Sexo biológico , co mporta mental e de identidade : desafios para o Biodireito
Autor | Adriana Caldas do Rego Dabus Maluf |
Páginas | 133-170 |
CAPÍTULO 4
SEXO BIOLÓGICO, COMPORTAMENTAL E DE
IDENTIDADE: DESAFIOS PARA O BIODIREITO
Adriana Caldas do Rego Dabus Maluf
Mestre e doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Professora de Direito Civil e Biodireito da Faculdade de Direito do Centro Uni-
versitário UniFMU, nutricionista e membro da Comissão Biotecnologia e Biodireito da
OAB/seção São Paulo. Advogada e palestrante em direito civil. Colaboradora e membro
de conselhos editorais de revista jurídica, como Revista do Advogado, Revista Brasileira
de Direito Ambiental, Revista Brasileira de Direito Civil, Constitucional e Relações
de Consumo. Autora dos livros Limitações urbanas ao direito de propriedade e Nova
modalidades de família na pós-modernidade, publicadas pela Atlas.
Sumário: 4.1. Introdução – Considerações iniciais – 4.2. Denição e histórico; 4.2.1. Conceitos;
4.2.2. Características; 4.2.3. Classicações – 4.3. Discussões – 4.4. Possíveis soluções – 4.5.
Referências Bibliográcas
4.1. INTRODUÇÃO – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A sexualidade é um poderoso agente identificador do ser humano. Inúmeras são
as suas variações bem como do gênero humano. Estes dois elementos, a seu turno,
produzem intrínsecos questionamentos no campo da bioética, do biodireito e dos
demais ramos do direito.
Para tanto, primaz se faz estabelecer um panorama dos três casos que serão
abordados no presente estudo: o homossexual, o transexual e o intersexual.
O século XX trouxe, amparado em suas inúmeras descobertas e transformações,
o debate sobre a identidade sexual, a orientação sexual e a identidade de gênero.
Sem dúvida nenhuma, o momento histórico é favorável para uma maior aceitação
das íntimas particularidades de cada ser humano, pois esses bens recebem proteção
constitucional e ideológica em diversos países do mundo, frente à valorização da
dignidade da pessoa humana, do respeito aos direitos da personalidade e dos direitos
humanos, tão em voga nesse limiar de século.
Ampla é a abordagem temática que envolve o indivíduo e as questões de gênero.
De essência multifacetada, sua definição passa pelos campos da medicina, da socio-
logia, da psicologia, da filosofia e do direito.
Ao tema em questão, de essência complexa é fascinante, não pode deixar de
lembrar das palavras de John Stuart Mill:
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Em toda parte o despotismo do costume é o obstáculo permanente para o avanço humano, con-
servando-se em incessante antagonismo com essa disposição de visar a algo melhor que o cos-
tumeiro, a que se chama de acordo com as circunstâncias, de espírito de liberdade, de progresso
ou de aperfeiçoamento.
Ou as palavras de Wilhelm Von Humboldt “o princípio grandioso e determi-
nante, para o qual converge diretamente cada argumento exposto nestas páginas,
consiste na importância absoluta e essencial do desenvolvimento humano em sua
mais rica diversidade”.1
4.2. DEFINIÇÃO E HISTÓRICO
Inicialmente, a fim de bem situarmos a questão da sexualidade do ser humano,
podemos apontar alguns conceitos basilares: a identidade sexual, a orientação sexual,
a identidade de gênero e a orientação sexual.
Esses conceitos, de forma entrelaçada, formam a chamada diversidade sexual.
Assim, o sexo pode ser definido como o conjunto de características biológicas
contidas nos aparelhos reprodutores masculino e feminino. Define o ser humano em
sua estrutura binária: homem e mulher! Por sua vez, não determina a identidade de
gênero nem a orientação sexual do indivíduo.
A identidade sexual pode ser definida como a plena inserção psíquica de um
indivíduo em consonância com suas características anatômicas.
O gênero, por sua vez, recebe uma construção sociológica, é um conceito mais
subjetivo, mais ligado ao papel social desempenhado pelo indivíduo do que por suas
características biológicas. Representa, outrossim, a identidade de gênero a expressão
da vivência social do indivíduo.
A orientação sexual corresponde à forma pela qual o indivíduo vai viver a sua
sexualidade, podendo ser:
a) Heterossexual: quando os seres se relacionam afetiva e/ou sexualmente com
pessoas do sexo diferente do seu;
b) Homossexual: quando os indivíduos se relacionam afetiva ou sexualmente
com seres do mesmo sexo que o seu;
c) Bissexual: quando os seres se relacionam com pessoas de ambos os sexos,
podendo essa orientação bissexual ser alternada ou concomitante – definindo assim
o momento de sua manifestação;
d) Assexual: marcada pela ausência completa de atração sexual, ou mesmo de
pequeno ou inexistente interesse nas atividades sexuais humanas. Difere-se esta da
abstinência sexual e do celibato, que são comportamentos, via de regra, decorrentes
1. MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 3 e ss.
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Capítulo 4 • Sexo biológiCo, Comportamental e de identidade: deSafioS para o biodireito
de fatores pessoais ou crenças religiosas. A assexualidade, entretanto, não impede
a feição romântica, podendo esta se manifestar também de várias formas: atração
romântica por pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos. Podem existir
casos, entretanto, de completa ausência de assexualidade e afetividade.
e) Pansexual: marcada pela atração sexual, romântica ou emocional entre pessoas
independente do sexo ou da identidade de gênero do outro. Inclui pessoas que não
se encaixam na divisão binária masculino/feminino. Denota assim, um potencial de
atração por todos os sexos ou gêneros.
Assim sendo, temos que o sexo do indivíduo representa um agente identificador
potente que se baseia em múltiplos fatores que estruturam a essência do ser humano.
Ademais, inegável é a importância que teve o sexo na configuração dos direitos
da pessoa, desde os primórdios até a equiparação jurídica do homem e da mulher
tal como se apresenta na atualidade. Representa este em seu âmago uma qualidade
identificadora do ser advindo do equilíbrio de diversos elementos – somáticos, psí-
quicos, sociais – que normalmente aparecem equilibrados.
Quanto à sua etiologia, a determinação do sexo do indivíduo é definida através
da interação de genes que estão situados em pares homólogos, ou seja, cromossomos
sexuais. O homem apresenta 44 autossomos + XY (heterogamético) e as mulheres
44 autossomos + XX (homogamético).
Amparando-se nos preceitos da embriologia, temos que entre 6 e 8 semanas
após a concepção, o feto masculino de estrutura cromossômica (XY) recebe uma
dose maciça de hormônios androgênicos que, além de configurações embriológicas
específicas, alteram a estrutura cerebral de um formato feminino para uma confi-
guração masculina. Um erro na secreção desse hormônio alterando-lhe a dosagem
circulante, ou uma hipersensibilidade dos tecidos cerebrais, pode gerar um feto
masculino com estrutura cerebral funcionante nitidamente feminina, levando ao
aparecimento do comportamento homossexual na puberdade ou num grau mais
elevado gerar a síndrome transexual.
Temos que, na esteira desse pensamento, o principal responsável é o impacto ou
a falta do hormônio masculino sobre o cérebro, os homossexuais são em sua maioria
masculinos. Ou seja, o comportamento sexual será definido pela estrutura do cérebro
ainda em estágio embrionário.2
Estudos realizados na Alemanha demonstram que uma queda dos níveis de
testosterona no início da gravidez aumenta a probabilidade do aparecimento do
homossexual masculino, já que os hormônios femininos vão configurar o cérebro.
2. Obedece a proporção de 8 homossexuais masculino para uma lésbica. Obedece a uma estrutura bipartida
a configuração cerebral: o centro de atração, regido pelo hipotálamo determina qual sexo vai despertar
interesse; o centro de comportamento, onde o nível hormonal adequado vai estimular o comportamento
masculino ou feminino. MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na
pós-modernidade, São Paulo: Atlas, 2010, p. 123-128.
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