Servico Social, educacao e racismo: uma articulacao necessaria/Social Work, education and racism: a necessary articulation.

AutorPaula, Aline Batista de

Introdução

O presente artigo é resultado de uma fase inicial de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo geral se constitui em refletir sobre o trabalho dos assistentes sociais nas políticas educacionais, bem como sua coadunação com as recentes legislações de combate ao racismo na área, que tiveram como lastro a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB--1996). Essa primeira fase trata-se de um mapeamento das produções dos programas de pós-graduação em Serviço Social sobre racismo na educação.

Nesse sentido, o âmago da reflexão se ancora nas transformações ocorridas principalmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990, de forma concomitante: no interior da profissão--pelo processo de renovação e sua consequente mudança de direção teórica e social. Essas mudanças estavam no bojo do Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano (1965-1975) e nas políticas públicas decorrentes do processo de redemocratização do país, especialmente pela intensa mobilização dos movimentos sociais, de diversos segmentos, em prol de direitos sociais, políticos e civis; dentre essas políticas, ade educação.

As lutas encampadas pelos mais diversos movimentos sociais adquiriram uma legitimidade e força políticas que barraram provisoriamente as orientações internacionais de reforma neoliberal do Estado. Cabe ressaltar que desde o fim dos anos 1970, ampliado pela crise mundial do petróleo, ocorria o que Mandel (1982) denominou de o fim da onda longa de expansão capitalista (1945-1973). Nesse períodose instauraram as bases para a crise estrutural do capital (MÉSZÁROS,2011), da qual decorreram medidas de ajustes para a restauração das taxas de lucro, em diversos países no mundo, mas que no Brasil foram refreadas pelo processo de redemocratização.

Em grande parte como consequência destas mobilizações, especificamente na política de educação, tanto na Constituição de 1988, como na LDB, buscou-se incorporar vieses mais inclusivos e democráticos, na tentativa de respeitar a diversidade e a complexidade da população brasileira. Os princípios fundamentais da educação enquanto direito de todos, junto à necessidade de criação de igualdade de condições para acesso e permanência na escola, demarcados por essas legislações, criam uma gama de novas possibilidades no que se refere tanto aos processos educacionais, quanto às demandas de novos profissionais, como o assistente social.

Também nesse momento, se reconstroem as bases teórico-metodológicas e ético-políticas do reconhecimento do Serviço Social. Com base na tradição marxista, esta passa a ser explicada enquanto uma profissão cuja dinâmica se constrói nos marcos do capitalismo. O Projeto Ético-Político profissional, elaborado nesse processo de transformação e materializado tanto nos marcos legais--a lei de regulamentação da profissão, em 1993, e o Código de Ética de 1993--quanto nas produções intelectuais fundamentadas no referencial marxista, demarcou para a profissão a necessidade de articulação entre a percepção crítica da realidade e a reflexão teórica da prática profissional.

Porém, apesar das profundas transformações sofridas pela profissão na tentativa de superação do seu caráter conservador nas últimas três décadas, no que se refere ao debate racial dentro do Serviço Social, ainda há muita resistência dos profissionais em aprofundar o debate no sentido de compreensão do racismo como estrutural e estruturante das relações sociais.

A própria escolha da categoria profissional pela inserção, nos princípios fundamentais do Código de Ética de 1993, do termo "etnia", ao invés de "raça", pode ser considerada um bom indicador de que essa reflexão se coloca como fundamental. O debate sobre raça, racismo e discriminação racial se baseia na construção de um sistema hierárquico de classificação de pessoas, o qual foi utilizado como forma de exploração e escravização através do globo. Etnia, por sua vez, trata-se deum conjunto sociocultural, histórico e psicológico, que segundo Munanga (2003) se constitui em uma categoria lexical mais aceitável que raça.

Em termos de políticas públicas, e ainda que existam críticas pertinentes ao formato do enfrentamento ao racismo no Brasil, também é fato que ocorreu a institucionalização de diversas das demandas históricas dos movimentos negros por parte do Estado. De acordo com Paula (2017), a partir da eleição do Presidente Lula (2003) e ao longo dos seus mandatos (2003-2011), as questões relativas à igualdade racial ocuparam algum espaço na agenda pública nacional (1), especialmente com a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) em 2003.

A Seppir foi responsável pela transversalização do debate racial com as outras políticas públicas setoriais, alicerçando, assim, as demais legislações promulgadas subsequentemente, como: a Lei no 10.639/2003, que institui, na rede básica de ensino, o ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira e africana; a Lei no11.645/2008,que inclui no currículo a obrigatoriedade do estudo da história e cultura dos povos indígenas; o Programa de Combate ao Racismo Institucional (2005); a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2009); e o Estatuto da Igualdade Racial (2010), dentre outras.

Diante do exposto, o debate posto neste artigo ressalta a exigência por assistentes sociais compromissados com a luta antirracista, mais especificamente os que atuam na política de educação, que se percebam como parte ativa da dinâmica social e das demandas postas pelos movimentos sociais, instituídos como direitos pelas legislações, como expressões particulares da luta de classes no país.

Dessa forma, busca-se na primeira parte do texto fazer uma reflexão conceitual da ontologia do trabalho, com base na teoria marxista, articulandoo com a construção da cultura e estabelecendo a relação entre cultura e racismo como fundamento para expansão capitalista e exploração de classe. Pretende-se, através desse debate, trazer fundamentos consistentes para demonstrar a relevância dessa reflexão na categoria profissional, e mais especificamente nesse artigo, para o trabalho dos assistentes sociais na área de educação.

Destarte, considerando a importância do debate racial para atuação dos assistentes sociais, na segunda parte do texto fez-se um estado da arte na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mapeando teses e dissertações na área de concentração do Serviço Social que articulem o debate entre educação, racismo e Serviço Social. Esse tipo de pesquisa, conforme ressalta Ferreira (2002), é reconhecido pela sua metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica, buscando investigar, à luz de referidas categorias, como se caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles. Isto posto, partindo do pressuposto fundamental da relação indissociável entre teoria e prática, pretende-se refletir como a categoria profissional vem ou não se debruçando sobre essa discussão.

Considerações basilares para compreensão do trabalho do assistente social na educação e sua relação com o racismo

Na tradição marxiana que embasa hegemonicamente o trabalho dos assistentes sociais desde a sua renovação, o fundamento ontológico do trabalho se situa na capacidade humana de transformar a natureza para suprir as suas necessidades de existência. Essa ação, contudo, depende da capacidade teleológica do ser humano, que de forma mais simples é sua capacidade de elaborar e aprender.

O trabalho se alicerça na aptidão humana de dar fim consciente às suas ações, por intermédio da compreensão da dinâmica do espaço onde vive, do conhecimento das propriedades e dos elementos da natureza. A ideação do sujeito antes de efetivar a atividade do trabalho, assim como o espelhamento do seu resultado, está ancorada em um conhecimento préestabelecido. Conforme novos aprendizados são agregados, o conhecimento humano se torna mais complexo, pois, à medida que se reproduzem técnicas usadas por outros seres humanos, ou ainda ao se produzirem novas técnicas, a ação humana se torna um motor...

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