Silêncio na historiografia econômica brasileira: a legislação concorrencial como inovação institucional (1937-1945)

AutorMário André Machado Cabral
CargoNew York University, New York, United States of America
Páginas1-32
1
DOI https://doi.org/10.5007/2177-7055.2021.e78946
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Silêncio na historiografia econômica
brasileira: a legislação concorrencial como
inovação institucional (1937-1945)
Silence in Brazilian economic historiography: competition
legislation as institutional innovation (1937-1945)
Mário André Machado Cab ral
New York University, New York, United States of America
Resumo: O objeto do trabalho é i nvestiga r as legislações ant itruste brasileiras dos
anos 1930 e 1940. A hipótese é de que, a d espeito do silêncio de relevante s autores
da histor iograa econômica brasileira, tais legislações e as instituiçõe s por elas
criadas são inovações i nstitucionais do pr imeiro período de Getú lio Vargas como
Presidente (1930-1945), especicamente do Estado Novo (1937-1945). A partir
de pesquisa bibliográ ca e análise documental, os resultados apontara m que essa
legislação representou uma inovação in stitucional. Concluiu- se que o legado ju-
rídico-i nstituc ional do per íodo inclui também o direito concorrencial.
Palavras-chave: Antitruste – Est ado Novo – História do Direito Econômico.
Abstract: The paper aims to investigate the Bra zilian antit rust statutes from the
1930s and 1940s. The hypothesis is that, despite the silence of relevant authors
of the Brazi lian econom ic histor iography, such stat utes and the institut ions cre-
ated by them are leg al and in stitutional innovations from Getúlio Vargas’s rst
period as Pre sident (1930-1945), specically the Estado Novo (1937-1945). Based
on bibliograph ic research and documenta l analysis, the re sults indicated tha t such
legislat ion represented an inst itutional innovat ion. The conclusion is that the lega l
and institutional legacy of the per iod also includes the competition law.
Keywor ds: Antitr ust – Estado Novo – History of Economic Law.
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SILÊNCIO NA HISTORIOGRAFIA ECONÔMICA BRAS ILEIRA:
A LEGISL AÇÃO CONCORR ENCIAL COMO I NOVAÇÃO INS TITUCIO NAL (1937-1945)
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É comum se atribuir ao período 1930-1945 um conjunto de
mudanças sign icativas nas funções e na estrutura do Estado brasilei-
ro. Na esteira do movimento que alçou Getúlio Vargas à Presidência
da República, a Revolução de 1930, mudanças importantes foram
operadas: mudanças no perl político das classes que ocuparam o
poder; mudanças na forma de atuação do Est ado perante a economia;
mudanças constitucionais que abriram novos capítulos no constitu-
cionalismo brasileiro; mudanças infraconstitucionais que reetiram
novas preocupações estatais quanto a temas relevantes; mudanças
institucionais que conferiram ao Estado novos instrumentos de in-
tervenção, entre outras.
Dentre as mudanças, o presente trabal ho tem como foco analisar
as inovações jurídico-institucionais do período, isto é, o conjunto de
instituições e diplomas normativos criados para dar conta das novas
tarefas estatais, especialmente no campo econômico. O período foi
responsável pela criação de ministérios, comissões, departamentos,
institutos, empresas estatais, leis, além de duas Constituições. A his-
toriograa costuma listar tais inovações. Contudo, raramente as le-
gislações antitruste e as instituições criadas para sua implementação
são incluídas como inovações institucionais do período.
Assim, o presente estudo pretende entender o sentido histórico
das leis com conteúdo concorrencial do período, focando nos anos
do Estado Novo (1937-1945), pois foi nesse período que surgiram as
primeiras leis brasileiras com disposições tipicamente antitruste: o
Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, e o Decreto-Lei nº
7.666, de 22 de junho de 1945, conhecido como Lei Malaia. O objet ivo
é demonstrar que as legislações antitruste são inovações institucionais
do período, tendo deixado legado obser vável nos dias atuais.
O texto se divide d a seguinte maneira: primeiro, assinala-se a im-
portância d a Revolução de 1930 e da chegada de Vargas ao poder como
um momento inaugur al de importantes mudança s que se operariam nos
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SEQÜÊNCI A (FLORIANÓ POLIS), VOL. 42 , N. 88, 2021 3
anos seguintes no Estado brasileiro; segundo, são discutidas algumas
das inovações jurídico-institucionais do período 1930-1945, focan-
do-se no Estado Novo; por m, analisam-se as primeiras legislações
brasileira s com conteúdo antitruste e seu papel histórico, demonstrando
sua compreensão como inovações institucionais do período.
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A partir da chegada de Getúlio Vargas ao Poder Executivo
Federal como Presidente da República, em 1930, o Estado brasileiro
passou por transformações. Com base na análise clássica de Celso
Furtado, nota-se uma mudança da postura estatal no que concerne
à atuação na economia, notadamente quanto ao gerenciamento dos
efeitos da crise de 1929 e à defesa do setor cafeeiro. Diante da redução
da demanda externa por café na esteira da crise e da importância do
produto para o País, o governo resolveu expandir o crédito para -
nanciar a retenção dos estoques. Furtado a ssinala a intervenção estat al
nesse contexto como um verdadeiro programa de fomento da renda
nacional: ao na nciar o setor com recursos internos, conseguiu-se que
o nível de renda não se corroesse e o emprego se mantivesse. Isso se
deu sem contração de dívidas no exterior para nanciar os estoques.
Ainda que se aponte no mecanismo o que Furtado chama de “so-
cialização das perdas” (toda a sociedade arcaria com o nanciamento
de um setor da economia), a expansão do crédito seria expressão de
uma nova postura econômica estatal (F, 2007, p. 263-273).
Outra mudança importante ocorrida na esteira da Revolução
de 1930 foi quanto aos grupos político-sociais a ocuparem o poder.
Antes dominado pela burguesia do café, o poder estatal passou a ser
dividido, sob a mediação de Vargas, com outras frações de classe.
Boris Fausto aponta para o m da hegemonia da burguesia cafeeira
seguida da constituição de um “Estado de compromisso”, em que
disputariam o espaço estatal grupos sociais distintos, como os setores

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