Resumo
Neste ensaio, discuto a abordagem interacionista de Marcel Mauss sobre a política moderna, em
obra anterior ao consagrado Ensaio sobre a dádiva, de 1925, e conduzida por uma peculiar teoria
da integração social exponencial. Relacionando-a com a formulação posterior da universalidade
da troca pela dádiva, ela concebe a sociedade e a democracia modernas, de modo original, como
uma resposta política à Primeira Guerra Mundial, durante a qual inicia sua trajetória intelectual
pós-durkheimiana.
Palavras-chave: Marcel Mauss. Integração social. Política moderna.
Introdução
Celebrado tanto pela Sociologia quanto pela Antropologia, especialmen-
te por seu artigo seminal Ensaio sobre a dádiva (MAUSS, 2007), publicado
em 1925, Marcel Mauss teve sua obra sobre a política moderna publicada
(MAUSS, 2017) apenas recentemente, inclusive na França (2013). A Nação
(o sentido do social) foi seu texto explicitamente político e normativo, embora
lastreado – como esperado de seu compromisso intelectual positivista – em
farto material empírico sobre formação e evolução das nações modernas.
Inacabado, mas extenso o suciente para expor seus temas propostos,
o texto de Mauss (2017) foi elaborado, principalmente, no imediato Pós-
-Primeira Guerra, versando também sobre as conjunturas da experiência
1 Pesquisador Titular em Ciências Sociais e Humanas da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Doutor em Ci-
ência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Pós-Doutor em Sociologia pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 37 - Set./Dez. de 2017
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bolchevique inicial (p. 208-212) e da reconstrução europeia (p. 234-247) Mas
não é uma obra conjuntural, e sua importância é a de ligar, na elaboração
maussiana, o texto sobre A Prece, de 1909 (MAUSS, 2015, p. 229-334)
– no qual Florence Weber (MAUSS, 2017 (anexo), p. 343) detecta o insight
emergente sobre a dádiva como troca vinculante de sujeitos –, e o Ensaio
sobre a dádiva (MAUSS, 2007), no qual a sociabilidade, em geral, é tecida
pelo exercício de dar, receber e retribuir bens (materiais ou não) entre sujeitos
(MAUSS, 2007, p. 201).
De fato, vem sendo destacada (RAMEL, 2006; MALLARD, 2011) a
continuidade entre A Nação e Ensaio sobre a dádiva, para localizar, na forma-
ção nacional, um momento especíco da integração social acarretada pelos
vínculos estabelecidos por seres humanos. No mesmo sentido, em A Nação
pode encontrar-se o exercício da dádiva, implicitamente assumido, como
pressuposto generalizado nas sociedades, as quais são tendencialmente e expo-
nencialmente integrativas antes e durante suas congurações nacionais.
Enquanto no anterior A Prece, a dádiva ainda gura como análogo hu-
mano de trocas com divindades (MAUSS, 2015, p. 301-316), somente no
posterior Ensaio sobre a dádiva de 1925, ela é decomposta, analiticamente, nas
obrigações especicas de dar, receber e retribuir que vinculam as subjetivida-
des envolvidas na tessitura do social (MAUSS, 2007, p. 198-203). Mesmo em
palestra a psicólogos (MAUSS, 2007, p. 315-344), concomitante à elaboração
do Ensaio (em 10 de janeiro de 1924) e sobre o lugar do simbólico na socie-
dade, Mauss destaca os símbolos enquanto condensações da integração social
– enfatizada em A Nação – de modo que a dádiva neles subjaz (TAROT, 1999;
CAILLÉ, 1998, p. 05-06); porém, sem registrá-la como fenômeno especíco.
Situada, assim, como obra intermediária na elaboração maussiana sobre
a dádiva, A Nação dela se aproxima ao formular, sob o impacto da Primeira
Guerra Mundial, uma concepção da sociedade moderna (ou nação) como
forma especíca de integração social.
O “insight” da dádiva é o o condutor da reexão maussiana sobre tais
temas nesta obra, inteiramente permeada pelo que Mauss (2007), alguns anos
depois, designaria “sistema das prestações totais” (p. 191), como primeira
forma da troca pela dádiva referida pelo Ensaio e na qual “[...] são coletivi-
dades que se obrigam mutuamente [...]” pela integração coletiva de maior

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