Simulação, Fraude, Sonegação e Aplicação da Multa Qualificada na Desconsideração de Planejamentos Tributários

AutorAurora Tomazini De Carvalho
Ocupação do AutorMestra e Doutora pela PUC-SP, Professora UEL e PUC-SP, Pesquisadora do IBET e Conselheira do CARF
Páginas103-138
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SIMULAÇÃO, FRAUDE, SONEGAÇÃO E APLICAÇÃO
DA MULTA QUALIFICADA NA DESCONSIDERAÇÃO DE
PLANEJAMENTOS TRIBUTÁRIOS COM ÁGIO
Aurora Tomazini de Carvalho1
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objeto delimitar os conceitos
de simulação, fraude e sonegação para fins de aplicação da
qualificação da multa tributária de ofício em 150%, nos ca-
sos que envolvem desconsideração dos fatos constituídos pelo
sujeito passivo em operações tidas como de planejamento
tributário.
O estudo decorre do primeiro caso de planejamento tri-
butário com ágio por mim relatado e julgado em atuação jun-
to ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e
também de discussões oriundas e fomentadas no grupo de es-
tudo e pesquisa do IBET, que este ano teve quatro encontros
direcionados ao tema.
A análise volta-se à identificação de critérios demarca-
tórios de tais conceitos para aplicação da norma do art. 116,
parágrafo único do CTN. De modo que nosso objetivo aqui
1. Mestra e Doutora pela PUC-SP, Professora UEL e PUC-SP, Pesquisadora do
IBET e Conselheira do CARF.
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IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
não é investigar a diversidade doutrinária em relação ao con-
teúdo significativo verificada entre os autores no uso de tais
expressões, mas sim propor uma forma de identificá-las na
utilização da desconsideração de fatos jurídicos tributários
pelo fisco, bem como na aplicação da multa qualificada.
Para isso tomamos como base o método do Constructivis-
mo Lógico-Semântico e trabalhamos com os pressupostos da
Escola do Prof. PAULO DE BARROS CARVALHO, partindo
do referencial de que o direito é um conjunto de normas jurí-
dicas válidas em nosso país, que se manifesta em linguagem
(texto) e se constitui num objeto cultural, criado e manipulado
pelo homem com o intuito de implementar seus valores na
sociedade.
1. Interpretação, aplicação e constituição da lingua-
gem jurídica
O aplicador do direito, ao fazer incidir a norma no caso
concreto, se depara com a base material do direito positivo,
o conjunto de textos produzidos pelo legislador (autoridade
competente). A ele cabe interpretar os enunciados prescriti-
vos perceptíveis no texto, atribuindo-lhes sentido e construir
a norma jurídica (enquanto conteúdo significativo estrutura-
do em HC) a ser aplicada no caso concreto. Tal sentido, no
entanto, é condicionado por seus referenciais culturais e pelo
contexto que vivencia. De modo que, não existe um sentido
absolutamente verdadeiro, certo ou justo a ser aplicado. Exis-
te um próprio, válido, vertido na linguagem do aplicador (in-
terpretação autêntica).
Da mesma forma, se depara com a linguagem dos fa-
tos alegados e das provas que os fundamentam, também um
conjunto de textos, mas com outra linguagem, informativa de
um acontecimento no mundo fenomênico, que no caso do di-
reito tributário é revelador de capacidade contributiva. A ele
cabe também interpretar tais enunciados, valorar e construir
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significativamente o fato jurídico tributário ao qual ensejará,
com a aplicação da norma jurídica, efeitos jurídicos. Tal cons-
trução também é condicionada por seus referenciais culturais
e contexto histórico. E muito embora todo o direcionamento
normativo processual seja voltado à busca de uma verdade
material (aferida pela identidade da linguagem do fato jurídi-
co ao acontecimento empírico – evento – ao qual ele faz refe-
rência), a verdade para o direito é formal, aferida em razão do
seu procedimento. Por isso, costumamos dizer que os fatos so-
bre os quais incidem as normas jurídicas não são verdadeiros
ou falsos, mas sim válidos ou não válidos, constituídos como
antecedentes de normas individuais e concretas.
Aplicar o direito ao caso concreto não é uma tarefa fácil.
O sujeito competente (ao qual o sistema atribui a obrigação de
produzir a norma individual e concreta) tem todo um trabalho
de pesquisa legislativa (principalmente no direito tributário
em que a legislação é muito específica, complexa e modifica-
-se a cada dia). Além disso, cabe a ele delimitar o conteúdo
semântico dos termos e expressões utilizadas pelo legislador,
para construir o sentido hipotético-condicional a ser aplicado.
Se não bastasse toda essa complexidade com relação ao direi-
to, também a ele compete a interpretação da linguagem dos
fatos, a valoração das provas e a construção da linguagem do
fato jurídico tributário ao qual fará a subsunção da norma e a
consequente imputação dos seus efeitos jurídicos.
Hoje grande parte deste trabalho, no âmbito do direito
tributário é imputado ao próprio sujeito passivo da obrigação
tributária. A ele compete a responsabilidade, mediante o cum-
primento dos chamados deveres instrumentais, de constituir
o fato jurídico tributário, identificar e interpretar a legislação
aplicável, fazer incidir a norma no caso concreto e realizar o
recolhimento do tributo devido (nos moldes do por ele apura-
do). É o denominado lançamento por homologação. Um dever
que era da administração tributária (o de constituir o crédito
tributário) é transferido como um ônus para o sujeito passivo

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