A lei 12.016/09 e seu reflexo jurídico nos mandados de segurança coletivos

Autor1.Guilherme Vieira Barbosa - 2.Yvete Flávio da Costa
Cargo1 Bacharelando do curso de Direito da UNESP - 2.Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense
Páginas18-40

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I Introdução

O mandado de segurança, singular ou individual, já abordado em âmbito constitucional, tanto na reforma de 1926 quanto na própria Constituição de 1934, teve seus primórdios legais, no que diz à legislação em termos específicos, na Lei 191/36, e em casos práticos foi quando o Estado de Minas Gerais, também em 1936, impetrou mandado de segurança contra o Poder Judiciário que havia determinado a penhora de suas rendas, embora no âmbito de mandados coletivos, atualmente não se admite que uma pessoa jurídica de direito público, mais precisamente o caso de Municípios e Estados da Federação impetre tal mandamus, quer seja individual ou coletivo; após essa legislação, houve outras, tais como a Lei 1.608/39 e a Lei 1.533/51. Contudo, o mandado de segurança coletivo como termo só veio a surgiu com a Constituição de 1988, embora se tenha em 1953 o primeiro de alguns de seus casos práticos 3 , porém sem normatizar as suas particularidades e procedimentos específicos, fato esse só atingido com a Lei 12.016/09, a nova lei dos mandados de segurança, que veio revogar a sua antecessora, a Lei 1.533/51.

Assim, tem-se como mandado de segurança coletivo, como modalidade especial de ação de conhecimento, mas com algumas peculiaridades, conforme os moldes dos art. 5º, LXIX e LXX, da CF e art. 21 e art. 22, da Lei 12.016/09, como o meio de defesa pelo qual pessoa jurídica com capacidade processual, ou seja, partidos políticos, sindicatos ou entidades de classe ou associações que atuam em substituição aos seus membros, na defesa de direito coletivo, líquido e certo, lesionado ou ameaçado, desde que não sejam amparados por habeas corpus ou habeas data. Dessa maneira, pode-se dizer que o writ em modo genérico é:

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O remédio que cabe ai particular para anular as medidas de execução, possessórias ou acautelatórias, que a Administração pode, sem intervenção judicial, efetivar. O mandado de segurança é, pois, se nos for permitida a metáfora, o antídoto dessas medidas. E, exatamente por ser uma contramedida de execução, possessória ou acautelatória, é que ele se denomina mandado de segurança e não sentença declaratória de segurança. 4

É desse instituto específico e especial que se segue uma maior abordagem, mais profunda e detalhada, sobre suas particularidades, capacidade de propositura, legitimidade de impetração, abordagem de quais direitos e efeitos constitucionais e legais para as partes ativas e as passivas, comparando legislações e compreendendo os reflexos dela no mundo jurídico, doutrina e jurisprudências, mas inclusive no meio prático.

II Os aspectos comparativos entre a Lei 1.533/51 e a Lei 12.016/09

A matéria de mandado de segurança, presente como garantia constitucional no art. 5º, LXIX e LXX, da CF, era regulada em ordenamento específico, antes da aprovação e vigência da recente Lei n. 12.016 de 07 de Agosto de 2009, pela Lei n. 1.533 de 31 de Dezembro de 1951 que foi responsável por alterar dispositivos legais do Código de Processo Civil no que cerne a aplicabilidade dos mandados de seguranças até então. Com o advento da nova Lei, encontram-se, além da manutenção de alguns pontos comuns, matérias que até então não haviam sido reguladas por legislação alguma em termos de mandados de segurança. Contudo, também se observa a continuidade de normas ultrapassadas pela doutrina e jurisprudência, que foram mantidas no novo diploma legal. Ou em outras palavras, tem-se a nova lei como documento que mudou o modo de ver e abordar no que cerne aos mandados de segurança, carregando consigo aspectos bons e outros que podem ser considerados antiquados conforme o Direito atual, se observada a antiga legislação revogada.

Como aspecto negativo pode-se citar, por exemplo, a manutenção praticamente nos mesmos parâmetros da Lei n. 1.533/51 das previsões de suspensão daPage 20segurança, conforme art. 15, §§ 1º a 5º 5 , da Lei n. 12.016/09, o que segundo Luís Otávio Sequeira de Cerqueira 6 acarreta certo desprestígio aos juízes de primeiro e segundo grau. Outro aspecto negativo da nova lei é o que dispõe seu art. 5º, I 7 , que segundo Luiz Rodrigues Wambier e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos provoca ―o exaurimento das vias administrativas [...], pois viola o princípio da inafastabilidade do controle de jurisdição‖ 8 , já que limita de maneira inconstitucional o instituto do mandado de segurança, principalmente no que cerne a defesa de direitos frente a uma autoridade, e tendo em vista a afirmação de inconstitucionalidade expressa pela Súmula 429 do STF 9 .

Contudo se situa talvez na proibição de concessão de liminares, o efeito mais negativo da nova lei de mandado de seguranças, conforme art. 7º, § 2º 10 , visto que, sob uma aspecto jurídico genérico, põe em risco e enfraquece a garantia constitucional de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Nesse sentido explica de maneira mais precisa Luiz Rodrigues Wambier:

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Efetivamente, é da própria estrutura do mandado de segurança a concessão de liminar. Pode-se dizer, também que a possibilidade de se conceder liminarmente a segurança tem estreita ligação com a natureza jurídica da ação, cujo objetivo é proporcionar a garantia in natura, e não a reparação pecuniária; [...] assim, violando flagrantemente o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF/1988) e o próprio devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF/1988) inerente à ação constitucional. 11

Assim também se expressa Cassio Scarpinella Bueno sobre os mandados de segurança:

Sua própria previsão em berço constitucional (art. 5º, LIV e LV, CF/1988), per se, já indica a possibilidade de liminar para proteção in natura do bem questionado pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes), constitucionalizando-se, destarte, o direito subjetivo público do impetrante à obtenção da liminar quando comprovados seus pressupostos específicos. 12

Por isso, observados os pressupostos para a concessão de medida liminar, que são ―relevância dos motivos em que se baseia o pedido, e da possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante‖ 13 , dever-se-ia conceder a liminar que resguarde os direitos e interesses da parte ameaçada até a sentença de que possibilite a garantia constitucional do mandado de segurança, caso contrário, estaria ferindo um princípio resguardado pela Constituição Federal. Há de se destacar ainda o que diz o inciso III do mesmo artigo, que embora não haja expressamente nada inconstitucional ou que esbarre em outros princípios inerentes e superiores, deve-se atentar para o que se refere à prestação de caução para assegurar o cumprimento da medida, conforme a faculdade do juiz, sendo que esta deve vir motivada e justificada em sua decisão a fim de que a prestação de caução não se torne uma exigência e um requisito para concessão de medida liminar.

Além de tais aspectos questionáveis e negativos de certo modo, a Lei 12.016/09 inovou em vários aspectos, produzindo avanços jurídicos até então não alcançadosPage 21nos termos da matéria, e se conceituando positivamente em muitos aspectos. Dentre as boas inovações pode-se destacar a impetração de mandados de segurança por meio eletrônico, conforme art. 4º da nova lei 14 ; a aceitação legal da recorribilidade de medidas liminares em mandados de segurança; e a regulamentação por meios legais, além da própria Constituição Federal, dos mandados de segurança coletivos.

Tem no que diz a recorribilidade das decisões de liminares o ponto positivo mais polêmico dos citados, principalmente porque tal disposição não era regulada e aceita pela Lei 1.533/51, e ainda como fator preponderante de tal discussão tem a Súmula 622 do STF 15 .

Os adeptos a irrecorribilidade de tais decisões afirmam, além dos argumentos expressos, outros elementos como fatores justificáveis para a não ocorrência de agravo, tais como a incompatibilidade e contradição de ordenamentos e fatores subjetivos do julgador. Acerca do primeiro, dispõe Luiz Rodrigues Wambier:

Para alguns doutrinadores, a irrecorribilidade do pronunciamento através do qual o juiz defere ou não o pedido de liminar decorreria da incompatibilidade da lei geral (Código de Processo Civil de 1973) com a lei especial que lhe é anterior (Lei 1.533/1951). É que a lei geral não teria o condão de ab-rogar a especial (que jamais previu o manejo do agravo contra decisões interlocutórias) que com ela coexiste. Outro argumento para sustentar a irrecorribilidade da decisão interlocutória em mandado de segurança, é a suposta incompatibilidade entre a celeridade do rito previsto para o mandado de segurança e o sistema recursal do Código de Processo Civil. 16

Ainda sobre o choque entre o Código de Processo Civil de 1973 e a antiga lei de mandado de segurança, quanto à irrecorribilidade, expressa Araken de Assis:

Ela se harmoniza ao critério geral de incompatibilidade entre as disposições da lei nova e geral com o sistema consagrado em lei especial e anterior, impedindo a ab-rogação desta. Em síntese, subsistem em vigor as restrições à recorribilidade plena das Page 23interlocutórias proferidas em mandado de segurança, que governam o remédio ao tempo do Código de 1939. 17

Já quanto ao elemento subjetivo deferido ao julgador, conforme Luiz Rodrigues Wambier tem-se:

Para defender a irrecorribilidade da liminar em mandado de segurança, o seguinte argumento: a concessão de...

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