Os sentidos do tempo em um direito do trabalho de exceção: do esquecimento à emergência pandêmica

AutorProf. Dr. Carlos Eduardo Soares de Freitas, Prof. Dr. Felipe Santos Estrela de Carvalho e Profa. Dra. Renata Queiroz Dutra
Páginas216-248
216
OS SENTIDOS DO TEMPO EM UM DIREITO DO TRABALHO DE
EXCEÇÃO: DO ESQUECIMENTO À EMERGÊNCIA PANDÊMICA
THE SENSES OF TIME AND THE RIGHT TO WORK IN A “STATE
OF EXCEPTION”: FROM FORGETTING TO PANDEMIC
EMERGENCY
Carlos Eduardo Soares de Freitas
275
Felipe Santos Estrela de Carvalho
276
Renata Queiroz Dutra
277
RESUMO: Neste artigo buscaremos refletir sobre os sentidos do tempo naquilo que António Casimiro
Ferreira denomina de direito do trabalho de exceção. Dentre as múltiplas desconstruções que o direito
do trabalho tem enfrentado em razão dos tensionamentos impostos pelas agendas de austeridade, uma
delas tem sido o manejo arbitrário do tempo passado e do tempo presente. A partir desse diálogo,
pensaremos a dimensão do esquecimento na construção de um direito do trabalho de exceção, a partir da
discussão sobre o passado de escravidão e suas continuidades, bem como sobre a flexibilização do direito
do trabalho no Brasil durante do regime militar e o apagamento das lutas de resistência. Por fim,
debateremos a relação entre a aceleração do tempo neoliberal e os prejuízos democráticos e sociais
materializados nas reformas trabalhistas e na jurisprudência constitucional que as sustentou, dando
destaque ao oportunismo com que a emergência pandêmica foi tratada, aprofundando nossa crise.
PALAVRAS-CHAVE:Tempo;Trabalho;Lutas sociais;Neoliberalismo; “Direito do Trabalho de
Exceção.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2. O que um direito do trabalho de exceção nos diz sobre o tempo? 3.
Passados presentes: o esquecimento e as continuidades históricas. 4. Nosso tempo é agora: pandemia,
racismo e direito do trabalho de exceção. 5. Algumas considerações. Referências.
ABSTRACT: In this article we will seek to reflect on the meanings of time in what António Casimiro
Ferreira calls “right to work in a State of Exception”. Among the multiple deconstructions that labor law
has faced due to the tension imposed by the austerity agendas, one of them has been the arbitrary
management of the past and the present. From this dialogue, we will think about the dimension of
forgetfulness in the construction of a “right to Work in a State of Exception”, from the discussion about
the past of slavery and its continuities, as well as about the flexibility of labor law in Brazil during the
military regime and the erasure of resistance struggles. Finally, we will discuss the relation between the
acceleration of neoliberal time and the democratic and social damage materialized in labor reforms and in
the constitutional jurisprudence that sustained them, highlighting the opportunism with which the
pandemic emergency was treated, deepening our crisis.
KEYWORDS: Time; Work; Social struggles; Neoliberalism;Right to Work in a State of Exception.
SUMMARY: 1.Introduction. 2. What does an exceptional labor law tell us about time? 3. Past present:
forgetfulness and historical continuities. 4. Our time is now: pandemic, racism and exceptional labor law.
5. Some considerations. References.
Artigo recebido em: 7/12/2020
Artigo aprovado em: 20/12/2020
275
Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade d o Estado da Bahia. Professor Adjunto da
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Advogado.
276
Professor Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Advogado.
277
Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
217
1 INTRODUÇÃO
“A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em
que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um
conceito de história que corresponda a essa verdade”.
Walter Benjamim, Sobre o conceito de história, 1940.
Neste artigo buscaremos refletir sobre os sentidos do tempo no que António
Casimiro Ferreira
278
denomina de direito do trabalho de exceção. Dentre as múltiplas
desconstruções que o direito do trabalho tem enfrentado em razão dos tensionamentos
impostos pelas agendas de austeridade, o manejo arbitrário do tempo passado e do
tempo presente se coloca como elemento relevante.
Quanto ao tempo passado, há um constante exercício de esquecimento, que se
traduz na deslegitimação das lutas históricas, dos direitos adquiridos e das
possibilidades e atributos de um passado no qual a austeridade não tinha, ainda, o lugar
imperativo e supostamente inexorável que encontra hoje. Nesse esforço, verificamos a
destruição proposital da capacidade crítica
279
, sobretudo em relação aos desdobramentos
do passado no presente, mas também em relação aos sentidos mais profundos de
direitos enquanto conquistas históricas.
No que toca ao tempo presente, um movimento concertado de aceleração e
urgência imposto pela agenda neoliberal: ao se colocar a serviço das demandas do
mercado e da velocidade a elas inerente, solapa-se o tempo das reflexões e das
maturações político-jurídicas. O açodamento dos processos legislativos e da própria
produção jurisprudencial trabalhista traduz-se num significativo déficit democrático,
que é temperado pela ameaça constante de insegurança quanto ao futuro.
A partir dessa chave, buscaremos nesse artigo articular a experiência brasileira, a
partir do convergente colapso da democracia associado aodesmonte da legislação
protetiva do trabalho, dando lugar a um direito do trabalho de exceção, bem como ao
seu agravamento em função da pandemia da Covid-19 e de seu trato oportunista por
diversos agentes políticos do momento presente.
O artigo é composto dessa introdução e de mais quatro partes.
278
FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da Austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto:
Vida Económica, 2012.
279
BENJAMIM, Walter. Imagens de pensamento Sobre o haxixe e outras drogas. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2013.
218
Em um primeiro tópico em que dialogaremos teoricamente com o conceito de
direito do trabalho de exceção e seus desdobramentos em relação ao tempo.
No segundo tópico, pensaremos a dimensão do esquecimento na construção de
um direito do trabalho de exceção, a partir da discussão sobre o passado de escravidão e
suas continuidades, bem como sobre a flexibilização do direito do trabalho no Brasil
durante a ditadura civil-militar e o apagamento das lutas de resistência.
No terceiro tópico, debateremos a relação entre a aceleração do tempo neoliberal
e os prejuízos democráticos e sociais materializados nas reformas trabalhistas e na
jurisprudência constitucional que as sustentou, dando destaque ao oportunismo com que
a emergência pandêmica foi tratada, aprofundando nossa crise.
Por fim, apresentaremos nossas considerações finais.
2 O QUE UM DIREITO DO TRABALHO DE EXCEÇÃO NOS DIZ SOBRE O
TEMPO?
António Casimiro Ferreira, na obra “Sociedade da Austeridade e Direito do
Trabalho de Exceção”, a partir das experiências da troika na União Europeia, debate,
desde uma perspectiva da sociologia jurídica, as modificações que o discurso de
austeridade implicou para o direito do trabalho. Para o autor, austeridade é “o processo
de implementação de políticas e de medidas económicas que conduzem à disciplina, ao
rigor e à contenção económica, social e cultural”
280
.
Há, nessa perspectiva, um deslocamento em relação ao que se denominou de
“Espírito de Filadélfia”
281
, paradigma ideopolítico que regeu a reconstrução da Europa
no pós-guerra e que se cristalizou como um vetor humanístico de proteção ao trabalho a
partir de 1944, com a consagração na Constituição da OIT, firmada em Filadélfia em
1944, da ideia de que o trabalho humano não é uma mercadoria e de que a paz
permanente depende da justiça social.
As denominadas políticas de austeridade, enquanto receituário de enxugamento
das contas públicas essencial ao crescimento econômico e, sobretudo, enquanto
alternativa às crises engendradas pelo sistema financeiro, representam um discurso de
sacrifício que Mark Blyth adequadamente denomina de “dor virtuosa após a festa
280
Ibidem, 2012, p. 11.
281
SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total. Porto Alegre:
Sulina, 2014.

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