O serviço público sob um viés solidarista: breve análise

AutorJúlia Bagatini/Carla Souza da Costa
Ocupação do AutorEspecialista em Direito Administrativo/Mestre em Direito pela UNISC
Páginas165-183
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O SERVIÇO PÚBLICO SOB UM VIÉS SOLIDARISTA
9.1 APORTES INTRODUTóRIOS
A solidariedade é um dever moral, que pode ser encarado como ca-
ridade, generosidade, bondade ou compaixão, e é também um dever
ético, entendido como uma forma altruísta de tratar o outro. Ainda, a
partir da evolução histórica da ideia de solidariedade, permeada por
uma visão absolutamente constitucionalista, na qual a dignidade da
pessoa humana mostra o mote de quaisquer relações, a solidariedade
passa a ser vista sob um viés jurídico, que diz respeito à responsabili-
dade para com outrem.
Nesse sentido, passa-se da ideia de um dever moral (ético) de so-
lidarismo a um dever com enfoque jurídico. O Direito toma para si os
deveres morais e passa a discipliná-los como deveres jurídicos, a m de
alcançar os ditames constitucionais, como a dignidade da pessoa hu-
mana. Dessa forma, verica-se que o Estado positivou o instituto da
solidariedade no art. 3º, I, da Constituição Federal, como princípio fun-
damental do Estado brasileiro.
Ocorre que para ser tal princípio fundamental aplicado na práti-
ca, são necessários mecanismos que o concretizem, é o que ocorre com a
ideia de políticas públicas, muitas das quais surgem para garantir a ideia
do constitucionalismo contemporâneo, que traz como mote do sistema
a solidariedade. Assim, os serviços públicos, que não possuem univo-
cidade quanto à sua terminologia, são meios de efetivação do princípio
da solidariedade.
Nesse sentido, o ensaio pretende vericar o conceito de serviço
público, buscando vericar como ele se concretiza, visando à solida-
riedade, sendo todo este estudo permeado pela ideia geral de políticas
públicas, concretizadas via serviço público, e contendo uma análise do
atual sistema de serviço público estatal sob o viés da constitucionaliza-
ção do Direito, ou seja, o constitucionalismo contemporâneo.
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PENSANDO O DIREITO VOL. IV
8.2 SOLIDARIEDADE E SEU HISTóRICO: DE UM DEVER
MORAL A UM DEVER JURÍDICO
Não há como avaliar a solidariedade no âmbito jurídico, sem se ater à
noção do que é solidariedade. E para conhecer o instituto, nada mais
óbvio do que vericar sua origem, analisando toda sua evolução, de ma-
neira cronológica.
O estudo acerca da solidariedade pode se dar a partir de duas gran-
des vertentes, a solidariedade com viés losóco, que é aquela que surge
a partir da ideia de ajuda ao outro, ou a solidariedade sociológica, que
surgiu da necessidade de uma boa convivência em sociedade, com o ideal
de cooperação social. Nesse sentido, o ensaio dará ênfase ao estudo do
solidarismo sob um viés sociológico, o qual se mostra como base para o
conceito de serviço público, sem, contudo, se afastar da ideia do solidaris-
mo losóco, isto porque ambas as visões possuem origem comum.
A ideia de solidariedade inicia-se a partir do reconhecimento do
ser humano enquanto centro detentor de dignidade e aparece a partir
da noção do seu antônimo, ou seja, do individualismo. (SOARES, 2009)
Verica-se que a solidariedade tem suas vozes iniciais na Antiguida-
de Clássica, mesmo que não com essa terminologia. Platão foi um dos
primeiros lósofos gregos de que se tem notícia a tratar timidamente
sobre o que hoje se entende por solidarismo, contrapondo-se à ideia do
personalismo. Em A República, Platão traz a ojeriza ao egocentrismo,
a partir de uma interlocução entre os personagens Glauco e Sócrates.
Aristóteles, também lósofo grego e discípulo de Platão, traz a
noção do que seria a solidariedade, a partir da ideia da amizade. Em
sua famosa obra Ética a Nicômaco arma que a amizade é mais impor-
tante que a justiça, porque quando presente a amizade presente estará
a justiça. Na amizade, o indivíduo se faz outro, sai de si, se objetiva.
(SPENGLER, 2012)
Para o referido autor, a amizade traz a ideia de igualdade, pois pes-
soas desiguais se igualizariam a partir da amizade. Assim, a amizade im-
plica igualdade e semelhança, notadamente a similaridade daqueles indi-
víduos que se assemelham em excelência moral. (ARISTÓTELES, 2012)

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