Sequestro e Cárcere Privado (Art. 148)
Autor | Francisco Dirceu Barros |
Ocupação do Autor | Procurador-Geral de Justiça |
Páginas | 989-1004 |
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 148
1. Conceito do delito de sequestro e cárcere
privado
O delito consiste no fato de o sujeito ativo privar
alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou
cárcere privado.
Embora o sequestro e o cárcere privado estejam
tipi cados no mesmo estatuto (art. 148 do Código
Penal), as condutas são diferentes. Aníbal Bruno2324
estabelece de forma bastante didática distinção
entre sequestro e cárcere privado. “De dois modos
se pode exercer sobre a vítima essa privação da
liberdade que consiste em anular ou reduzir a
sua capacidade de mover-se livremente de um
para outro lugar, o sequestro e o cárcere privado.
O sequestro é a forma geral dessa espécie punível,
da qual o cárcere privado é um modo particular
da execução, que se distingue porque nele a
detenção da vítima se faz em recinto fechado,
dentro de um aposento, no interior de uma casa,
donde não lhe é permitido sair. O sequestro execu-
ta-se por qualquer modo que consista em pôr o
indivíduo em situação de não poder locomover-se
livremente.Avítimapode carestritamentepresa,
atada a um tronco, amarrada de pés e mãos, retida
dentro de um aposento isolado.”
Já Damásio2325arma:no sequestro, embora
a vítima seja submetida à privação da faculdade
de locomoção, tem maior liberdade de ir e vir. No
cárcere privado, a vítima vê-se submetida à
privação de liberdade em recinto fechado.
Entende o mestre Nélson Hungria que a palavra
sequestro é o gênero e o cárcere privado a espécie,
ou por outras palavras, o sequestro (arbitrária privação
2324 Obra já citada, p. 370/371.
2325 Obra já citada.
ou compressão da liberdade de movimento no espaço)
toma o nome tradicional de cárcere privado quando
exercido in domo privata ou em qualquer recinto
fechado, não destinado a prisão pública.2326
RESUMO PRÁTICO
Para haver o crime de cárcere privado, tem que
haver, impreterivelmente, duas circunstâncias:
1ª: diminuição da liberdade do sujeito passivo;
2ª: restrição total ou quase total da capacidade
de movimentação do sujeito passivo.
EXEMPLOS PRÁTICOS
A vítima ficou retida em um quarto fechado e
isolado, ou dentro de um buraco.
Discordo do Professor Damásio quando o mesmo
a rma que, “no cárcere privado, a vítima vê-se sub-
metida à privação de liberdade em regime fechado”,
porque a vítima pode ser privada de sua liberdade
em um recinto aberto e ser cárcere privado. Por
exemplo: “Tício” foi privado de sua liberdade e ama-
rado em um tronco de árvore”. Observe que o crime
não pode ser o de sequestro porque, utilizando a
mesma lição do renomado professor, a vítima não
cou com “maior liberdade de ir e vir”.
Para haver o crime de sequestro, só precisa haver
diminuição da liberdade do sujeito passivo, ou seja,
não é necessário o con namento do sujeito passivo
para caracterização do crime.
EXEMPLOS PRÁTICOS
A vítima cou retida em uma fazenda ou condo-
mínio.
2326 Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro Forense,
1958. v. 6, p. 192.
Capítulo 3
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Francisco Dirceu Barros
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CONCLUSÃO DIDÁTICA
No cárcere privado, na maioria das vezes, há con-
namento do sujeito passivo, seja em um ambiente
fechado ou em um ambiente aberto, em circunstância
que não permite a movimentação do agente passivo.
No sequestro, não há connamento do sujeito
passivo, nem restrição total da movimentação do
agente passivo.
EXEMPLOS PRÁTICOS 2327
a) Caio comete crime de sequestro ao conduzir para
sua fazenda “Tício”, que dela ca impossibilitado
de sair;
b) Caio comete crime de cárcere privado ao manter
“Tício” segregado em um quarto de sua fazenda;
c) Von Liszt apresenta estes casos: detenção em
um manicômio, em um convento, em um bordel;
atirada de escada pela qual alguém desceu a um
poço profundo, e o fato de pôr alguém em estado
hipnótico.
Frequentemente os meios de comunicações,
em linguagem totalmente leiga, relatam: Mévio se-
questrou “Tício” e está pedindo um resgate de R$
10.000,00. Repetimos: a linguagem é leiga, pois, o
delito praticado por “Mévio” não foi o de sequestro e
sim o de extorsão mediante sequestro, na forma do
m de obter, para si ou para outrem, qualquer vanta-
gem, como condição ou preço do resgate”.
2. Análise didática do tipo penal
O delito será qualicado nas seguintes hipóteses:
1. se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro do agente ou maior de 60 anos;
2. se o crime é praticado mediante internação da vítima
em casa de saúde ou hospital;
3. se a privação da liberdade dura mais de 15 dias;
4. se o crime é praticado contra menor de 18 anos;
5. se o crime é praticado com ns libidinosos;
6. se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou
da natureza da detenção, grave sofrimento físico
ou moral:
2327 EXEMPLOS “A” E “B” ELABORADOS POR MAYRINK,
NA OBRA JÁ CITADA.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Veja esta questão, elaborada do contexto forense
prático.
O agente ativo mantém em cárcere privado
seu irmão maior de 18 anos e menor de 60 anos.
Pergunta-se:odelitoseráqualicado?
Resposta. Só existe a qualicadora se a vítima é
ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro
do agente ou, no caso da idade, se a vítima for maior
de 60 anos ou menor de 18 anos
OBSERVAÇÕES PRÁTICAS
O sofrimento físico ou moral da vítima deve ser
causado por culpa do agente, ou seja, o crime deve-
rá ser preterdoloso, para distingui-lo da tortura me-
diante sequestro (art. 1o, § 4o, III, da Lei no 9.455/1997).
As formas de execução do delito de sequestro e
cárcere privado:
1o. detenção: por exemplo, levar a vítima num
automóvel e prendê-la num quarto;
2o. retenção: por exemplo, impedir que a vítima
saia de determinada casa.
Ribeiro Pontes defende que para a existência do
delito, necessária é a concordância: a) de fato de
detenção ou sequestro; e b) a ilegalidade desse fato.
Bento de Faria acrescenta a intenção criminosa.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES
a) Constitui crime, expressamente pela Lei do
Abuso de Autoridade (Lei no 4.898, de 9/12/1965),
qualquer ato atentatório à liberdade de locomoção,
bem como ordenar ou executar medida privativa de
liberdade individual, sem as formalidades legais ou
com abuso de poder, ou prolongar a execução da
prisão temporária, de pena ou medida de seguran-
ça, deixando de expedir em tempo oportuno ou de
cumprir imediatamente ordem de liberdade.
b) No Estatuto da Criança e do Adolescente, há
uma modalidade especial de cárcere privado. Dispõe
o art. 230 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990:
Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade,
procedendo à sua apreensão sem estar em agrante
de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da auto-
ridade judiciária competente:
Pena – detenção de seis meses a dois anos.
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