Separação de Poderes e interpretação constitucional

AutorJosé Guilherme Berman
Páginas307-335
sepArAção De poDeres e
interpretAção constitucionAl
José Guilherme Berman
O artigo discute as teorias de interpretação constitucional que defen-
dem ora a primazia da interpretação oferecida pelo Judiciário (supre-
macia judicial), ora o compartilhamento da tarefa de atribuir sentido
às normas constitucionais entre todos os ramos do poder (departa-
mentalismo). São apresentadas as teses centrais de cada uma dessas
teorias, e é analisada a forma como doutrina e jurisprudência brasi-
leiras tratam dessa importante questão. A conclusão, retirada espe-
cialmente de decisões marcantes do STF, é de que há uma reivin-
dicação do monopólio da interpretação constitucional por parte do
Judiciário, o que pode ameaçar o equilíbrio da separação de Poderes
em desfavor de instituições democraticamente legitimadas.
Palavras-chave: Interpretação. Constituição. Separação de Poderes.
1 Introdução
Parece não haver qualquer dúvida de que as Constituições escritas
ocupam hoje um papel de absoluto destaque no mundo. Sendo elas docu-
mentos jurídicos, influenciam diretamente o estudo e a aplicação do Direito,
conferindo especial relevo ao Direito Constitucional. Tal fato leva alguns au-
tores, inclusive, a falar em um novo “paradigma” na ciência jurídica, que teria
surgido em substituição ao Positivismo, e que, apesar da confusão na identifi-
cação das teses que o caracterizariam, vem sendo denominado genericamente
“Neoconstitucionalismo”.1 Se é possível identificar um traço comum entre as
1 Na tentativa de sistematizar os elementos que definem o Neoconstitucionalismo, Miguel
Carbonell cita (i) a predominância de normas constitucionais materiais ou substantivas, que
condicionam a atuação do Estado (sem se limitarem a estabelecer a organização e estrutura
do poder); (ii) práticas judiciais amparadas em novos parâmetros interpretativos (tais como
ponderação, razoabilidade, proporcionalidade etc.); e (iii) novos desenvolvimentos teóricos,
Resumo
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diversas teses apontadas como próprias dessa forma de pensar, parece que a
prevalência das normas constitucionais – notadamente aquelas referentes aos
direitos fundamentais – seria uma boa candidata (ALEXY, 2003).
A predominância do modelo constitucionalista de Estado (baseado em
constituições escritas, rígidas e supremas), no entanto, não pode ser analisada de
forma dissociada de uma de suas principais características: a separação funcional
de poderes estatais, enunciada como elemento necessário do Estado constitu-
cional já na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.2 Nessa
forma de organização política, todos os ramos do poder estão submetidos ao tex-
to da Constituição, mas é inevitável que haja divergências com o significado que
cada um deles atribui ao que se encontra escrito na lei maior.3
A preocupação em conferir eficácia às normas jurídico-constitucionais
é tão grande que, no constitucionalismo brasileiro, aponta-se para o desen-
volvimento, após a promulgação da Constituição de 1988, de uma “dogmá-
tica da efetividade”. Sua preocupação central é com a realização do potencial
transformador das normas inseridas na lei maior, pois é justamente a partir
da atribuição de significado às normas constitucionais pelos seus intérpretes
que os efeitos desejados poderão ser implementados.
Na busca desse objetivo, os constitucionalistas brasileiros, nas últimas
décadas, cuidaram de desenvolver uma teoria de interpretação destinada es-
pecificamente à aplicação das normas constitucionais. Considera-se, que os
princípios gerais de interpretação, sistematizados por Savigny, não são mais
suficientes para atender às especificidades do texto mais aberto e supremo
próprio das constituições contemporâneas, e devem ser complementados por
como a teoria dos princípios e a técnica da ponderação desenvolvidas por Robert Alexy. O
próprio Carbonell, no entanto, reconhece que nada disso é exatamente novo, e o que carac-
terizaria o Neoconstitucionalismo é a sua aplicação prática e em conjunto (CARBONELL,
2009, p. 198-202). Vale destacar que muitas das teses ali apontadas não são incompatíveis com
uma metodologia positivista, como pode-se ver em Prieto Sanchís (2007).
2 Art. 16. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a se-
paração dos poderes não tem Constituição. Tradução livre. No original: “Toute société dans laquelle
la garantie des droits n’est pas assurée ni la séparation des pouvoirs déterminée, n’a point de Constitution”.
3 Neste ponto, importante destacar a adoção da distinção entre o texto legal e as normas que
dele são dimanadas. Com isso, aquilo que está escrito em um documento jurídico (no caso, a
Constituição) só irá adquirir algum sentido depois que for objeto de interpretação por parte
de algum agente. Daí decorre a imprescindibilidade de estudos sobre a interpretação consti-
tucional, que tratam justamente das formas como o texto transforma-se em algo concreto, de
aplicação prática. Seguimos, neste ponto, o conceito apresentado por Guastini (2005, p. 23).
No mesmo sentido, consultar Ávila (2007, p. 30-31).
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