Servico Social e pratica politica feminista: o protagonismo de Suely Gomes Costa.

AutorLole, Ana
CargoHOMENAGEM DE VIDA

A contribuição de Suely Gomes Costa para o Serviço Social é notória. A sua trajetória acadêmica e profissional entrelaça com a história da Escola de Serviço Social (ESS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e, também, com a própria história do Serviço Social brasileiro, uma vez que ingressa no curso de graduação em Serviço Social após 23 anos de sua criação, em 1959. Participou ativamente nos anos 1960 e 1970 dos grupos de discussão nos congressos de teorização do Serviço Social promovidos pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) (Cf. COSTA, 1970 e 1988; CBCISS, 1984).

A produção intelectual de Suely demonstra um vasto debate sobre Serviço Social e também uma participação ativa nos congressos de teorização. Atuou vivamente nas instituições de organização profissional-Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) (1) -, através de debates, mesas, e também na gestão do CFESS (1987-1990) como conselheira. Participou do conselho do CBCISS, no período de 1990 a 1993.

Nos anos 1980 encontrou-se com o feminismo através da professora Hildete Pereira de Melo, professora do curso de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), e depois deste encontro Suely remeteu suas produções para esse campo também, mas não só.

O entrelaçamento entre produção científica e militância feminista em defesa da saúde e da vida marcou a trajetória de Suely Gomes Costa: assistente social, economista, historiadora, feminista. Uma "intelectual orgânica" que sempre esteve além de seu tempo. Suely, carioca, nascida em 11 de setembro de 1938, a mais velha de oito irmãos, casou-se e teve dois filhos.

A vida de Suely, como ela mesma costumava dizer, é construída através de "encontros e de afetos, também de alguns desafetos". E foi num desses encontros, bem inesperados, que nos encontramos. Já se passaram duas décadas desse encontro de afetos, porém suas palavras, ensinamentos e ternura permanecem presentes no cotidiano de minhas pesquisas, estudos, aulas, militância, de minha vida.

Suely sempre generosa e acolhedora, gostava de receber as pessoas em sua casa. Posso confessar que lá era um laboratório de produção do conhecimento, sua biblioteca enorme com uma imensa variedade de livros, as histórias contadas por ela, os quitutes feitos por ela...Recebia em sua casa alunas, pesquisadoras, amigas, colegas de trabalho...,e nunca saíamos de lá da mesma forma que chegávamos. Sempre nos enchia de entusiasmo e de conhecimento, uma verdadeira intelectual. Lembro sempre de suas palavras: "quem não sabe o que procura não sabe o que encontra", e quantos "achados" todas nós que passamos pela vida de Suely "achamos", e que transformaram nossas vidas.

Para essa homenagem de vida pensei em escrever sobre a prática política feminista de Suely, mas por onde começar, questionei-me. Foi então que lembrei que havia realizado uma entrevista com Suely para meus estudos de mestrado. Eu era orientanda de Suely e pesquisava a participação dos homens na saúde reprodutiva, a opção pela vasectomia, e fiz essa entrevista no dia 09 de junho de 2005, em sua casa. Para construir a homenagem recorri a essa entrevista-a qual considero inédita, pois quase não usei em minha dissertação de mestrado-,somada à linha da vida que construí por ocasião da homenagem realizada em 2017 (2), a minha memória-uma vez que cada encontro era um aprendizado-e, também ao acervo pessoal de Suely (3).

Quando comecei a (re)ler essa entrevista, a qual estava transcrita a lápis há mais de 15 anos, percebi que ali Suely narrava sua trajetória de encontro com o feminismo e que esse encontro entrelaçava com sua história no Serviço Social. Foi a partir dessa leitura que eu optei por deixar a narrativa por conta de Suely, nada melhor que ouvi-la contar a sua própria história.

Usarei itálico quando da utilização das falas de Suely da entrevista. Fiz essa opção pois são narrativas da própria Suely através de minha leitura e também de minha história com ela, o que foge das citações formais de acordo com as normas acadêmicas.

O encontro de Suely Gomes Costa com a saúde da mulher e com o feminismo nos anos 1980

Para falar do encontro de Suely com a saúde da mulher e com o feminismo é necessário falar de sua inserção na Escola de Serviço Social (ESS) da UFF. Suely, como ela mesma colocou em seu Currículo Lattes (4), ingressou na Escola como professora colaboradora celetista em julho de 1967 permanecendo até julho de 1969. Neste período realizou atividades de ensino, de pesquisa com o projeto "Estudos de práticas profissionais: integração de Processos em Serviço Social" e de extensão no Núcleo Habitacional Mahatma Gandhi, em São Gonçalo, além de participar dos estudos para a Reforma Universitária de 1968 (revisão curricular da ESS). Em 1984 retorna, após realização de concurso público5, como servidora pública na instituição, ingressa como professora auxiliar de ensino, depois assistente, adjunto e, por concurso, como Professora Titular, em abril 1994, com a apresentação da tese "Signos em transformação (Serviço Social: a dialética de uma cultura profissional em cinco ensaios)", publicada pela Cortez Editora em 1995 com o título "Signos em transformação: a dialética de uma cultura profissional" (6) (Cf. COSTA, 1995). Aposentou em 1998, porém permaneceu como professora colaboradora, credenciada ao Programa de Pós-Graduação em História em atividades de pesquisa, ensino e extensão. Foi pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com bolsa de produtividade de pesquisa. A partir de 2002, com a criação do Programa de Estudos Pós-Graduados em Política Social na ESS, Suely passa a integrar o quadro permanente do Curso. Permanecendo credenciada aos dois Programas de Pós-Graduação até o ano de 2017. No ano de 2020, no mês de setembro, Suely teve o reconhecimento de sua contribuição acadêmica e política através do título de Professora Emérita concedido pelo Conselho Universitário da UFF.

Suely cursou a Graduação em Serviço Social pela ESS (7), no período de 1959 a 1962, onde participou ativamente do movimento estudantil e do Diretório Acadêmico Maria Kiehl (DAMK) (8) da ESS/UFF, sendo eleita presidenta na gestão 1961/1963. No período de 1974 a 1978 cursou Economia também na UFF, onde teve um encontro marcante para sua trajetória intelectual com a professora Hildete Pereira de Melo, professora do Curso de Economia, tornando-se sua amiga.

Quando Suely retorna à ESS em 1984, como servidora pública, ela foi designada para a área da saúde, faz a escolha por atuar no Centro de Saúde Santa Rosa (CSSR) (9). Acredito que a escolha de Suely estava relacionada com o fato de seu pai, que era médico, ter trabalhado por 30 anos neste Centro de Saúde e era uma pessoa muito querida neste espaço.

Lá encontra muitas pessoas que trabalharam com ela na década de 1970 na Secretaria de Saúde de Niterói (10), praticamente toda a equipe inclusive o diretor da Unidade à época, o médico sanitarista César Roberto Braga Macedo, o que, segundo Suely, cria uma facilitação de relações profissionais.

Suely ficou no CSSR no período de março de 1984 a dezembro de 1987, lá realizou atividades de orientação de estágio; de extensão sobre educação e saúde na Escola Leopoldo Fróes e, também, como membro do Maria Mulher (Movimento Social de Mulheres da Saúde); participou da montagem do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM); e implementação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (PAISMCA) (11).

Suely relata que não sabia nada de saúde da mulher, estava ges-tando-se o PAISM, [...] eu trabalhava com saúde comunitária, saúde coletiva, planejamento em saúde. No período que trabalhava na Secretaria de Saúde de Niterói, Santinha (12) a chamava para ir às reuniões do movimento feminista, lá ia eu de vez em quando [...] mas não me via estimulada pelo movimento. Neste momento Suely estava mais "impregnada de referências que moveram as esquerdas nos anos 1960", motivada por "debates sobre rumos da saúde coletiva no país e na cidade [Niterói]" (13). Suely também teve o encontro com a professora Hildete no período do curso de graduação em economia, segundo ela: Hildete estava nessa época tocando a discussão do aborto no Brasil, mergulhada nos problemas da área do Planejamento Familiar, foi outra que insistiu muito, me chamou para o Movimento. Relatei essa narrativa para dizer que foi a entrada da Suely no CSSR que apresenta a demanda da implantação do PAISM, que ela não sabia o que era, pois não trabalhava com saúde da mulher...

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