Sentimento e movimento: Notas a partir das idéias propedêuticas à filosofia da ciência jurídica de Tobias Barreto

AutorRicardo Prestes Pazello
CargoUniversidade Federal do Paraná
Páginas239-272
P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 7, n. 2 (n. 24), 2012
ISSN 1980-775
SENTIMENTO E MOVIMENTO: NOTAS A PARTIR DAS IDÉIAS
PROPEDÊUTICAS À FILOSOFIA DA CIÊNCIA JURÍDICA DE TOBIAS
BARRETO
Universidade Federal do Paraná
1. INTRODUÇÃO
Muito se escreveu sobre Tobias Barreto. Além de possuir uma obra profusa, ainda que
bastante esparsa e fragmentada, igualmente copiosos são os comentários a ela, bem como à
vida de seu autor. Desde seus contemporâneos – quando não mesmo discípulos – da
chamada Escola do Recife, até gerações futuras da filosofia e do direito brasileiros,
empenhadas em reabilitar seu pensamento ou, o oposto, em desacreditar de vez, em parte ou
de todo, seu legado teórico, Tobias prossegue pairando no imaginário jurídico nacional como
figura que não se consegue desprezar.
Algumas aproximações a sua obra são relativamente tentadoras, já que se cristalizaram na
história da “história das idéias filosóficas” brasileira, notadamente pontificada por Antonio
Paim ou Paulo Mercadante. É da lavra destes dois pensadores a última versão das “obras
completas” de Tobias Barreto,1 bem como sua sistematização e periodização. Além de uma
divisão temática renovada2 (na qual os estudos de “direito” se apartam dos estudos de
“filosofia do direito”), apresentam como sendo três os períodos “filosóficos” de Tobias
Barreto: o rompimento com o ecletismo espiritualista e a adesão parcial ao positivismo, entre
1868 e 1874, quando passou a viver em Escada, município do interior de Pernambuco, após
estar formado em direito; depois, a fase do rompimento com o positivismo e o mergulho
nos estudos germanistas, entre 1875 e 1882; e, por fim, o neokantismo e a entrada na
Faculdade de Direito do Recife.
1 Na década de 1990, completa-se o projeto de lançamento das obras completas de Tobias Barreto, com
edições realizadas pela editora Record em parcerias com o Ministério da Cultura e o Governo de Sergipe.
2 Ver MERCADANTE, Paulo; PAIM, Antonio. Tobias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliação. São Paulo:
Grijalbo; USP, 1972.
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A tentação a uma abordagem que respeite esta periodização se desfaz quando se tem em
vista que a esquematização das fases do pensamento tobiático sobrevaloriza sua contribuição
filosófica e desvaloriza a contribuição à filosofia do direito. A sobrevalorização filosófica
sugere uma tardia e esclarecida virada neokantiana, quando ela não foi nem tão tardia e nem
tão messiânica assim, e facilmente desprende Tobias do positvismo, ainda que ele o tenha
feito com relação ao positivismo comteano, mas não ao evolucionista; já a desvalorização de
sua filosofia jurídica costuma minimizar pontos importantes de sua reflexão, como a
historicidade, o caráter de produção social e o aspecto cultural que o direito alberga.
É verdade, por outro lado, que o pensamento de Tobias Barreto não se enquadra em
nenhum dos sub-ramos do campo jurídico tal como o concebemos hoje. Por isso, outra
tentação deve ser repelida nesta análise: a do estudo do pensamento jurídico de Tobias como
um todo. A cultura jurídica depreendida do jurista sergipano alcançaria textos de direito
penal (como o famoso “Menores e loucos”, de 1884), direito público (como “A questão do
poder moderador”, iniciado em 1871), direito privado (destacando-se sua reflexão sobre o
direito autoral), direito processual (em que figura um surpreendente artigo sobre a “História
do processo civil”), escritos forenses e filosofia do direito, ainda que ele não preferisse assim
denominar sua produção teórica, a qual, aliás, menos ainda poderia ser chamada de
sociologia, antropologia, história ou teoria do direito. Tobias tinha predileção pela enigmática
como se verá – expressão “ciência do direito”. Assim, parece pouco oportuno proceder
como os culturalistas jurídicos, dizendo-se tributários de Tobias: a não ser em obra de grande
fôlego, é preciso delimitar o “pensamento jurídico” de Tobias Barreto e nossa opção, aqui,
será a da “filosofia da ciência jurídica” (tentativa – entatize-se: tentativa! de nomear essa
faceta de seu pensamento jurídico sem conspurcar suas opções teóricas).
Pois bem, empreender uma história da teoria continua sendo importante, mesmo que
contradizendo a tradição que consolidou tal metodologia no que pertine à obra de Tobias
Barreto. A história das idéias é uma parcela significativa dessa história da teoria, a qual, por
seu turno, apresenta-se como metade da história da práxis. Como sem teoria não se faz
práxis, justifica-se uma história da teoria que sem ela não história mesma, ainda que
sem a prática a teoria seja insuficiente.
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1. AS IDEIAS PROPEDÊUTICAS PROPRIAMENTE DITAS
Em uma de suas anotações para aulas – um dos últimos textos, senão o último mesmo, sobre
o assunto –, Tobias Barreto retoma considerações escritas no texto de 1881, intitulado
“Sobre uma nova intuição do direito”, acerca da “posição do homem em a natureza”. Mas
nestas anotações do final de sua vida – segundo Sílvio Romero, que os teria encontrado e
publicado, seriam de 1887 ou 1888 – Tobias seria claro quanto aos propósitos de tais
reflexões: “já se vê que o estudo do direito está subordinado ao de outra ciência que
logicamente o precede. Esta subordinação, este laço de dependência é que dá lugar ao que no
meu programa designei por idéias propedêuticas, e que também pode se chamar – propedêutica
jurídica”.3
Comparando as anotações para as aulas com os programas das matérias que Tobias lecionou
na Faculdade de Direito do Recife, a partir de 1882, percebe-se que a “Introdução ao estudo
do direito” se refere aos oito primeiros pontos do programa de “Filosofia do direito”. Esta
observação, mais que satisfazer curiosidade, pretende ser o lastro para considerar referidas
“idéias propedêuticas” como distintas da “filosofia do direito” mesma, não só pelo teor das
palavras de seu autor no excerto acima, mas também pelo fato de que o programa da
disciplina, contendo 30 pontos, verticaliza a reflexão filosófica introdutória ao direito até os
direitos reais, pessoais, sucessórios e familiares.4
Eis, portanto, o porquê da utilização da expressão “filosofia da ciência jurídica”. No
programa de “Filosofia do direito”, Tobias procurou incluir uma propedêutica jurídica assim
como uma introdução à ciência jurídica, sendo estes dois extremos entrelaçados por uma
reflexão filosófica peculiar: a aplicação das idéias propedêuticas ao âmbito do jurídico. Cabe-
nos, agora, investigar quais os elementos conformadores dessa propedêutica jurídica e quais
os seus desdobramentos para efeitos de construção de uma ciência do direito.
3 BARRETO, Tobias. “Introdução ao estudo do direito” (1887-1888). Em: _____. Estudos de filosofia. 2 ed. São
Paulo: Grijalbo; Brasília: INL, 1977, p. 417-445.
4 Ver BARRETO, T. “Programas da Faculdade de Direito”. Em: Estudos de direito. 2 ed. Rio de Janeir o: Record;
Aracaju: Secretaria de Cultura e Meio Ambiente, vol. I, 1991, p. 59-66.

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