Sentidos politicos da Reforma do Judiciario no Brasil/Political senses of Judicial reform in Brazil.

AutorEngelmann, Fabiano

Introducao

No contexto da discussao sobre modelos de gestao economica e institucional legitimados internacionalmente, a partir dos paises centrais, em especial os Estados Unidos (2), pretende-se analisar o debate em torno da Reforma do Judiciario no Brasil, ao longo das decadas de 90 e 2000. Parte-se do exame das tomadas de posicao sobre a Reforma e os respectivos atores envolvidos visando apreender as especificidades do caso brasileiro na "onda" de reformas do Judiciario que varreu os paises latino-americanos ao longo das ultimas decadas.

As posicoes assumidas em torno do sentido "reforma do Judiciario" no Brasil evidenciaram a grande capacidade de articulacao e reconversao da elite juridica no regime democratico. Notadamente, no sentido de sustentar interesses corporativos e, em ultima analise, reforcar uma posicao de defesa do Estado enquanto regulador social. A mobilizacao dos juristas brasileiros se caracteriza, principalmente, como uma grande oposicao ao modelo de reforma do sistema judicial legitimado no espaco internacional que aponta para um pacote de mudancas institucionais "adequado" ao modelo economico neoliberal.

A redemocratizacao politica do Brasil favoreceu um processo de "judicializacao da politica", com o Judiciario se apresentando como arbitro de disputas entre o Executivo e o Legislativo e com o uso de principios constitucionais como instrumento de luta politica. Da mesma forma, a partir da decada de 90, ocorre tambem uma maior "judicializacao da vida social" (3), com aumento de demandas relacionadas a direitos coletivos que implicou no reconhecimento de novos direitos coletivos, sociais e economicos.

Esta legitimacao esta relacionada ao mesmo tempo, com a diversificacao social do recrutamento para carreiras juridicas de Estado, as novas definicoes institucionais destas carreiras e as condicoes de possibilidade de mobilizacao de novos repertorios de doutrina e concepcoes do direito (4).

  1. Mobilizacao e associativismo dos juristas de Estado

    O crescente predominio do recrutamento por concurso publico impessoal para as carreiras de Estado, as lutas pela institucionalizacao dessas carreiras e sua autonomizacao relativa em relacao ao espaco da politica e do mercado, amplia as condicoes de apropriacoes de novos usos do direito por diversos grupos sociais. Tais fatores contribuem para um novo repertorio juridico que favorece tanto movimento s mais radicais de contestacao da tradicao juridica na decada de 90, tal como o movimento do direito alternativo, quanto movimentos mais corporativos vinculados as demandas das associacoes de magistrados e promotores publicos. Em um mesmo sentido, servem para a fundamentacao da traducao de causas politicas e sociais pelas diversas redes de advogados-militantes vinculados as causas coletivas abrigadas no alargamento da nocao de direitos humanos que inclui, atraves da reconversao e incorporacao de advogados militantes, a causa dos "sem terra", "sem teto", movimentos feministas, ambientalistas e outros segmentos (5).

    Esse processo pode ser lido tambem, em maior amplitude, como indicativo das movimentacoes dos juristas na reestruturacao do seu espaco no campo de poder de Estado. Nessa dimensao, os profissionais do direito perdem posicoes no ambito politico e de gestao do Estado, para outros segmentos, particularmente, os economistas que disseminam o discurso neoliberal. O engajamento politico dos magistrados vinculados as diversas associacoes de magistrado, tanto de ambito estadual, quanto nacional, pode ser apreendido no conjunto de mobilizacoes de magistrados e promotores publicos, que aparece ao longo do processo Constituinte de 1986 e culmina com as definicoes institucionais das prerrogativas e garantias para o exercicio das funcoes judiciais na Constituicao de 1988 para magistrados, promotores publicos e, mesmo advogados.

    Nesse sentido trata-se, analiticamente, de por em relacao as dimensoes concernentes as definicoes institucionais das carreiras de Estado que representam incentivos e condicoes de possibilidade para o uso politico ou tomadas de posicao politica dos juristas, com os mecanismos de recrutamento para estas carreiras, alem dos efeitos de conjuntura relacionados ao espaco politico de interacao que se forma a partir da conjuntura da Constituinte de 1986. Pode-se adicionar a estas dimensoes as lutas corporativas da decada de 90, tanto para a consolidacao de garantias e definicoes institucionais, quanto a discussao em torno da "reforma da previdencia" ou da disputa sobre as diversas concepcoes da "reforma do judiciario".

    A conjuntura adversa ao conteudo politico do Estado de Bem-Estar Social e aos direitos sociais previstos na Constituicao de 1988 remete os guardioes do Estado de Direito a buscar aliancas com outros "movimentos sociais". Tais iniciativas contra o "neoliberalismo", "em defesa do Estado", ou "da justica" podem ser lidas como uma busca de legitimacao do mundo juridico no espaco mais amplo de poder de Estado. Da mesma forma, nesse contexto, entram em jogo fundamentacoes morais e filosoficas para a identidade politica das carreiras juridicas de Estado encarregadas de zelar pela efetivacao de direitos e do Estado Social. Para a analise das condicionantes dessa mobilizacao pode-se abordar dois grandes fenomenos.

    O primeiro esta relacionado ao papel desempenhado pelas associacoes de magistrados e promotores publicos na conjuntura da Constituinte de 1986. Em um contexto de grande mobilizacao do conjunto dos "movimentos sociais", os juristas ligados as carreiras de Estado se posicionaram publicamente na defesa de prerrogativas institucionais e garantias para o exercicio dessas profissoes. Isto significou por em jogo, tambem, a sua definicao institucional, notadamente seu papel politico. A partir dessa conjuntura, ha um crescimento do engajamento das associacoes que se credenciam para o exercicio da mediacao dos interesses corporativos.

    Um segundo fenomeno, diz respeito a um processo de (re)legitimacao das carreiras de Estado e da posicao social dos juristas na decada de 90. Processo que se desencadeia principalmente devido a perda de espaco no ambito das arenas decisorias de Estado para outros segmentos que podem ser relacionados ao monopolio de competencias e saberes legitimos sobre o Estado, oriundos do mundo do "mercado" e da economia institucional como os economistas e especialistas em administracao publica. A legitimacao dos juristas como detentores de um saber disciplinar sobre o Estado se beneficiara, tambem, da ampliacao do ativismo judicial que ocorre no Brasil apos a Constituicao de 1988, garantindo um espaco de mediacao de conflitos atraves do direito (6).

    Nesse sentido, vinculada as reivindicacoes corporativas das carreiras de Estado no debate Constituinte prossegue uma ativacao politica do conjunto do espaco dos juristas explicito nas manifestacoes publicas de "defesa da justica" ou do alargamento do "acesso a justica". O crescimento do ativismo judicial tambem se estende na relacao entre os poderes de Estado, pois na decada de 90 entra em pauta, no Brasil, a necessidade de governar de acordo com a Constituicao. O...

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